Serviço de utilidade pública: III Jornada de Romances Gráficos


III JORNADA DE ESTUDOS SOBRE ROMANCES GRÁFICOS
Data: 24 e 25 de setembro de 2012.

Local: Auditório 1 do Instituto de Ciências Biológicas – Universidade de Brasília


O Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea convida para a terceira edição da Jornada de Estudos sobre Romances Gráficos. Dando prosseguimento e ampliando as discussões sobre as narrativas gráficas e suas relações, alcances, disputas no campo literário, o evento consistirá de apresentação de trabalhos, palestras com convidadas(os), oficinas, lançamentos sobre o tema. O público alvo é composto de pesquisadoras(es), estudantes, profissionais da área e interessadas(os) em geral, que poderão participar com a apresentação de trabalhos ou como ouvintes.

Inscrição: A inscrição será realizada pelo e-mail do evento – jornadaromancesgraficos@gmail.com – a partir de 15 de abril.
Pagamento da inscrição: O pagamento deverá ser realizado no primeiro dia do evento.
Professoras(es): R$ 70,00. Alunas(os) de pós-graduação: R$ 50,00. Alunas(os) de graduação: R$ 30,00. Ouvintes: R$ 20,00.

Vagas: 30 para apresentação de trabalhos e 100 para ouvintes.
Informações: http://www.gelbc.com.br
Submissão de trabalhos: 
Para inscrição de trabalhos, as(os) interessadas(os) deverão encaminhar resumo a ser analisado pela organização do evento. Estudantes de graduação poderão participar com a apresentação de pôsteres. O prazo final para envio é 20 de maio.

As(os) proponentes receberão um e-mail com a resposta até o dia 30 de junho, informando da aceitação ou não do seu resumo.
Todo o processo de encaminhamento de resumos será feito via e-mail do evento: jornadaromancesgraficos@gmail.com

Normas para apresentação do resumo para avaliação: 
A apresentação da proposta de trabalho deve conter, nesta ordem:
1) Nome completo da(o) autor(a), cidade, instituição a qual está vinculada(o), tipo de vínculo, e-mail para contato.
2) Indicação do eixo temático onde o trabalho pode ser inserido.
3) Título do trabalho, fonte times new roman, corpo 14, em negrito, centralizado.
4) Resumo, com no máximo 250 palavras, em fonte times new roman, corpo 12, espaço simples.

Eixos temáticos:
- Memória e subjetividades
- Gênero e sexualidades
- Reportagem, testemunho e relato
- Quadrinhos como expressão pictórica
- Quadrinhos de entretenimento
- Quadrinhos e mercado

Informações para apresentação de trabalhos orais: 
As apresentações terão duração máxima de 20 minutos. Será disponibilizado power point; para sua utilização, o arquivo com o trabalho deverá ser entregue com antecedência à organização do evento.

Informações para apresentação de pôsteres:
Caso o trabalho seja aceito, o pôster deverá, obrigatoriamente, ser fixado e retirado pela(o) participante no dia e local definidos pela organização. Mais detalhes serão fornecidos posteriormente.

Normas para submissão dos trabalhos científicos para os Anais:
1. Os trabalhos deverão ser enviados exclusivamente pelo e-mail do evento.
2. O trabalho deverá ter no máximo 30 páginas, incluindo as referências, conforme modelo definido pela organização, a ser divulgado. 
3. Mensagens relacionadas ao status de avaliação/aceitação ou não do trabalho serão enviadas por meio de e-mail informado na ficha de inscrição do(a) autor(a). 
4. Os trabalhos que não estiverem de acordo com as normas de submissão serão automaticamente desconsiderados para os anais.

Coordenação:
Profª Drª Regina Dalcastagnè (UnB)

Comitê organizador:
Ciro Inácio Marcondes (UnB)
Igor Ximenes Graciano (UFF)
Ludimila Moreira Menezes (UnB)
Maria Clara da Silva Ramos Carneiro (UFRJ)

Comissão acadêmica: 
Prof. Dr. Anderson Luís Nunes da Mata
Profª Drª Cíntia Schwantes
Profª Drª Maria Isabel Edom Pires
Prof. Dr. Paulo César Thomaz
Profª Drª Virgínia Maria Vasconcelos Leal

