O eterno gato por lebre


 por Lima Neto

Olá Leitores! Começo este post afirmando que tentei não escrevê-lo por muito tempo.


Desde que o escritor Grant Morrison colocou seu ponto de vista em relação às patentes inclinações gays do conceito de Batman, na revista Playboy, passando pelo apoio “pessoal” do presidente Obama ao casamento igualitário e chegando, finalmente, ao casamento de Estrela Polar e a recentíssima reencarnação do Lanterna Verde original Alan Scott como um herói homossexual – não acreditei que este assunto deveria ser uma pauta, ou melhor, não queria engrossar a super-exposição que um assunto como esse acaba recebendo, mesmo sendo um defensor da causa LGBTS e entusiasta da inclusão social nos quadrinhos Marvel e DC. 



Joel Schumacher: já sabia
No entanto, o odor de algo podre que emana desses atuais eventos aliado à reação geral do público, tanto na rede mundial quanto ao vivo na minha loja, somado à cobertura “Praça é Nossa” que a imprensa brasileira costuma dispensar para ambos os temas – quadrinhos e homoafetividade – me convenceram a escrever algumas linhas e colocar no papel virtual algo dos meus pensamentos a respeito, e minha profunda irritação.



Para começo de conversa, nenhum destes eventos está relacionado com a melhora do dia-a-dia da população Lesbica Gay Bissexual Transexual Simpatizante do mundo.  Nenhum. No máximo eles podem ser encarados pela esfera das homoafetividades apenas como uma melhoria na representatividade. Mas o que está sendo cobrado neste escambo é algo bem mais valioso.  O fato é que as exigências desta fatia da sociedade são um prato cheio para oportunistas e moeda de troca para políticos tentando se reeleger.  E política é a palavra que amarra todos estes eventos. 



Meet your maker!
Não precisa ser um fã de quadrinhos DC e Marvel para saber que estas duas empresas, que já tiveram brilhantes momentos de criatividade no passado, hoje são apenas produtoras rigorosamente controladas de matéria prima para a indústria de cinema, constantemente ordenhadas pelas mega-empresas de mídia às quais elas pertencem: Warner e Disney. Vale lembrar que até pouco tempo, antes dos filmes de super-heróis venderem bilhões em bilheteria, tanto Marvel quanto DC não despertavam o interesse dessas corporações e gozavam de uma liberdade, restrita, mas enorme comparada com os padrões de hoje. 



Quem sofreu bastante com isso foi a casa de Super-homem, que teve que rebootar todo seu universo para  que seus personagens se adaptassem ao mercado mais “amplo” do cinema.  A Marvel, por outro lado, era uma empresa também relativamente autônoma até ter sido comprada pela Disney.  Resumindo, elas sempre foram uma indústria que segue a lógica do mercado, e agora são mega-indústrias. Some a esse panorama empresarial o apoio oportunista de Obama e o que temos é um surto de casamentos e saídas do armário que ocorrem de modo artificial sacrificando a boa leitura em favor de um golpe de marketing. Quando os holofotes estiverem virados para o outro lado, Estrela Polar voltará ao limbo onde estava escondido e Alan Scott provavelmente terá uma morte heroica.  

Obama: defensor de frascos e comprimidos?



Isso... até "morrerem de AIDS"?
Explicando. Estrela Polar foi o primeiro super-herói homossexual assumido da história, e sofreu bastante por isso sendo transformado até em fada após correr o risco de morrer de AIDS (afinal não é assim que todo gay morre?). Até há pouco tempo ele era um membro dos X-men, grupo de heróis que são uma metáfora para todos os outsiders da sociedade, e nunca se ouviu falar de um namoro sério ou de algum Kyle. Enquanto isso, na DC, o golpe de marketing e ação pasteurizante chamado New 52 abriu um leque de oportunidades a serem exploradas, faltando apenas um bom motivo.  Aí entra Obama e seu motivo e de uma hora para outra o obscuro Estrela Polar se casa e um herói de uma outra realidade é vendido como um “herói seminal da DC”. E é importante diferenciar, Alan Scott, o Lanterna Verde original “não saiu do armário” pois sua versão novo 52 que estreou nos EUA sempre foi assumidamente gay.  Se o escritor James Robinson – que no passado brilhou comandando as aventuras de Starman -  havia planejado re-introduzir Alan Scott como homossexual ou se essa foi uma decisão tomada apenas após o discurso de Obama, não importa. No fringir dos ovos tudo não passa de uma jogada e mais uma exploração do desejo humano de milhões de leitores de serem levados a sério como cidadãos.



Esclarecendo. Não tenho nada contra o casamento de Estrela Polar ou um Lanterna Verde gay, mas a maneira com que foram executadas essas histórias expõe as fundações mercantilistas mercenárias que tentam vender um eterno gato por lebre para aqueles que as sustentam desde suas fundações. Tanto Marvel quanto DC já tiveram momentos de extremo respeito ao seu público LGBTS em quadrinhos como o ótimo Jovens Vingadores e o casal Wiccano e Hulkling e, na DC, com personagens como Renné Montoya – a Questão -  e Kate Kane – a Batwoman . Personagens e histórias pautadas em um bom enredo e uma boa construção que vieram à tona através do desejo de seus criadores de criá-los e não pela obrigação oportunista de atrair clientes para a feira.  



É urgente, sim, que a representatividade social seja uma prioridade para qualquer meio de comunicação de massa. A indústria cultural é um fenômeno responsável por uma significativa parcela não apenas da educação do indivíduo quanto da própria maneira deste ver o mundo.  Representar, nos quadrinhos, nas novelas, nos jornais, uma realidade pautada na diversidade social é uma autêntica ação afirmativa que em muito ajuda, não apenas no alívio de tensões entre parcelas da sociedade, mas também na formação de indivíduos psicologicamente saudáveis e integrados a uma comunidade diversificada. Por outro lado, quando esta mesma ação é feita por motivos ulteriores comprometidos apenas com o mercado, o resultado é a invalidação das possibilidades integradoras, efetivamente aumentando o abismo entre estas parcelas sociais, ambas ressentidas por fazer parte de mais uma falácia de um capitalismo cada dia mais descarado.



