Duas observações envolvendo Batman Ressurge
/Herói grego por Pichard |
why so NOT serious? |
Picareta? |
Why so GODDAMN serious? |
Herói grego por Pichard |
why so NOT serious? |
Picareta? |
Why so GODDAMN serious? |
por Eiliko Flores
O uso que fazemos das palavras é capaz de dizer muito sobre o modo como enxergamos o mundo. No uso da palavra razão encontra-se as marcas de como, em geral, a concebemos. Dizemos que “a razão disto é aquilo”, ou seja, associamos, sem perceber, razão a causalidade, como se fossem a mesma coisa. Quando dizemos que “a razão disto é aquilo” estamos querendo dizer justamente que a “causa” disto é aquilo. Mas um pensamento que se guie unicamente pela causalidade na interpretação do mundo certamente corre sério risco de reduzí-lo. O mesmo acontece na narrativa: ainda que muitas narrativas sejam construídas em torno de uma causalidade que simplesmente encadeia os acontecimentos, há sempre a possibilidade de construir de outro modo o que se quer contar. Um exemplo banal: começar pelo fim.
Se associamos de modo tão escancarado razão e causalidade, e se é verdade que a causalidade não é tão importante assim para a arte, não é estranho que se associe tanto arte e loucura. O reino da arte consegue subverter o primado da causalidade, permite o exercício de uma racionalidade outra, sem as rédeas e margens do mecanicismo. Subverter os meandros da causalidade na narrativa, explorar os múltiplos significados que podem surgir quando deixamos de ser regidos pela racionalidade anquilosada do pensamento estreito e unívoco, abrindo campo para a exploração de associações inesperadas, é uma experiência de liberdade: é deixar que emerja o mistério e a plurissignificação, é a descoberta de novas maneiras de interpretação e figuração do mundo, capazes de surgir do choque e da diferença entre os fragmentos, e não apenas de seu mero encadeamento linear, causal.
No âmbito da arte seqüencial, a justaposição de quadros pode, evidentemente, limitar-se a colocar uma ação ou pensamento depois do outro, como em uma narrativa tradicional. Entretanto, essa lógica pode ser subvertida, e não é nenhuma novidade: a justaposição de quadros pode ser capaz de associar imagens e momentos aparentemente desconexos, ocasionando a implosão de plurissignificações e simbolismos que a mera causalidade desconhece.
Associações narrativas inesperadas: uma experiência de liberdade
Citando um artista da arte seqüencial contemporânea, de reconhecida posição iconoclasta, é fácil perceber que, há décadas, Laerte produz quadrinhos que subvertem não apenas a lógica causal em sua arte (promovendo, muitas vezes, associações inesperadas que beiram um absurdo calculado) e que afrontam todo um modo de ver o mundo. Laerte subverte a lógica estreita e mecanicista do dia-a-dia, as caretices das quais faz parte a causalidade erigida como lógica imperialista do pensamento. E não é o único, é claro.
Narrativa segundo Laerte
O pensamento causal, indispensável à ciência, é de pouca utilidade para a atividade do artista e sua interpretação da existência: basta dizer que o fluxo da vida, excluídas as contingências naturais, encontra pouco amparo na causalidade, embora seja comum que tentemos conduzir nossas ações segundo esse tipo limitado de lógica, prevendo conseqüências e reações a cada pequeno instante, de maneira automática. Não é a toa que o que se chama de ironia trágica, ou ironia do destino, seja justamente a emergência na cadeia dos acontecimentos de algo imprevisto, contraditório, inesperado e completamente avesso àquilo que as expectativas usuais poderiam prever. Também não é por acaso que a arte do século XX demonstrou a inutilidade da imediatez causal frente às marés do pensamento interior e suas associações selvagens, essa dança das idéias e sensações que transfigura o mundo exterior em símbolos e significações.
É o caso do movimento geral dos sonhos que encontramos em Little Nemo, por exemplo. É curioso ver que ali a lógica da criança está associada a tudo, menos à causalidade: e é inevitável notar que o jogo de associações que resulta da exclusão da causalidade imediata – que obviamente emula o universo infantil mais primário – alcança, em Little Nemo, justamente a expressão de muitas das possibilidades poéticas da arte seqüencial. A zombaria que se faz da causalidade, como nas vanguardas do século XX, associada com freqüência ao mundo infantil por razões óbvias, é, na arte, expressão da mais alta maturidade e domínio de expressão.