Organização: 
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea

HQ em um quadro: Mandrake, doutrinador de Hollywood, por Lee Falk





















Mandrake dá palmadas virtuais em astro mirim de Hollywood (Lee Falk, 1938): voltando de uma viagem à Itália,  meu irmão veio com uma edição bem puída, datada dos anos 70, de uma coletânea de histórias de Mandrake (Editoriale Corno (!); coleção Super fumetti in FILM), incluindo um ciclo completo realizado pelo próprio Lee Falk em 1938, além de três outros dos anos 60, da ótima fase de Phil Davis. A edição é curiosamente um produto de convergência, procurando republicar heróis que haviam aparecido também no cinema. No caso de Mandrake, uma série de pequenos filmes, 12 episódios, bem vagabunda, lançada em 1939 (outros heróis da coleção incluem Doc Savage, Diabolik, Kriminal, Drácula, Fantasma, Satanik... bem legal). Como não sei italiano, para ler o gibi desfalecente e mofadinho tive que fazer um mínimo múltiplo comum de português, francês e espanhol. A coisa meio que funcionou e tornou a experiência ainda mais pitoresca. Un altro trucco di Mandrake!


O que chama a atenção para este requadro selecionado é o fato de pertencer ao arco da história (publicado pelo King Features Syndicate) escrita pelo criador do personagem, bem apropriadamente chamada "Mandrake em Hollywood", antecipando o lançamento da série para o cinema. Logicamente, esta série em quadrinhos foi publicada em tiras de 3 em 3 quadros, tornando a coletânea uma leitura bastante monótona. A arte, digamos, "primitiva", lembra os próprios primórdios do cinema - pouca ação, com baixa variação de ângulos (quase todos em "plano americano") e exploração primária de recursos básicos como flashbacks, letreiros e outros elementos dos quadrinhos. Estes "primeiros quadrinhos" eram balizados, em quase sua totalidade, nos diálogos. O conteúdo moral das histórias, porém, bem duvidoso, não parece processar a mesma ingenuidade.

Aqui, Mandrake, o mago da "magia branca" (como o prefácio do gibi faz questão de esclarecer), assina contrato como ator de Hollywood e passa a investigar casos envolvendo as celebridades de Beverly Hills. Os dois casos mostrados em "Mandrake em Hollywood" apresentam o mesmo detour moral: no primeiro, uma vedete loira e orgulhosa, namoradinha da América, que não gosta de atuar e maltrata sua dublê, se vê cair num golpe engenhoso (dá-lhe vilões!): a dublê assume sua identidade e bota a biscate na miséria. Mandrake, o enfadonho gentil-homem, passa a investigar, desvendar o caso, prender a dublê e restaurar a ordem. Nas tiras subsequentes, o fato de a atriz humilhar anteriormente a dublê não é mais mencionado. Para o velho mago, dois pesos são duas medidas diferentes. No segundo caso, ainda mais hilário, um pequeno Justin Bieber da época, o rabugento Sonny, é uma giga estrela mirim, indescritivelmente babaca, que humilha camareiros e motoristas, prestando respeito apenas à amizade sóbria de Mandrake. As coisas vão se dando assim até que alguns empregados, coerentemente de saco cheio, resolvem sequestrar o infame peralta e pedir a fortuna de 1 milhão de dólares como resgate. Claro que Mandrake passa a investigar tudo e restaurar a paz no reino de Hollywood novamente.

A diferença entre os dois arcos é que, na história de Sonny, Mandrake reconhece a personalidade "difícil" do menino e resolve usar de alguns corretivos para libertar a natureza bondosa que se escondia por trás daquele pequeno Hitler (o grande, por sinal, já chegava invadindo a Polônia naquela mesma época). O hilário é que, evidentemente, Mandrake não vai sujar suas mãos pra dar umas palmadas no moleque (afinal, quem é que bate no filho dos outros?). Então, ele cria uma ilusão (tipo um... hmmm... cinema?) que mostra a mãe de Sonny aplicando-lhe o corretivo, como se o ato passivo da espectatorialidade, conforme muito bem se acreditava a respeito do cinema na época, provocasse o distanciamento necessário para que fossem aplicadas às massas, num doutrinamento técnico, os corretivos capazes de reconstruir as imagens individuais e coletivas de um povo. Hitler que o diga! Cinema é magia! (CIM)