Porém, deixando para trás toda essa confusão que é sintomática de um quadrinho industrial que tenta agradar crianças e adultos, mas que resulta apenas na exposição de material inapropriado para os primeiros (e friso aqui o forte conteúdo sexual constrangedor e a violência gráfica exagerada que a nova DC vem imprimindo em seus quadrinhos) e na infantilização dos segundos, nos EUA existem opções de bons quadrinhos gays que são produzidos por artistas do meio, porém com um considerável apelo ao público heterossexual: Criado por Ed Luce, o quadrinho Wuvable Oaf é uma mistura eclética de quadrinhos mainstream e underground. O personagem principal é uma espécie de urso, que no meio gay é como se chamam seus representantes grandes e peludos, que tem super força e outras características esquisitas (como fazer crescer os pelos do corpo em segundos e exalar um cheiro que atrai todos os gatos nas proximidades) e que se envolve em uma bizarra trama ao se apaixonar pelo líder de uma banda de “grind-disco” local. Muitas referências musicais, de Smiths a uma infinidade de bandas de Death Metal e participações especiais de personagens Marvel e DC disfarçados são um prato cheio para os fãs de quadrinhos, independente da orientação sexual. Outra boa pedida é Spandex, uma HQ inglesa de super-heróis sobre um grupo formado apenas por membros LGBTS e liderados por Liberty, uma travesti com uma roupa feminina que lhe dá super poderes.  



Para terminar este artigo, reitero: viva a diversidade! Queremos mais super-heróis gays sim! E mais super-heróis negros e asiáticos e índios; e super-heroínas que não são apenas gostosas de pouca roupa para a satisfação onanista de alguns. Mas que estas mudanças aconteçam porque seus criadores percebem que existe uma urgência para isso e não para transformar necessidades genuínas de minorias em mais uma mercadoria sem alma para ser vendida a qualquer custo. E se você sabe escrever, ou desenhar, faça você mesmo o quadrinho que você gostaria de ler. Este, sim, é o melhor meio de aumentar a diversidade nas HQ´s e evitar que mega-corporações se apropriem de suas carências para transforma-las em golpes de marketing.

Spandex

FESTA! UM ANO DE RAIO LASER!

RAIO LASER - Quadrinhos Além é uma publicação que busca uma visão diferente, aprofundada e dinâmica da arte deliciosa que são as Histórias em Quadrinhos. Completamos um ano em Abril e agora convidamos todos a comemorarem conosco numa festa chocante, alucinática, divertida e deliciosa! Nos acompanha também o pessoal da Ilustrativa, a incrível empresa de ilustração de Brasília, que conta com talentosos quadrinistas, e que celebra 10 anos de existência. Vamos alucinar?

O que são BDs? Um segundo corte, parte 3: Moebius

Por Ciro I. Marcondes

Moebius morreu em 12 de março de 2012. Eu havia programado um texto sobre Escala em Pharagonescia, uma de suas histórias mais interessantes e pitorescas, para a série “o que são BDs – um segundo corte”, quando, em 12 de março de 2012, Moebius morreu. Isso me fez repensar algumas coisas sobre como este texto deveria ser conduzido, e resolvi realizar apenas um comentário breve sobre Pharagonescia e encarar novamente, com toda sua complexidade, irregularidade e gordurosas gotas de primorosa intuição lisérgica, A garagem hermética, uma obra que é toda Moebius, uma obra que está toda dentro de Moebius, e a vida e morte de Moebius, de certa forma, atravessa a esteira dimensional que compõe esta obra.

Sobre A garagem hermética, escreveu Moebius: “Ao criar este sentimento de permanente insegurança, eu descobri o prazer da continuidade. Todo mês eu tentaria, com certa dificuldade, recriar uma trama coerente a partir dos elementos existentes. Então, as separaria outra vez para me sentir inseguro novamente e, assim, no mês seguinte, unir os pedaços e começar tudo de novo, até o final da história”. Este procedimento criativo, que intui as próprias hipóteses (e não as respostas) da história a partir das imagens que vão se transvisualizando no lápis do autor, é o diferencial de um artista como Moebius. Ele sai de uma noção bela, simples e ao mesmo tempo inexorável de inconsciente, como se, lá no fundo de nós mesmos, ao invés de palavras tivéssemos imagens (ainda Freud, ao invés de Lacan), e essas imagens é que gerassem nossa consciência, nosso self, tudo o que somos, e daí também, no processo artístico, os diálogos brotam das imagens, a trama brota das imagens, portas abrem outras portas, fiações geram estruturas que abrem mais portas, e a linguagem do sonho parece uma oficina organizada, mas organizada no condensar e no deslocar. É uma garagem, sim, mas hermética.

É curioso que Jean Girauld tenha adotado “Moebius” (“Möbius”) como nome de guerra para sua ficção científica lisérgica, já que o universo da garagem hermética nos coloca na perspectiva de que podemos estar vivendo em um mundo inventado – não por um deus, mas por alguém como nós –, e que a realidade se encaixa em modelos concêntricos de construção, como se, se aplicamos engenharia para construir um prédio, alguém pudesse ter aplicado engenharia para construir a nós e a esse planeta. A fita de Möbius é um espaço sem bordas e sem fronteiras, sem frente nem verso, sem direção e cuja perspectiva é a de se andar para frente e para os lados ao mesmo tempo. A predileção por este fantástico objeto matemático como nome de guerra nos mostra que, realmente, a série A garagem hermética funciona como a própria labiríntica rede de túneis em que o personagem Larc Dalxtré adentra para tentar encontrar Lewis Carnelian: podemos entrar por qualquer lugar, andar sem saber o rumo, pensar que vamos numa direção e ir para outra, mas sempre, sempre chegamos a algum lugar, geralmente o nosso mesmo ponto de partida.