Little Nemo: lógica da criança não está associada à causalidade
O Dr. Manhattan de cada um
Utilizando nomenclatura que talvez seja considerada antiquada, poucas vezes a lógica causal, importante nas ciências exatas, consegue importar no mundo da arte na consideração daquilo que não está aparente, do que não é facilmente apreensível ao nosso redor. Causas aparentes, na arte, em geral são apenas isso: aparentes. A aparência é muito usada para determinar causas e conseqüências, e daí saem todos os preconceitos. Também todos os utilitarismos, toda a paranóia, toda a doentia vontade de poder que instrumentaliza o mundo, tentando dominar as causas e conseqüências de cada pequeno aspecto da realidade, até o limite da frustração. É nosso lado Dr. Manhattan – tanto mais evidente à medida que Dr. Manhattan se desumaniza, ao longo de Watchman.
É impossível negar a importância do pensamento causal e ele é necessário. Mas pode ser nocivo quando se transforma em um modo padronizado de interpretação do mundo, baseado mais em associações do que em diferenças. É isso o que a arte, incluindo os quadrinhos, consegue enfrentar. Jogar fora a causalidade seria, também, apenas infantilidade (sem arte). Recairíamos em uma ênfase desmedida no casual, no gratuito. Questões de pesos e medidas, é claro.
Não pretendemos com estas considerações nenhuma atividade prescritiva: não pressupomos este texto como uma causa, da qual se extraia necessariamente uma conseqüência. Há muito mais no mundo do que isso.
Eiliko Flores é escritor, compositor e professor de literatura brasileira.
Cristiano, à esquerda, e seus irmãos: Ethel e Marcelo. No local onde revirava as lixeiras. Porto Alegre, anos 80. |
Woolf |
Zéfiro |
Wertham |
Zelador da Cripta |
por Pedro Brandt
A revista Animal teve vida breve, durou 22 números, entre 1988 e 1990, mas deixou um legado que ainda reverbera na memória de leitores e autores de histórias em quadrinhos. Foi em suas páginas que vários personagens, roteiristas e desenhistas estrangeiros, até então inéditos no Brasil, foram publicado no país pela primeira vez. O espanhol Max foi um deles. Seu Peter Pank — uma releitura mucho loca de Peter Pan — foi uma das séries mais populares da publicação.
Depois disso, os fãs brasileiros de Max ficariam anos sem notícias do espanhol, até a publicação, no final de 2006, de O prolongado sonho do Sr. T (estreia da editora Zarabatana). Esse distanciamento pode dar a impressão de que autor espanhol tem uma produção sazonal. Não é o caso. Aos 55 anos, Max (nascido Francesc Capdevila) acumula quatro décadas de ilustrações e histórias em quadrinhos e goza de grande prestígio na Espanha. Em 2007, o barcelonês recebeu o Prêmio Nacional dos Quadrinhos. Ano passado, foi tema de uma grande exposição retrospectiva no Museo Valenciano de la Ilustración y la Modernidad, em Valência, que depois passou pela Cidade do México (contabilizando 30 mil visitantes) e desde 18 de junho ocupa a galeria do Instituto Cervantes de Brasília, onde permanece até agosto. De lá, segue para Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.
À mostra estão dezenas de trabalhos originais, como páginas de histórias em quadrinhos, ilustrações para cartazes de shows, capas de discos e revistas (como a prestigiada The New Yorker) e vídeos. Um passeio pela exposição, dividida por décadas, permite acompanhar as diferentes fases de Max, um artista em constante mutação, ainda que dono de traço inconfundível. “Ele trocou muito de estilo, mas tem uma linha mestra ligando sua obra. A liberdade de criação é o fio condutor de seu trabalho”, aponta a espanhola Marta Sierra, curadora da exposição, batizada de Panóptica (“visão total”).