Q para QUADRINHOS

por Ciro I. Marcondes

Eu fui pego de calças curtas. Tendo adquirido Ovelha negra – A revista que o Brasil não leu encomendando-a pela Internet através do site da Pandemônio, fui lendo-a sem saber exatamente do que se tratava. Apenas tinha a referência de ser de autoria do Professor da UFMG e quadrinista retumbantemente aficcionado Daniel Werneck, em parceria com o desenhista Ricardo Tokumoto. Era o suficiente. Porém, ao começar a ler o gibi, envolvi-me num mundo mais intrigante do que poderia esperar: tratava-se de uma recuperação (“restauração”) devidamente comentada e contextualizada, de uma revista de HQs de contracultura que havia balançado a cena belorizontina, como zine ou revista, nas décadas de 50, 60 e 70. O material era incrível, e a evolução dos desenhos e quadrinistas, acompanhando a trajetória sociopolítica do Brasil, mais ainda. O trabalho de “pesquisa” parecia extremamente bem-feito, especialmente em contextualizar o desaparecimento, sem rastros, da revista nas décadas seguintes, devido à linha dura do governo militar. Até que, de repente, um estalo me bateu à cabeça: “Como é possível que uma revista desse calibre, com experimentações avançadas de linguagem e conteudo forte e contracultural, não seja absolutamente idolatrado pelos quadrinistas de hoje, na era da Internet, ou isso não seja recorrentemente citado por artistas do calibre de Angeli ou Adão. Como é possível que eu mesmo nunca tenha ouvido falar nisso”?? Não aguentando mais, chequei as últimas páginas e percebi que todo o gibi de tratava de um tipo de mockumentary, ou um “jornalismo falso em quadrinhos”.

F for fake.

Este parágrafo escrito acima é um parágrafo falso. O que ocorreu na verdade foi bem diferente. Werneck já anunciava a publicação desta HQ pelo twitter muito antes de ela efetivamente sair, no final de 2011, e eu tive a oportunidade de conhecê-lo (apenas virtualmente), via @raiolaserhq, já há algum tempo e, através de meses a fio, acompanhei o desenvolvimento desta HQ: a redação das notas de rodapé, importantíssimas para se entender o comentário ideológico e estético da obra; a construção dos documentos forjados; a conceituação estética de cada uma das tiras, diferentes entre si (assim como dos “autores”), referindo-se a culturas diversas de quadrinhos dos 50’s aos 70’s; e até mesmo a chegada das pinups desenhadas por ótimos quadrinistas da presente geração hipermoderna de HQs no Brasil. Quando recebi Ovelha negra, portanto, rasguei o papel da embalagem e li numa sentada só, conferindo o apuro detalhado com que aquiilo havia sido concebido e executado.

O segundo parágrafo, acima, também é uma mentira? Pode muito bem ser, e esse é o ponto (perdoem a introdução fora dos padrões) a que eu gostaria de chegar sobre esta HQ: citando uma frase de Eumyr (o “maior falsário do século 20”), personagem de F for fake de Orson Welles, “se você pindura uma pintura falsa por muito tempo numa parede, ela se torna real”. Por mais que Ovelha negra não seja um fake que não se admite, como o filme de Welles (está tudo devidamente explicadinho, nas páginas finais, incluindo as homenagens aos quadrinistas históricos que a HQ emula), esta brincadeira (avançada) com o jornalismo dos e em quadrinhos tem toda uma charmosa narrativa subjacente, cativante para mentes espertas, que percebem não apenas uma maneira classuda de se reler a história de BH e do Brasil, mas uma construção, de vários jeitos inédita, de se contar a história dos quadrinhos em si, underground (o foco mais óbvio) ou mainstream (de maneira paralela). É desse jeito que esse gibi nos aprisiona em várias frentes: além de toda a construção metalinguística, os autores tiveram a preocupação de criar bons quadrinhos em sua farsa, respeitando suas referências originais (questão de coerência com a História e com o próprio mockumentary) e ao mesmo tempo pingando gotas de originalidade e autoria em cada uma delas. Assim, os falsos autores de quadrinhos vão ganhando personalidades delineadas na própria evolução histórica das tiras, que vão se intensificando em conceitos diferentes, tudo a partir dos mesmos dois autores implícitos. Mestres da falsificação.

A "evolução" do Capitão Raio-Laser Fica, então, a lição mais bonita de Ovelha negra. Por mais que identifiquemos ali, naquelas tiras, a Revista MAD, Peanuts, Gato Félix, Flash Gordon, Agente X-9, Recruta Zero, Zap Comix, Angeli, Laerte e o escambau (basicamente duas páginas inteiras de citações), os quadrinhos em si são encantadores. Vale pensar na autonomia metalinguística do traço simplório de Sir Roderick, ou o comentário sobre a cultura do rock em Os meteoros, ou que bela e sagaz tira real daria Urubu rei e Cristiano; ou o apelo à HQ mais abstrata na nada ingênua Crás, boom e bang; ou, fazendo eu mesmo a minha própria ficção derivativa e alucinatória, o comentário político em Capitão Raio Laser, cujo nome teria sido inspirado neste mesmo site que vocês leem neste momento.