A garagem hermética é uma das grandes obras das histórias em quadrinhos. Foi escrita, de maneira bastante irregular, ao longo de 10 anos (1976-1987) por Moebius para a revista Métal Hurlant, sob editoração de Jean-Pierre Dionnet. É comum que nos percamos na hora de ligar os pontos das jornadas individuais de cada personagem, especialmente na primeira metade da história, bem diferente das últimas (e aventurescas quase num nível de super-herói) quinze páginas, escritas de uma só vez. De certa forma, perder-se no labirinto do real é um objetivo da arte de Moebius. Como em Becket, seus personagens, mesmo parados, trilham caminhos, e encontram sentido (como na fita de Möbius) somente no movimento de trilhar em si, irrompendo na encruzilhada entre a fiação da realidade exterior e a da realidade interior, mediados pela tecnologia (no fim das contas, para Moebius, é tudo a mesma coisa). Para aprofundar (minimamente que seja) uma análise desta HQ, vale pensar em outros dois aspectos:

1: A superfície visual do mundo

Como eu disse antes, Moebius trabalha nesse nível plasmático do mundo, uma superfície visual mutável que faz vezes de diálogo, faz vezes de história. Na Garagem hermética, num espaço de conflito pelos botões que gerenciam a própria realidade, acompanhamos as jornadas becketianas de cinco personagens: o engenheiro (e assassino de um guarda... “pai de dois filhos”!) Barnier, que quebra um aparalho na garagem e precisa fugir (e logo encontra o misterioso Arqueiro); Samuel L. Mohad e sua namorada Okania, responsáveis por espionar os planos de Lewis Carnelian; Larc Dalxtré, por sua vez um espião da mulher do Major Grubert, Malvina, a feiticeira sexual; o próprio Major Grubert, famoso personagem de Moebius, um humano que descobre a chave tanto da imortalidade quanto da criação de mundos, e é o responsável pela criação dos três níveis do universo da mitologia de Moebius, sendo cada nível mais puro que o outro, um como gerador do outro (mais ou menos como no filme “A origem” ou na HQ “O reino dos malditos”); e, por fim, Lewis Carnelian, humano da geração de Grubert, a quem foram conferidos poderes especiais pelo Nagual (“aquele que permanece imóvel e silencioso no centro da teia do tempo”, oh my god...), e que pretende, de alguma forma, tomar conta dos níveis do universo de Grubert, gerando aí toda uma série de tramas, espionagens e desventuras em busca desse centro de poder. Como se pode ver, os entrecruzamentos destes personagens são vagos, num quebra-cabeças impreciso, nada wellesiano, e cercado de paisagens estranhas, dobras e vácuos no tempo e na realidade, a partir de veículos esdrúxulos, culturas esquisitas, indumentárias e modas cruzadas, arquiteturas oníricas, mundos que abrem passagem uns aos outros. Seria, assim, um flanar pela própria estrutura interdimensional do espaçotempo.

Poderíamos pensar, sem querer trazer conceitos filosóficos demais (sem necessidade) a este texto, que a  imagem, essa plasmadora do quebra-cabeças, para Moebius, funciona como o conceito de imanência para o filósofo Gilles Deleuze: ou seja, dessa superfície onde repousam todas as coisas tangíveis, brotam todas as outras intangíveis (os incorpóreos). Basta pensar o método de quadrinização de Moebius, que, apesar de mudar no decurso da série, teria uma propensão mais centrípeta (cada quadro é um universo em si, com linhas de ação e tempo acontecendo dentro de uma só imagem) do que centrífuga (a arte sequencial narrativa da HQ de tradição mais americana, muito dependente da sarjeta, sem as lacunas de Moebius, funcional). É comum, n’A garagem hermética, que três ou quatro quadros resumam situações bastante complexas, com diálogos extensos, alongando o tempo de observação das próprias imagens, ou o contrário: diálogos lacônicos cuja função será privilegiar a imprecisão temporal da história. Moebius realizava, durante muito tempo, apenas duas páginas por mês, então é natural que se compreenda a Garagem hermética como uma estrutura de sistema solar, onde cada pequeno núcleo orbita os outros, mas de maneira relativamente autônoma. Neste sentido, o vagar dos personagens pelas fendas do mundo do Major Grubert é ao mesmo tempo o vagar das palavras pela imprecisão das imagens (ou vice-versa) e o vagar dos acontecimentos do mundo por essa estrutura plasmática que seria a imanência deleuziana. É por isso que vemos, n’A garagem, tantas contribuições de metalinguagem, com o narrador dos letreiros cada vez mais aloprado e sem funcionalidade, assim como também uma variação muito exótica entre humor e drama, aventura barata e densidade filosófica. Os túneis de Larc são, em todos os níveis, alegoria da própria transcendentalidade, em todos os níveis (artístico, real, filosófico) da visão de mundo de Moebius.

2: Transmutabilidade

Assim, chegando em Escala em Pharagonescia, é impossível não pensar neste precisamente bem-executado spin-off d’A garagem hermética como um epílogo mais organizado e simpático do que a obra maior de Moebius. Afinal, aqui, Moebius problematiza a situação do estrangeiro, da figura em passagem (mais uma vez, becketiano), que procura se alojar, por um dia que seja, na cultura antípoda, mas isso acaba por revertê-lo numa mutação: no sentido alegórico da história, uma mutação existencial. No sentido literal, uma mutação física. Moebius não explica tecnicamente (é claro. Ele deixa apenas deixa que se antevenha que aquela “magia” possui algum fundamento técnico, ou melhor, mecânico, seja ele qual for) a razão porque, após beber uma coisa de um jeito errado, o terrestre J.D. Foster, numa escala no planeta Pharagonescia (bem na fase IV do dia das mutações! Seja lá o que isso signifique...) passa a sofrer mutações cada vez mais estranhas, com sua estrutura molecular se reorganizando o tempo todo. Chega um momento em que os Pharagos, tentando resolver o problema, casualmente soltam diálogos deste tipo: “Ah! Não é estranho? Saiu do estado de Pnouche... pra entrar no estado ‘ultrafluidez molecular osk-bergam’”. “Estado ‘ultrafluidez molecular osk-bergam,’ claro, claro. O problema é que estamos exatamente no dia da festa das mutações e que a conjunção das três luas e do grande fasma resulta naquilo que vocês bem sabem”...