Pelas décadas
Marta, que esteve no Brasil para montar a exposição e fazer uma visita guiada no dia da abertura, é amiga do homenageado desde as primeiras publicações. Ela conta que os desenhos animados, o rock, as artes plásticas e a literatura são algumas das influências de Max. “Também os sábios, as bruxas, as ninfas e os bosques — por isso mesmo, ele escolheu morar em Majorca, cercado de bosques”.
Max começou a publicar nos anos 1970, aos 16 anos, em revistas clandestinas. “Naquela época, a Espanha vivia sob ditadura, e a contracultura americana, em especial, Robert Crumb, o influenciaram bastante”, explica a curadora.
Nos anos 1980, já dono de uma identidade gráfica própria, e participando da antológica revista El Víbora (da qual foi um dos fundadores), Max criou seu personagem mais conhecido. “Ele poderia ter vivido só de Peter Pank, mas não é autor de um só personagem e foi em frente”, pontua Marta Sierra.
A década de 1990 não foi das melhores para os quadrinhos na Espanha, tanto que Max publicou a história
Nosotros somos los muertos (reflexão crítica sobre a Guerra da Bósnia) em fotocópias. A HQ repercutiu muito bem e deu origem a uma inovadora revista de mesmo nome, que contou com colaborações de artistas internacionais de renome. Em 1997, o autor publicou em seu país O prolongado sonho do Sr. T. O personagem Bardín, el superrealista, marca sua produção nos anos 2000 com um surrealismo que evoca Luis Buñuel e Salvadora Dalí. Recentemente, a obra foi incluída no livro 1001 comics you must read before you die (“1001 quadrinhos para ler antes de morrer”, ainda inédito em português). Em texto produzido para ser lido por Marta na abertura da exposição, Max comenta que é sempre uma incógnita saber como sua obra será recebida em outro país, mas está confiante que o público desfrutará da exposição. “Meus desenhos falam visualmente de muitas coisas que, tenho certeza, vocês vão se identificar”. O autor virá ao Brasil em setembro, para participar de eventos de quadrinhos em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.
Panóptica — 1973-2011
Exposição do espanhol Max. Até 11 de agosto, de segunda à sexta, das 11 às 21h. Sábados, das 9h às 14h, na galeria do Instituto Cervantes (707/907 Sul). Informações: 3242 0603. Classificação indicativa livre.
Cinco perguntas para Max:
De onde vem seu pseudônimo? Eu procurava um nome que soasse igual em qualquer idioma. Um dia, vendo um livro de Max Ernst, um dos meus pintores favoritos, me fixei em seu nome. Naquele momento (final dos anos 1970) era um nome muito pouco conhecido na Espanha.
Em que obra você está trabalhando atualmente? Se chama Vapor. É uma novela gráfica de 110 páginas em preto e branco, sobre um homem que está cansado do mundo e decide ir ao deserto buscar um pouco de paz mental. Mas as distrações do mundo moderno o perseguem até lá. Começa como uma comédia e termina como uma história de horror metafísico.
Como você mantém e renova o interesse pelo trabalho? Assim que um trabalho fica pronto, me dou conta de quem não estou totalmente satisfeito com ele. Sempre penso que o próximo pode ser melhor ainda. E a curiosidade, as perguntas sobre o mundo e as pessoas são o motor para novas histórias.
Qual das suas obras gostaria de ver publicada no Brasil? Bem, gostaria de ver publicado Vapor, claro, mas especialmente Bardín, el Superrealista, que creio ser uma obra que marcou um ponto de virada em meu trabalho, onde encontrei um grafismo que buscava: minimalista e emocional ao mesmo tempo e com um tipo de humor metafísico, divertido, profundo e inquietante que creio pouca gente pratica.
Você visitará o Brasil em breve. Conhece o trabalho de autores brasileiros de quadrinhos? O único autor que conheço, e que admiro muito, é o Fábio Zimbres. Também conheço o trabalho de alguns ilustradores como Samuel Casal e Flávio Morais (que mora na Espanha). Mas o quadrinho brasileiro para mim é um grande desconhecido. Espero me atualizar na minha visita em setembro ao Rio e Belo Horizonte. Tenho certeza que o Brasil pode ser extremamente inspirador para o meu trabalho.