Ovelha negra chega justamente num momento em que o reconhecimento das HQs como arte segue a uma gigante exponenciação do potencial desta mesma arte, com artistas no mundo inteiro investindo nesta carreira e apontando para todas as direções possíveis. Verdadeira diáspora das HQs. Como o cinema (não se enganem: esta é uma arte hoje decadente) fez nos anos 60. Vale, pra finalizar, mandar outra frase de F for fake, citada (supostamente), do poeta Kipling: “Adão, nosso pai, ao chegar no paraíso, pegou um graveto no chão e começou a fazer lindos desenhos na lama, quando, sorrateiramente, o diabo se aproxima dele e sussurra, ao pé do ouvido, a danação: estes desenhos são muito bonitos, mas eles são arte”? Bem, quanto a isso, posso apenas sugerir que Ovelha negra seja lido em cada falso detalhe de cada falso editorial, em cada falsa sessão de cartas, em cada falsa nota de rodapé, em cada falso documento da ditadura. Nestas entrelinhas, sinais de arte verdadeira.

Sir Roderick é uma das piadas mais interessantes de "Ovelha Negra"

Angeli: minerador de crises





Esta estreia, nas colaborações, do meu irmão Luiz Gustavo Marcondes tem sabor especial. Primeiro: porque a promessa de colaboração já vem de longa data. e finalmente se deu. Segundo: porque Guga se predispôs a cobrir, com ótimas fotos, esta incrível expo do Angeli, em nem eu nem Pedro pudemos conferir. E ainda num fim de semana futebolístico complicado (salve, tricolor paulista!). Terceiro: porque seu texto tem uma clareza sintética e ao mesmo tempo objetividade crítica que às vezes faltam aos rocambólicos escribas daqui. Gustavo é jornalista do Correio Braziliense, e escreve para o melhor Caderno de Esportes do Brasil. É aficcionado por cultura pop e arte em geral, e curte, é claro, quadrinhos além. (CIM)

texto e fotos por Gustavo Marcondes

Em um dos vídeos que faz parte da exposição Ocupação Angeli – aberta apenas até o domingo 6 de maio, com entrada gratuita –, em São Paulo, o cartunista diz que perdeu o tato para escrever e desenhar “tiras”. Uma confissão franca e que não esconde o cansaço criativo do artista de 55 anos com relação ao formato que o consagrou, ainda nos anos 1970. Um passeio com calma pela pequena sala do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, porém, pode indicar que a coisa não vai tão mal assim.



Nos trabalhos mais recentes, Angeli realmente opta pela charge, que, em vez da tira em dois, três ou mais quadros, é formada por uma única imagem. É assim que ele prefere, hoje, escancarar a sordidez do poder ou a monotonia/o vazio/o caos das metrópoles. E os muitos exemplos na Ocupação mostram que também nesse modelo ele atingiu a excelência. Em uma das paredes da exposição, por exemplo, 19 enormes charges mostram a visão Angeli do poder. Numa das mais legais, dezenas de bandidos armados com metralhadores se escondem na sombra da estátua da Justiça, cega.  Em outra, a entrada de uma paranoica São Paulo é separada: de um lado entram os fumantes; do outro, os não fumantes. Mais atual impossível.

Mas é inegável que o público ainda vibra mais com as tiras e os personagens clássicos de Angeli. Normal, como num show de rock em que os fãs aguardam pelos velhos hits. E na Ocupação estão todos os clássicos do artista: Rê Bordosa, os Skrotinhos, Los Três Amigos, Bob Cuspe, Wood & Stock, Luke e Tantra, Let’s Talk About Sex, etc. etc. etc.. Em uma montagem que aproveita ao máximo o espaço reduzido do Itaú Cultural, dezenas de gavetas se abrem para quase 40 anos de acidez. A concorrência para abrir qualquer delas tão alta quanto a para ver as imagens nas paredes.

São 880 obras, sendo 80 originais. Trabalhos sobre sexo (em uma área separada, teoricamente para maiores de 18 anos), jazz, pôsteres de festivais de cinema, capas de discos, caricaturas e edições da histórica revista Chiclete com Banana complementam a exposição, além de fotos do arquivo pessoal de Angeli, com imagens de sua infância e adolescência. Em outra boa sacada, há diversos livretos distribuídos pela sala, com trabalhos temáticos de vários personagens – esses bem menos concorridos que as gavetas. Em resumo: é preciso mais tempo que o aparente (pelo tamanho do local) para ver com propriedade todas as partes da exposição e passear com calma pelas diversas fases do artista.

Há um espaço bastante generoso dedicado a uma das séries mais recentes da obra dele: Angeli em Crise. Dezenas de imagens do cartunista sentado em seu estúdio, fumando, pensando, bebendo, agoniando-se, questionando a profissão, fumando mais... A crise dos 50, como ele admite no vídeo gravado para a exposição. Mas só para ele. Pois o conjunto das tiras – sim, a maioria delas no formato de tiras de três quadros – mostra um artista que se recria bebendo da suposta falta de criatividade. Ave Angeli!