Ao trabalhar o conceito de mutação como algo pertencendo a um universo absolutamente alienígena (“ultrafluidez molecular osk-bergam”), mas ao mesmo tempo colocando os personagens para discutirem esse cotidiano com imprevisível familiaridade (“O problema é que estamos exatamente no dia da festa das mutações e que a conjunção das três luas e do grande fasma resulta naquilo que vocês bem sabem”), Moebius faz verdadeira ficção-científica. Suas imagens e seu texto servem ao mesmo tempo para que pensemos em seres cuja fragilidade molecular permite que se transmutem, em nível atômico, como atividade ritual, fazendo-nos refletir sobre a fluidez ou cristalidade do mundo subatômico, no que fomos, no que somos e no que seremos; e ao mesmo tempo para criar um cotidiano absolutamente entediante ao redor de quem vê essa cultura de uma perspectiva interna, como um lixeiro tendo que varrer as merdas dos turistas ao final docarnaval carioca. Esta tensão entre humor e metafísica é o que acaba extenuando a qualidade de Moebius como artista sem fronteiras, cujo hermetismo pode variar de edificações de mundos com leis próprias até a simplicidade de um humor anedótico e chulo. N’A garagem hermética, há um momento em que o Major Grubert faz perspicaz observação: “às vezes, o próprio tempo sonha”. E era mesmo isso que seus universos, e o próprio Moebius, faziam parecer querer ser: sonhos do próprio tempo. Em 12 de março de 2012, o tempo despertou, e nos deixou, ao que parece, numa eterna vigília.  

Panorama da HQ chilena



É com muita satisfação que a Raio Laser recebe suas propostas de colaborações, que têm crescido, com pautas interessantes, dentro do nosso conceito. Foi numa dessas que conhecemos o Gustavo Trevisolli, que colaborou com nosso parceiro Pipoca e Nanquim, e que nos ofereceu um texto muito interessante sobre a cultura de quadrinhos chilena. Ei-lo! E eis as informações sobre nosso mais novo (e jovem) colaborador: Gustavo Trevisolli tem 21 anos e é Analista de Suporte. Ele atualiza um um site onde coloca textos mais curtos e notas sobre opiniões mais pessoais e ilustrações com algumas tiras e charges (quando tem tempo de scanear). Vai lá.

Pra não deixar de meter o bedelho, vou indicar eu mesmo também uma HQ chilena que passou em branco no texto do Gustavo. Trata-se de Humanillo, uma coletânea do já veterano ilustrador e quadrinista chileno Jorge Quien. Adquiri esse livro numa viagem para a Argentina no começo de 2011 e coincidentemente estava-o lendo agora. Quien é um quadrinista diferente e sensível, de matriz poética, procurando reverter o valor e lugar dos objetos e das coisas, muitas vezes ilustrando poemas de outros autores. Destaco esse quadro aonde ele faz o grande Frank Herbert, autor de Duna, apresentar a si mesmo a um personagem. (CIM)

___________________________

por Gustavo Trevisolli

Nas férias decidi com a minha esposa fazer algo diferente: uma viagem a algum país da América do sul. Como ela já conhecia a Argentina, ficamos entre Peru e Chile. Queria conhecer o Chile principalmente por ser a casa de Neruda, além de ser conhecido como um dos países mais culturais da América do Sul. Depois de pesquisar bastante, percebi que, além de Condorito, não havia muita coisa sobre os quadrinhos chilenos das quais se teria algum conhecimento ou divulgação no Brasil. Resolvi
dedicar então algum tempo de minha viagem fazendo uma pesquisa informal em Santiago, sobre a produção e distribuição dos gibis chilenos.


Depois de andar pelos bairros de Lastarria, Centro, Providência, Bella Vista e adjacências, cheguei à conclusão de que o mercado americano não oferece muito poder sobre o Chile: os quadrinhos do Condorito ainda são muito distribuídos, sendo uma espécie de turma da Mônica. A diferença é que seu humor é mais adulto, não sendo difícil encontrar piadas sexistas ou chauvinistas em seus quadros. Geralmente as mulheres são retratadas todas de maneira igual. Os traços me lembram um pouco os quadrinhos da Disney.

O condor é um passaro (e isto todos devem saber), símbolo do Chile. Porém, o  Condorito, assim como toda a cultura em quadrinhos, em geral, envolvendo nossos vizinhos (Argentina, Uruguai, Chile, etc.) é um pouco desconhecido para nós. Se fôssemos comparar com algum personagem, ele seria o Zé Carioca dos chilenos. Inclusive, foi criado como resposta do Chile ao desenho da Disney chamado Saludos amigos, onde temos o Pato Donald se encontrando com o Zé Carioca e o galo Tríbilin (esse do México). Em 1953, Condorito ganhou sua revista própria, e tive a sorte de encontrar na biblioteca nacional chilena uma exposição sobre os 100 anos de seu criador, o Pepo, com diversas tiras e cartuns, alguns com bom humor político, às vezes explicito ou não. O interessante é ressaltar o tamanho do sucesso que a revista faz com os chilenos. Podemos encontrar edições de Condorito para ler na íntegra em uma pesquisa rápida na internet. O formato chama a atenção por abranger geralmente todas histórias em uma página. A marca registrada ficou com o pássaro terminando várias tiras com as pernas para o ar.