Ocupação Angeli
Até 6 de maio no Itaú Cultural, Avenida Paulista 149, Metrô Brigadeiro, das 11h às 20h














Quadrinhos além... do papel!












por Lima Neto
Ahhh! Terremotos! Tsunamis! Crises monetárias mundiais!
Realmente o mundo anda vivenciando um clima aconchegante de apocalipse. Mas, se o tempo e o espaço pudessem ser resumidos em uma palavra, talvez “mudança” fosse a mais apropriada. Mudança causa terror! Mudança causa apreensão! E mudança traz esperança, para aqueles que são de sentir esperança. Um desses abençoados é um velho conhecido do mundo do quadrinho norte-americano: o escritor Mark Waid, famoso pela sua visão do futuro do universo DC junto com o artista Alex Ross em Reino do Amanhã e outros trabalhos tanto para a editora da Warner quanto para a Marvel.



Mark Waid escreveu Reino do amanhã. Sujeito cabuloso
No final do ano passado, Waid deixou seu cargo de editor chefe da editora Boom!, onde publicava seus títulos Irredimable e Uncorruptible, para voltar ao estatus de escritor freelance. Mas seus objetivos eram maiores que isso, e bem mais proféticos! Waid agora é o porta-estandarte dos quadrinhos digitais. De acordo com o escritor, uma série de fatores, como a popularização de mídias portáteis de leitura, a imensa queda nas vendas dos quadrinhos impressos, o alto custo da impressão em papel, a porcentagem absurda taxada pelas distribuidoras – além de impossibilitar a entrada de sangue novo no mercado, vão mudar o perfil da indústria de quadrinhos até o ponto de dar um fim ao quadrinho impresso na maneira como são produzidos hoje nos EUA. E para ele (e para mim também) está é uma boa mudança.
Apostando em Waid, a Disn... digo, a  Marvel comics anunciou o lançamento do selo Infinty de quadrinhos online e app's de realidade aumentada, visando o mercado dos tablets. Em uma decisão sábia, colocou o próprio Waid como chefe da linha. A decisão é sábia pois Waid não só faz campanha a favor do quadrinho digital como, junto de artistas colaboradores, vem pesquisando técnicas narrativas que exploram as potencialidades do meio digital. Você pode conferir parte desse processo, ainda inicial, neste vídeo abaixo:


O resultado da parceria Waid/Marvel pode ser vista na edição Avengers Vs X-men Infinity, uma introdução à saga que você pode baixar via um código dado na compra da edição número #1. A revista tem arte de Stuart Immonen, que recebe crédito de co-roteirista. Esse crédito não é dado por acaso. Existe um leque enorme de possibilidades para produção do quadrinho online e, de acordo com o próprio Waid, a ideia não é fazer um quadrinho animado, como já houve em outros experimentos, e sim procurar a afinação correta em que se possa explorar alternativas, mas sem tirar do leitor o controle sobre o timing da narrativa. Nessa perspectiva, o artista acumula uma nova função: a de contar a história com a tecnologia disponível para a mídia digital.
O maior problema, no entanto, não está na exploração da capacidade narrativa do meio, o que na verdade é um motivo de empolgação para os artistas envolvidos, mas sim em outros aspectos mais, digamos, quantitativos. Atualmente existem terabytes infinitos de quadrinhos online sendo publicados na net. Existem graus diferentes de qualidade, é verdade, mas o grande ponto em comum entre eles é o fato de não receberem pagamento pela veiculação dos mesmos. Lógico que o grande sonho é que seu quadrinho faça sucesso o suficiente para poder daí ser lançado na mídia de revista. Mas para mapear todos os quadrinhos online sendo produzidos no mundo seria preciso uma dedicação realmente sobre-humana.
Neste panorama, o respaldo de editoras já estabelecidas no mercado poderia servir como um portal de extrema utilidade para se conhecer novos trabalhos que tenham um nível efetivo de qualidade. É lógico, porém, que tal ação funcionaria como um filtro que obedeceria a critérios muito específicos e que acabem não privilegiando a criatividade ou qualidade destas HQs.
Uma boa saída para este impasse pode estar justamente na criação de portais cooperativos de artistas associados e autônomos que possam, em conjunto, colaborar para a manutenção da produção e da qualidade buscando apoio monetário via publicidade no site. Pensar este novo lugar para o quadrinho pode ser uma boa saída frente às limitações impostas, tanto monetárias quanto ideológicas, do quadrinho impresso. Lógico que o trabalho de produção continua o mesmo e demanda o mesmo tempo. Mas o que vejo é uma boa época para que o quadrinho independente, com todo o potencial artístico envolvido neste termo e sem preconceitos de gênero (de histórias, não o sexual), possa tomar o lugar que vai ser deixado vago pelas grandes corporações em breve.
E, agora que acabo de escrever o artigo, o site Comics Alliance acaba de postar uma matéria sobre um site que ajuda a procurar quadrinhos online postando primeiro quadro de cada título. Just the first frame é o nome do site e uma boa maneira de passar os olhos por um conteúdo de quadrinhos online bem extensos e que sofre updates constantes. Outra novidade, que chegou até mim via Ciro Marcondes - uma das mentes por trás do site Raio Laser - é o Tumblr Maria Nanquim, que posta charges e tiras nacionais e gringas sempre com uma verve mordaz e com vários artistas novos. 