É meio triste admitir, mas foi difícil encontrar coisas relacionadas aos quadrinhos no Chile, principalmente de produção nacional, se formos analisar. Nas bancas em geral encontra-se, além de Condorito, algumas edições do X-Men, e (pasmem!) quadrinhos de Star Wars (os filmes adaptados em graphic-novels, e não as séries publicadas pela Mythos). Mas não desisti:  queria procurar e pesquisar mais em campo sobre os quadrinhos chilenos, e frequentei uma pequena feira onde livros e quadrinhos usados são vendidos. Encontrei mais HQs da Marvel ou DC, e perguntei a alguns vendedores se havia alguns “cómics” chilenos. Alguns me apresentaram mangás (um gênero que também está bem difundido no Chile, e é mais comum ver anúncios de aulas de mangás e encontros do tipo do que de outros quadrinhos). Alguns chegaram a dizer que não tinha praticamente nada de quadrinhos no Chile. Resolvi continuar procurando em bancas, quando encontrei no dia seguinte a loja Westcoast Motion Picture. Ao encontrá-la tive um verdadeiro choque, pois se trata de provavelmente uma das melhores lojas voltadas aos quadrinhos que já encontrei. Fiquei um tempo olhando e conversando com a atendente da loja (uma senhora que julguei ser mãe do dono). Ela não parecia entender muito e apenas indicou Condorito quando perguntei dos quadrinhos chilenos, além de algumas revistas muito antigas. Quando citei Jodorowski,  me apontou seus filmes ao invés dos cómics. Perguntei sobre quem era o dono e ela me pediu para eu voltar mais tarde. Eram dias complicados, e tentei equilibrar os quadrinhos com os passeios turísticos em Santiago, Viña del Mar, Valparaiso e uma visita à vinheda de Concha Y Toro, cidades que conheci nos últimos dias. Logo, havia apenas neste mesmo dia em questão a oportunidade para conversar com o dono da loja, já que faltavam poucos dias (que seriam ocupados) para ir embora do Chile.

Quando encontrei o dono, ele estava de saída e me atendeu muito rápido. Apesar de ser educado, ele disse que precisava ir embora e perguntou se não poderia voltar outro dia. Fiquei muito triste, pois não poderia encontrar com ele de novo. Após nossa breve troca de informações, menti dizendo que voltaria outro dia. Ele me indicou alguns quadrinhos, porém não consegui tirar nenhuma foto de dentro da loja! O lugar era alucinante, acho que a melhor comic shop que já vi. Encontrei muitos quadrinhos de diferentes estilos, além de brinquedos e filmes. Havia diversos itens que transformaria a loja em um museu, como cartazes antigos. Vocês podem conferir mais sobre a loja aqui.

Depois resolvi ir até a loja chamada “Feira do livro nacional chilena”, uma espécie de livraria gigante aonde encontramos quase quaisquer tipos de livros, muito comum no Chile. Logo, como não consegui comprar nada na loja de quadrinhos, decidi procurar, entre os conhecimentos que adquiri nesses dias, algo na livraria para trazer para casa. Não queria álbuns grandes ou luxuosos, e sim coisas que refletem o dia-a-dia do Chile. Dentre uma boa quantidade de graphic novels, de maioria importada, trouxe comigo:

* Zombies en la Moneda, onde temos zumbis tentando invadir o palácio de la Moneda. Escolhi este livro porque parecia ser um dos quadrinhos mais vendidos do Chile. Já tinha ouvido falar e é realmente muito interessante, pois eles juntaram vários autores diferentes, entre roteiristas e desenhistas, e, dentro do tema em comum, desenvolveram um roteiro base. Então temos vários estilos, do realista ao cartoon, envolvendo a história que termina com um gancho no final  (tem uma nova edição saindo, se não  me engano). Achei muito interessante essa iniciativa, que originalmente foi publicada de forma independente e separada por capítulos. Seria bem legal algo envolvendo um plot desses aqui no Brasil, não? Zumbis tentando invadir o Senado! Mas, falando sério, também temos que analisar que o palácio de La Moneda é conhecido como um dos principais pontos turísticos da cidade. Só para se ter uma noção, é lá que foi foi o palco central do golpe militar do Chile em 1973, aonde o então presidente Salvador Allende se suicidou após tropas do General Pinochet invadirem o palácio. Logo, temos na
história uma ligação direta com a ideia do quadrinho.

* Um livro de Marcela Trujillo, El diario intimo de maliki cuatro ojos. Como diz o título, , é uma espécie de diario, e eu já conhecia, antes de viajar, o trabalho de Marcela pelo seu site. Ela é uma representante forte dos quadrinhos chilenos, especialmente no meio underground. E ainda por cima por ser mulher, mãe e divorciada. E é realmente essas e outras informações de sua vida pessoal que temos na leitura de seu livro. Gosto muito do estilo dela, lembrando bastante Crumb, mas acho que o que realmente me fez gostar de seu trabalho é sem dúvida a maneira natural com a qual consegue expor sua vida, de um jeito transparente, sem medo do que vão pensar. Acho que nunca vi um quadrinho tão sincero quanto o dela. Para quem quer conhecer bem o quadrinho atual produzido no Chile, recomendo fortemente. Outro livro publicado pela autora é  Crônicas de Maliki.

* O terceiro cómic que comprei foi um mais underground e fanfarrão. Malaimagen é uma espécie de autor da área de Lastarria (bairro boêmio de Santiago. Como uma Lapa sem tanta sujeira e com lindos bairros ao invés de apenas uma ou duas ruas decentes. Acho uma parada obrigatória para tomar uma cerveja ou um petisco). Trata-se mais de um livrinho com piadas onde cada folha tem um cartoon contando elas (charge). De humor rápido e de leitura leve, temos diferentes idéias em um estilo bem comum para quem desenha, contorna e faz acabamentos dos desenhos com caneta de escrever em CD. Para quem tiver com uma graninha curta e quiser pegar um quadrinho apenas de lembrança, também dou essa recomendação.

* Menção honrosa: Aqui no Brasil também conhecemos bastante o trabalho de Alberto Montt por meio de sites onde seus trabalhos são sempre expostos. Se não me engano, um Jacaré Banguela da vida vive postando. Conhecia bem o trabalho do autor, e no Chile encontramos várias edições de suas tiras que podem ser encontradas on-line neste sítio.

 
Bom, resumindo, é isso: o Chile está vivendo um bom momento nos quadrinhos, onde autores jovens estão se destacando. Algo ainda bem regional mesmo, e pretendo viajar ao Chile algumas outras vezes ( para conhecer a Isla Negra, onde fica a única das três lindas casas do Pablo Neruda que não visitei e que, acreditem, vale mais a pena do que alguns museus, e também para conhecer o deserto do Atacama, que provavelmente é o lugar mais lindo do mundo).

Entre a utopia e a distopia: Mickey no ano 2000

Em 1988 a Editora Abril lançou três grandes e lindos volumes recompilando todas as primeiras edições de “Pato Donald”, que não apenas foram as primeiras publicações de Disney no Brasil, como também as primeiras publicações da própria Abril. E, naquela época, levado por meu pai a uma das feiras do livro de Brasília, eu estava lá, observando a linda capa do Volume 1, com Donald xerife de peito de aço recebendo saraivada de balas. Eu estava lá, e pedi a meu pai que comprasse aquele volume pra mim. Tenho certeza de que esta edição de “Anos de ouro do Pato Donald” foi muito importante para a minha formação quadrinística. Lembro-me de ler este volume algumas vezes, bastante afoito. E lembro-me de uma história em especial, que nunca me fugiu à mente depois que o volume desapareceu da minha casa, em meados dos anos 90.

“Mickey no ano 2000” é uma história do ano de 1950, e não faço ideia a quem se deve atribuir a autoria (“Copyright 1950 Walt Disney Productions”). É uma história absolutamente admirável e, nela, o camundongo recebe, de maneira muito não-usual, uma encomenda pelo correio com uma caixa e o seguinte bilhete: “Querido Mickey! Ponha esta capa invisível e verá as maravilhas do ano 2000. – Um amigo da ciência”. Se a própria noção de uma “capa invisível” já parece junk-science o suficiente, imagine o que ela – e todo o resto de vitupérios científicos que viriam nas páginas a seguir – podiam realizar na cabeça de um menino de sete anos. Essa coisa do ano 2.000 sempre me fascinou de tamanha maneira (obviamente, antes que o ano modorrento que ele efetivamente foi chegasse) que eu também aderi de um jeito um tanto irracional a outra obra de retrofuturismo que abordava (de uma maneira, digamos, ligeiramente diferente) a mesma questão: o filme 2001, um odisseia no espaço. Quando encontrei, mais recentemente, num sebo, esta mesma edição por preço até módico, catei ela da prateleria e resolvi reler esta minha incrível história de formação.

Hohoho. E Papai Noel, vai bem?

É surpreendente que uma história tão ingênua tenha sido capaz de me reencantar. Para entender o processo todo, cabe um pequeno exercício de futurologia e análise retrofuturista: após vestir a capa, Mickey efetivamente se materializa no ano 2000. Em primeira instância, temos uma investigação do nosso herói – após atravessar o simbólico portal para a nossa suposta contemporaneidade – da vida, coisas e hábitos do ano 2000. Além de engenhocas como hidrantes esquisitos e máquinas que te vestem e lavam, há um fascínio pela conquista do espaço aéreo, com helicópteros cumprindo todas as funções do nosso trânsito, a ponto de Mickey, ao observar o aero-ônibus “Bonde aéreo à praça da Sé” (a tradução paulistana é impagável), soltar a seguinte observação: “Formidável! Solucionaram o problema de transporte de passageiros!”. Se cabe um comentário ao camundongo, vale dizer que nós, habitantes verdadeiros do ano 2000, nunca sequer soubemos de um “problema de transporte de passageiros” em São Paulo... em 1950! Quão surpreso nosso herói ficaria se pudesse como realmente andam essas coisas nos anos 2000.

Além de algumas previsibilidades interessantes e acertadas, como as videoconferências e a emulação de algumas contingências sociais derivadas disso, a primeira parte é toda motivada por um espanto do personagem (junto com Pluto) em relação a uma tecnização absoluta do mundo: pessoas se alimentando de pílulas, vendendo terrenos nas nuvens, mendigos dormindo em redes flutuantes. Há outros tipos de comentários sociais neste “admirável mundo novo”, como a presença de um “olho elétrico” que impede que Pluto entre num mercado avesso a animais. Todo este ato, corolário da eficiência da tecnologia (e de um mundo racionalizado pela técnica) ganha seu comentário definitivo quando Minnie é sequestrada por Bafo de Onça (“Pete”), e Mickey se dirige à polícia. Lá ele toma conhecimento de que “não há crimes no ano 2000” (estranho: se não há crimes, pra quê existe polícia? E estranho essa designação de “ano 2000” como um lugar, e não como uma época). Em 2000, uma conquista do espaço aéreo como espaço de habitação e convivência (alguém aí lembrou o Elevado de São Paulo?) e uma tecnologia capaz de realizar tudo que precisamos (inclusive plantando árvores artificiais para nós) leva o mundo a uma utopia. Quase uma utopia comunista, conforme Marx havia imaginado que teleologicamente aconteceria. É irônico que esta história tenha sido escrita dentro da empresa de maior pegada industrial de quadrinhos dos EUA, no meio da era do macartismo.