Fantasia cotidiana






















por Pedro Brandt

O prêmio de revelação dado em 2009 a Bastien Vivès no Festival de Angoulême — evento francês dentre os mais relevantes para as histórias em quadrinhos na Europa — colocou em evidência o talento do jovem autor e da obra pela qual ele foi premiado na ocasião, O gosto do cloro (Le goût du chlore). Publicada originalmente em 2008, ela acaba de chegar ao Brasil pelo selo Barba Negra (ligado à editora Leya). Independente de distinções e honrarias, o trabalho merece ser conhecido por seus méritos próprios. É, desde já, um dos melhores lançamentos do ano.


Se o leitor quiser chegar logo ao final da história, consegue passar pelas 140 páginas em 15, 20 minutos. No entanto, cada uma delas é um deleite visual, permitindo uma leitura mais demorada, atenciosa e, consequentemente, mais prazerosa. Todo os elementos apresentados ali são preciosos, desde a escolha das cores (o verde e o cinza, em diversos tons, estão em toda parte), as angulações das cenas, as expressões dos personagens e, especialmente, como o desenhista consegue causar a sensação da passagem do tempo ao longo da narrativa. Os silêncios e tempos mortos são detalhes muito bem explorados pelo autor. Isso talvez se explique pala formação de Bastien Vivès: o francês de 28 anos é graduado em artes plásticas e cinema de animação. Se ele quiser transformar O gosto de cloro em curta-metragem, já tem pronto um minucioso story board.

Amizade na água

Em nenhum momento da HQ são apresentados os nomes dos personagens e as informações sobre eles são praticamente inexistentes. Nem precisaria ser diferente, já que no desenrolar da breve história os poucos diálogos são o suficiente para causar empatia.

A HQ começa em uma sessão de fisioterapia. O protagonista é aconselhado a praticar natação para melhorar seu problema nas costas. A pouca habilidade para nadar, a solidão na piscina (e o tédio decorrente dela) fazem com que ele pense em desistir.

 A situação muda quando o personagem finalmente conhece uma nadadora. O rapaz já a observava havia algum tempo. A moça o ajuda com dicas sobre natação. Ele quer conhecer um pouco mais sobre ela, faz perguntas. Ali na piscina, nasce uma amizade. Eles brincam, nadam e conversam. A natação, antes um fardo, ganha outra dimensão na rotina do protagonista.

A partir de um determinado momento na narrativa, preencher as lacunas deixadas por Bastien Vivès fica a cargo do leitor. Um relato bastante cotidiano até então, O gosto do cloro ganha, nas últimas 21 páginas, leves ares de fantasia. A sequência final — que pode ser encarada como uma metáfora sobre o inalcançável — é de tirar o fôlego, literalmente.

O gosto do cloro
De Bastien Vivès. 144 páginas. Barba Negra/ Leya. R$ 39,90.

O obscuro, sempre

 


por Ciro I. Marcondes

I just don’t see why I should even care
It’s not dark yet, but it’s getting there

            - Bob Dylan, “Not dark yet”.

É muito comum que grandes artistas ou pensadores, no final de suas vidas e carreiras, venham a olhar para um certo lado obscuro da existência. Atenhamo-nos ao básico: a faceta niilista e caótica das últimas tragédias de Shakespeare; a abissal missa de Réquiem de Mozart, composto para seu próprio enterro; o pessimismo derrotista nos últimos quatro álbuns de Bob Dylan; e até mesmo Freud demonstrou-se profundamente desiludido com a humanidade em seus últimos textos. Se conseguirmos aceitar isso como algum tipo de padrão – há que se considerar sempre as exceções. A nona de Beethoven, por exemplo, é um canto de cisne carregado de paixão e alegria – acho que ele se conforma com a resposta aparentemente mais óbvia, mas que só acreditamos quando acontece conosco: o envelhecimento é um processo muito difícil, de flagrante padecimento do corpo (e, portanto, de proximidade com a morte), e com ele confluem o acúmulo de frustrações e fracassos, de questões não-resolvidas, de inscrições cicatrizantes que vamos carregando na alma. Além disso, é evidente que o mundo não está ficando muito melhor, e daí é possível que estes artistas busquem uma última lufada de ar, carregada de pestilência fúnebre, que finalize com maturidade e severidade o próprio processo vital e artístico de cada um.