 A essa altura, a história já era suficientemente interessante sob vários aspectos, mas ela melhora ainda mais no segundo ato quando descobrimos que Bafo de Onça (conflito!) vive dentro de uma nuvem onde existe uma outra abordagem sobre a tecnologia, complexificando enormemente a versão ingênua do primeiro ato. Aqui, nosso herói deve se deparar com um mundo perversamente tecnizado, dominado por um ditador à 50’s (o próprio Bafo), que pretende, nada mais e nada menos, que “conquistar o universo”. Neste seu reino particular, Bafo controla um exército de autômatos (“robots são como autômatos”, eles precisam explicar) que usufruem de todo tipo de armas e techno bubbles, assim como compõem as divisões de defesa, política e organização de uma sociedade inteiramente não-humana. Prevê-se uma substituição completa da humanidade por duplos mecanizados, obedientes, seguidores de programações . Uma distopia se anuncia, e Mickey se depara com horripilante perspectiva ao perceber que Bafo havia construído um clone mecânico seu, com suas virtudes de herói, mas revertidas para a servidão. Um problema do complexo de Frankenstein, da tecnofobia, e um comentário sobre cibercultura contemporânea se estabelece: se nosso duplo fáustico for um duplo mecânico, devemos temê-lo mais ainda?

Bafão

Tudo caminha, então, para a concretização desta distopia que nos levaria à extinção quando, mais uma vez, esta engenhosa história que – à parte uma análise futurista ingênua que apontaria apenas os itens sonhadores que não se concretizaram –, numa imanência subliminar, parece entender de alguma forma nossa própria época e ao mesmo tempo lançar os antídotos para solucioná-la. Assim como Mickey, Minnie também tem um duplo robótico (a sensual Mimi, não exatamente igual a Minnie, mas cumprindo mesma função narrativa). Mimi, o robô humanizado, tão retratado na ficção científica, se apaixona por Mickey, e, lançando-se à vontade de se tornar indefectivelmente humana, sabota a operação de Bafo, reprograma os outros robôs, salva o mundo e – pasmem – ainda é tragicamente assassinada pelo facínora. No final das contas, à maneira de outro conto sombrio que também denunciava metaforicamente a tecnização do mundo (O gabinete do Dr. Caligari), Mickey desperta e percebe que tudo aquilo não passara de um sonho que ele tivera após brincar com seu sobrinho e seus bonequinhos de “robots”.

Bem, que leitura eu poderia retirar desta fábula tão bem construída em dois atos sólidos e excelente quadrinização, altamente problematizadora e invertendo relações na cabeça de um modesto garoto de sete anos? Neste mundo de 2000, excetuando-se a bobagem de prever o futuro (sempre o erro dos que pensam que sci-fi serve pra isso), vemos um ambiente onde algumas das principais questões do século 20 são retratadas de maneira dinâmica, com a possibilidade de reprogramação da distopia pela utopia utilizando das mesmas ferramentas que levaram a sociedade ao colapso: o velho paradoxo da tecnologia. Não é à toa que Mickey fantasia este mundo através de um objeto infantil, cuja premissa de repetição é a mesma da técnica. A criança que brinca (já dizia Walter Benjamin) quer continuar brincando (e não há mal nisso). Mas o adulto não pode mais brincar, e, ao invés disso, cria uma fantasia narrativa sobre o processo cumulativo, repetitivo e asséptico da técnica, que, felizmente, ainda pode ser reprogramado.

Serviço de utilidade pública: III Jornada de Romances Gráficos


III JORNADA DE ESTUDOS SOBRE ROMANCES GRÁFICOS
Data: 24 e 25 de setembro de 2012.

Local: Auditório 1 do Instituto de Ciências Biológicas – Universidade de Brasília


O Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea convida para a terceira edição da Jornada de Estudos sobre Romances Gráficos. Dando prosseguimento e ampliando as discussões sobre as narrativas gráficas e suas relações, alcances, disputas no campo literário, o evento consistirá de apresentação de trabalhos, palestras com convidadas(os), oficinas, lançamentos sobre o tema. O público alvo é composto de pesquisadoras(es), estudantes, profissionais da área e interessadas(os) em geral, que poderão participar com a apresentação de trabalhos ou como ouvintes.

Inscrição: A inscrição será realizada pelo e-mail do evento – jornadaromancesgraficos@gmail.com – a partir de 15 de abril.
Pagamento da inscrição: O pagamento deverá ser realizado no primeiro dia do evento.
Professoras(es): R$ 70,00. Alunas(os) de pós-graduação: R$ 50,00. Alunas(os) de graduação: R$ 30,00. Ouvintes: R$ 20,00.

Vagas: 30 para apresentação de trabalhos e 100 para ouvintes.
Informações: http://www.gelbc.com.br
Submissão de trabalhos: 
Para inscrição de trabalhos, as(os) interessadas(os) deverão encaminhar resumo a ser analisado pela organização do evento. Estudantes de graduação poderão participar com a apresentação de pôsteres. O prazo final para envio é 20 de maio.

As(os) proponentes receberão um e-mail com a resposta até o dia 30 de junho, informando da aceitação ou não do seu resumo.
Todo o processo de encaminhamento de resumos será feito via e-mail do evento: jornadaromancesgraficos@gmail.com

Normas para apresentação do resumo para avaliação: 
A apresentação da proposta de trabalho deve conter, nesta ordem:
1) Nome completo da(o) autor(a), cidade, instituição a qual está vinculada(o), tipo de vínculo, e-mail para contato.
2) Indicação do eixo temático onde o trabalho pode ser inserido.
3) Título do trabalho, fonte times new roman, corpo 14, em negrito, centralizado.
4) Resumo, com no máximo 250 palavras, em fonte times new roman, corpo 12, espaço simples.

Eixos temáticos:
- Memória e subjetividades
- Gênero e sexualidades
- Reportagem, testemunho e relato
- Quadrinhos como expressão pictórica
- Quadrinhos de entretenimento
- Quadrinhos e mercado

Informações para apresentação de trabalhos orais: 
As apresentações terão duração máxima de 20 minutos. Será disponibilizado power point; para sua utilização, o arquivo com o trabalho deverá ser entregue com antecedência à organização do evento.