No caso que eu quero analisar aqui, é muito curioso o fato de se tratar de André Franquin, não apenas um mestre dos quadrinhos, mas também um mestre do humor nos quadrinhos. E o humor ganha particularidades insubstituíveis quando embebido de um tanto de... obscuridade. E Franquin acabou revelando-se um mestre também naquilo a que chamamos “humor negro”. Porém, antes de passar de vez a esta análise de seu humor, eu gostaria de pedir licença e analisar seu terror, a partir do mesmo sentido com que Francisco de Goya, o grande pintor do romantismo, instilou terror em sua fase terminal, já doente (circa 1820), surdo e quase cego, pintando as paredes de sua casa com cenas sombrias de rituais macabros, deuses pagãos e pessoas desfiguradas.

Esta brilhante fase de Goya, não planejada para ser exposta publicamente, acabou se tornando referência imediata aos movimentos modernos na pintura, como o expressionismo e o surrealismo, buscando revelar estados da alma a partir da figuração do monstro. Tornou-se famosa uma frase do pintor: “o sono da razão produz monstros”. É curioso pensar que Franquin, já nos anos 1970 e contando 47 anos (chegando ao auge da maturidade, portanto), dedicou boa parte de suas Ideias obscuras (Idées noires, publicadas ao longo de um par de anos na revista Fluide Glacial) a um imaginário surrealista, quase, quase sempre vinculado a ideias políticas ou éticas. Mas não há como negar que às vezes eram imagens puramente... monstruosas. Neste caso, basta citar uma história de uma página das Idées noires: dois homens passeiam por um trecho da cidade que mais se assemelha a um parque industrial, com viadutos, prédios em construção, gruas, plataformas. Um deles se queixa de que ali, antigamente, havia um bonito mercado, e que esse novo cenário destruiu o que havia de interessante na cidade. O outro, mais cético, fiz que ele está apenas cheio de nostalgias, e que o progresso é interessante, etc. A conversa avança até que o cético diz que ele está precisando mesmo é de um copo de vinho e uma boa noite de sonhos. Sem qualquer artifício para se fazer a passagem (letreiros, diálogos, mudança na moldura do quadro, etc.), Franquin então abre um gigantesco quadro panorâmico, fascinante, em que aquelas gruas, viadutos e plataformas erguem-se do chão, na forma de monstros, e começam a caminhar sobre a terra, povoando o sonho do coitado com um recalque indesejável.


Este imaginário onírico e certamente perturbado, que se assemelha ao de Goya justamente por não apenas dar vida, mas também por cultivar a vida dos monstros internos, é o que faz de Idées noires a obra-prima de Franquin. Uma obra-prima marcada por um tom macabro, impiedoso, quase irrefutável. E não estamos falando de qualquer autor, e sim daquele que escreveu a fase mais famosa de Spirou e criou Gaston Lagaffe (estátua dele aqui), símbolo dos quadrinhos na Bélgica.
Goya

Franquin
O pessimismo é um humanismo

Lagaffe
Se Spirou e Fantasio de Franquin é uma HQ mais infanto-juvenil mesmo, cheia de aventuras loucas e diálogos espertos, em Gaston Lagaffe já podemos reconhecer um pouco das ideias de Idées noires, porque já trazem um pouco do sabor do humor negro. Nas histórias do picareta Lagaffe, a estrutura mesma das páginas já se assemelha à das ideias obscuras: meia, uma ou no máximo duas páginas resumem tudo que precisa ser expressado, terminando geralmente numa explosão, em algum ato cômico de violência ou humilhação, e quase sempre num grande e expressivo quadro panorâmico. Da mesma forma, é em Gaston Lagaffe que Franquin vai criar a fórmula de inventar um ditado antecedendo cada história, geralmente no padrão “não se deve confundir essa coisa com essa outra coisa”, muitas vezes num trocadilho intraduzível do francês para o português (falando nisso: alô editoras – publiquem Idées noires no Brasil urgentemente!). Exemplo: “Il ne faut pas confondre pâle capitaine et peine capitale” (“Não se deve confundir ‘pálido capitão’ com ‘pena capital’”).