Informações para apresentação de pôsteres:
Caso o trabalho seja aceito, o pôster deverá, obrigatoriamente, ser fixado e retirado pela(o) participante no dia e local definidos pela organização. Mais detalhes serão fornecidos posteriormente.

Normas para submissão dos trabalhos científicos para os Anais:
1. Os trabalhos deverão ser enviados exclusivamente pelo e-mail do evento.
2. O trabalho deverá ter no máximo 30 páginas, incluindo as referências, conforme modelo definido pela organização, a ser divulgado. 
3. Mensagens relacionadas ao status de avaliação/aceitação ou não do trabalho serão enviadas por meio de e-mail informado na ficha de inscrição do(a) autor(a). 
4. Os trabalhos que não estiverem de acordo com as normas de submissão serão automaticamente desconsiderados para os anais.

Coordenação:
Profª Drª Regina Dalcastagnè (UnB)

Comitê organizador:
Ciro Inácio Marcondes (UnB)
Igor Ximenes Graciano (UFF)
Ludimila Moreira Menezes (UnB)
Maria Clara da Silva Ramos Carneiro (UFRJ)

Comissão acadêmica: 
Prof. Dr. Anderson Luís Nunes da Mata
Profª Drª Cíntia Schwantes
Profª Drª Maria Isabel Edom Pires
Prof. Dr. Paulo César Thomaz
Profª Drª Virgínia Maria Vasconcelos Leal

Organização: 
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea

HQ em um quadro: Mandrake, doutrinador de Hollywood, por Lee Falk





















Mandrake dá palmadas virtuais em astro mirim de Hollywood (Lee Falk, 1938): voltando de uma viagem à Itália,  meu irmão veio com uma edição bem puída, datada dos anos 70, de uma coletânea de histórias de Mandrake (Editoriale Corno (!); coleção Super fumetti in FILM), incluindo um ciclo completo realizado pelo próprio Lee Falk em 1938, além de três outros dos anos 60, da ótima fase de Phil Davis. A edição é curiosamente um produto de convergência, procurando republicar heróis que haviam aparecido também no cinema. No caso de Mandrake, uma série de pequenos filmes, 12 episódios, bem vagabunda, lançada em 1939 (outros heróis da coleção incluem Doc Savage, Diabolik, Kriminal, Drácula, Fantasma, Satanik... bem legal). Como não sei italiano, para ler o gibi desfalecente e mofadinho tive que fazer um mínimo múltiplo comum de português, francês e espanhol. A coisa meio que funcionou e tornou a experiência ainda mais pitoresca. Un altro trucco di Mandrake!


O que chama a atenção para este requadro selecionado é o fato de pertencer ao arco da história (publicado pelo King Features Syndicate) escrita pelo criador do personagem, bem apropriadamente chamada "Mandrake em Hollywood", antecipando o lançamento da série para o cinema. Logicamente, esta série em quadrinhos foi publicada em tiras de 3 em 3 quadros, tornando a coletânea uma leitura bastante monótona. A arte, digamos, "primitiva", lembra os próprios primórdios do cinema - pouca ação, com baixa variação de ângulos (quase todos em "plano americano") e exploração primária de recursos básicos como flashbacks, letreiros e outros elementos dos quadrinhos. Estes "primeiros quadrinhos" eram balizados, em quase sua totalidade, nos diálogos. O conteúdo moral das histórias, porém, bem duvidoso, não parece processar a mesma ingenuidade.

Aqui, Mandrake, o mago da "magia branca" (como o prefácio do gibi faz questão de esclarecer), assina contrato como ator de Hollywood e passa a investigar casos envolvendo as celebridades de Beverly Hills. Os dois casos mostrados em "Mandrake em Hollywood" apresentam o mesmo detour moral: no primeiro, uma vedete loira e orgulhosa, namoradinha da América, que não gosta de atuar e maltrata sua dublê, se vê cair num golpe engenhoso (dá-lhe vilões!): a dublê assume sua identidade e bota a biscate na miséria. Mandrake, o enfadonho gentil-homem, passa a investigar, desvendar o caso, prender a dublê e restaurar a ordem. Nas tiras subsequentes, o fato de a atriz humilhar anteriormente a dublê não é mais mencionado. Para o velho mago, dois pesos são duas medidas diferentes. No segundo caso, ainda mais hilário, um pequeno Justin Bieber da época, o rabugento Sonny, é uma giga estrela mirim, indescritivelmente babaca, que humilha camareiros e motoristas, prestando respeito apenas à amizade sóbria de Mandrake. As coisas vão se dando assim até que alguns empregados, coerentemente de saco cheio, resolvem sequestrar o infame peralta e pedir a fortuna de 1 milhão de dólares como resgate. Claro que Mandrake passa a investigar tudo e restaurar a paz no reino de Hollywood novamente.

A diferença entre os dois arcos é que, na história de Sonny, Mandrake reconhece a personalidade "difícil" do menino e resolve usar de alguns corretivos para libertar a natureza bondosa que se escondia por trás daquele pequeno Hitler (o grande, por sinal, já chegava invadindo a Polônia naquela mesma época). O hilário é que, evidentemente, Mandrake não vai sujar suas mãos pra dar umas palmadas no moleque (afinal, quem é que bate no filho dos outros?). Então, ele cria uma ilusão (tipo um... hmmm... cinema?) que mostra a mãe de Sonny aplicando-lhe o corretivo, como se o ato passivo da espectatorialidade, conforme muito bem se acreditava a respeito do cinema na época, provocasse o distanciamento necessário para que fossem aplicadas às massas, num doutrinamento técnico, os corretivos capazes de reconstruir as imagens individuais e coletivas de um povo. Hitler que o diga! Cinema é magia! (CIM)