Mas o que é realmente fascinante em Idées noires é sua mistura curiosa de pessimismo e humanismo, numa concentração que nunca vi em nenhuma outra obra artística, o que (minha opinião) torna essa HQs quase crepuscular de Franquin tão interessante e ousada quanto as obras-primas citadas no primeiro parágrafo. Franquin era famoso por seu ativismo green e por sua defesa às causas dos direitos humanos, mas em Idées noires estes temas se tornam vinganças perversas. Vendedores acabam esquartejados por suas máquinas, militares passam a bombardear merda pelo mundo, imoladores de sangue humano em sacrifício à Terra passam a ver o planeta vomitar suas oferendas.

Franquin é particularmente virulento com a imagem da guilhotina, um tema delicado na França, que reverbera o da pena de morte. Numa das histórias, a lei é proclamada: “toda pessoa que matar uma outra voluntariamente terá sua cabeça decapitada”. Franquin vai fazer desta uma hilária imagem do infinito: burocratas passam a executar os assassinos “voluntários” na guilhotina. Então, depois disso, outro burocrata vem e decapita o burocrata (“assassino voluntário”) precedente, e assim por diante. Noutra, em três quadros (francamente inspirados em Rodolphe Töpffer) um velho reacionário olha uma passeata por direitos humanos pela janela e começa a praguejar, dizendo que sente saudades de quando ainda havia pena de morte e que, por ele, as execuções voltariam a ser públicas. No que, após ele dizer isso, no último quadro, a janela se rompe, se fecha e decapita o velhote.


                                                                         
O que mais me encanta em Idées noires, ainda assim, não são nem estas às vezes rasteiras, às vezes muito espertas, reflexões éticas, e sim o momento em que Franquin se transfigura nesse Goya doente, moribundo, pintando Cronos grotescamente devorando os próprios filhos assim que nascem. A “paleta de cores” usada pelo belga evidencia isso: preto e branco chapados, “só que ao contrário”. Assim, na maioria das ideias obscuras, o fundo é todo branco, e os desenhos todos pretos, sem muito delineamento de rostos ou detalhamentos, a não ser nas expressões, nos olhos, naquilo que basta. Quem conhece o traço de Franquin sabe que ele é mestre no estilo cômico gros nez, com fisionomias típicas da BD belga. Seus personagens são exagerados, com movimentos espalhafatosos, e geralmente descabelados, meio hippies, meio punks. Em Idées noires, isso também assume um aspecto sombrio, com um twist meio sádico, que de certa forma nos incomoda como aqueles super-heróis malvados em Crise nas infinitas terras.

 Creio que três exemplos resumem, por fim, a gratuidade genial do sadismo de Franquin nestas histórias: a de um sujeito caminhando só, na neve, morrendo de fome e desesperado, que avista as “luzes da civilização” e dá graças a deus. Porém, quando ele se aproxima mais, as “luzes da cidade” eram na verdade os olhos de mil lobos, que se revelam no último e grande quadro. Outra: a absurda história de um garotinho na praia que assusta as pessoas com uma barbatana falsa de turbarão. Ele é surpreendido no quadro final quando se atrai por uma outra garotinha que era na verdade... um boneco falso de ser humano usado por um tubarão (!!!) para atrair garotinhos... Por fim, uma das mais interessantes, e mais abstratas: um sujeito está correndo no espaço vazio quando uma grande pedra passa a descer em direção à cabeça dele, para esmagá-lo. Ele vai chegando, com pensamentos positivos, com máximas da força de vontade, quase chega, quase chega e, no último quadro, a pedra esmaga sua cabeça.

É este, portanto, o tom do humanismo de Franquin. Não diferente do de Mário de Andrade em Macunaíma: “cada um por si e deus contra todos”! Não é à toa que, ao nos despedirmos desta HQ, no deparamos com um carinha sorridente que diz: “quem me ame, que me siga!”. E ele vai em frente, seguido apenas por um urubu com más intenções. Se nem a degenerescência e nem a idade de Franquin eram físicas e avançadas como as de Goya, vale salientar que o velho pintor tinha seus motivos também políticos para se isolar numa velha casa e pintar monstruosidades mitológicas, já que estava realmente de saco cheio de fazer pinturas oficiais para a corte espanhola. No caso de Franquin, sua revolta contra o status quo (basicamente todo e qualquer discurso edificante de “progresso”) o fizeram voltar seu humanismo para algo próximo a um niilismo, fazendo da sua arte o único espaço em que ele podia soltar os cachorros e se vingar, com lindos requintes de crueldade, de todos aqueles “masters of war”. Viva o “lado negro da força”.


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