Kingdom Comics: o fim de uma era

Kingdom Comics: o fim de uma era

No momento em que começo a escrever esse texto, são 13h em Roma. Daqui a duas horas, mais exatamente às 10 da manhã no horário de Brasília, está marcado para acontecer o começo do fim. Se você não sabe do que estou falando, explico. Hoje, 22/09/18, é o último dia de funcionamento da Kingdom Comics, loja especializada em HQs e camisetas, que ajudei a fundar 22 anos atrás. Sim, o sonho acabou. Considerando a baixa longevidade das microempresas no Brasil, pode-se dizer até que a Kingdom durou bastante. Mesmo assim, a tristeza é grande.

A loja começou em 1996. Não vou entrar muito em detalhes sobre isso, porque já existe um mini documentário muito bacana sobre isso, feito pela Rafa Rodrigues em 2006. Agora, talvez seja melhor falar um pouco sobre o que aconteceu desse momento da época das filmagens até hoje.

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Quadrinhos além... do papel!












por Lima Neto
Ahhh! Terremotos! Tsunamis! Crises monetárias mundiais!
Realmente o mundo anda vivenciando um clima aconchegante de apocalipse. Mas, se o tempo e o espaço pudessem ser resumidos em uma palavra, talvez “mudança” fosse a mais apropriada. Mudança causa terror! Mudança causa apreensão! E mudança traz esperança, para aqueles que são de sentir esperança. Um desses abençoados é um velho conhecido do mundo do quadrinho norte-americano: o escritor Mark Waid, famoso pela sua visão do futuro do universo DC junto com o artista Alex Ross em Reino do Amanhã e outros trabalhos tanto para a editora da Warner quanto para a Marvel.



Mark Waid escreveu Reino do amanhã. Sujeito cabuloso
No final do ano passado, Waid deixou seu cargo de editor chefe da editora Boom!, onde publicava seus títulos Irredimable e Uncorruptible, para voltar ao estatus de escritor freelance. Mas seus objetivos eram maiores que isso, e bem mais proféticos! Waid agora é o porta-estandarte dos quadrinhos digitais. De acordo com o escritor, uma série de fatores, como a popularização de mídias portáteis de leitura, a imensa queda nas vendas dos quadrinhos impressos, o alto custo da impressão em papel, a porcentagem absurda taxada pelas distribuidoras – além de impossibilitar a entrada de sangue novo no mercado, vão mudar o perfil da indústria de quadrinhos até o ponto de dar um fim ao quadrinho impresso na maneira como são produzidos hoje nos EUA. E para ele (e para mim também) está é uma boa mudança.
Apostando em Waid, a Disn... digo, a  Marvel comics anunciou o lançamento do selo Infinty de quadrinhos online e app's de realidade aumentada, visando o mercado dos tablets. Em uma decisão sábia, colocou o próprio Waid como chefe da linha. A decisão é sábia pois Waid não só faz campanha a favor do quadrinho digital como, junto de artistas colaboradores, vem pesquisando técnicas narrativas que exploram as potencialidades do meio digital. Você pode conferir parte desse processo, ainda inicial, neste vídeo abaixo:


O resultado da parceria Waid/Marvel pode ser vista na edição Avengers Vs X-men Infinity, uma introdução à saga que você pode baixar via um código dado na compra da edição número #1. A revista tem arte de Stuart Immonen, que recebe crédito de co-roteirista. Esse crédito não é dado por acaso. Existe um leque enorme de possibilidades para produção do quadrinho online e, de acordo com o próprio Waid, a ideia não é fazer um quadrinho animado, como já houve em outros experimentos, e sim procurar a afinação correta em que se possa explorar alternativas, mas sem tirar do leitor o controle sobre o timing da narrativa. Nessa perspectiva, o artista acumula uma nova função: a de contar a história com a tecnologia disponível para a mídia digital.
O maior problema, no entanto, não está na exploração da capacidade narrativa do meio, o que na verdade é um motivo de empolgação para os artistas envolvidos, mas sim em outros aspectos mais, digamos, quantitativos. Atualmente existem terabytes infinitos de quadrinhos online sendo publicados na net. Existem graus diferentes de qualidade, é verdade, mas o grande ponto em comum entre eles é o fato de não receberem pagamento pela veiculação dos mesmos. Lógico que o grande sonho é que seu quadrinho faça sucesso o suficiente para poder daí ser lançado na mídia de revista. Mas para mapear todos os quadrinhos online sendo produzidos no mundo seria preciso uma dedicação realmente sobre-humana.
Neste panorama, o respaldo de editoras já estabelecidas no mercado poderia servir como um portal de extrema utilidade para se conhecer novos trabalhos que tenham um nível efetivo de qualidade. É lógico, porém, que tal ação funcionaria como um filtro que obedeceria a critérios muito específicos e que acabem não privilegiando a criatividade ou qualidade destas HQs.
Uma boa saída para este impasse pode estar justamente na criação de portais cooperativos de artistas associados e autônomos que possam, em conjunto, colaborar para a manutenção da produção e da qualidade buscando apoio monetário via publicidade no site. Pensar este novo lugar para o quadrinho pode ser uma boa saída frente às limitações impostas, tanto monetárias quanto ideológicas, do quadrinho impresso. Lógico que o trabalho de produção continua o mesmo e demanda o mesmo tempo. Mas o que vejo é uma boa época para que o quadrinho independente, com todo o potencial artístico envolvido neste termo e sem preconceitos de gênero (de histórias, não o sexual), possa tomar o lugar que vai ser deixado vago pelas grandes corporações em breve.
E, agora que acabo de escrever o artigo, o site Comics Alliance acaba de postar uma matéria sobre um site que ajuda a procurar quadrinhos online postando primeiro quadro de cada título. Just the first frame é o nome do site e uma boa maneira de passar os olhos por um conteúdo de quadrinhos online bem extensos e que sofre updates constantes. Outra novidade, que chegou até mim via Ciro Marcondes - uma das mentes por trás do site Raio Laser - é o Tumblr Maria Nanquim, que posta charges e tiras nacionais e gringas sempre com uma verve mordaz e com vários artistas novos. 

Aura de Eisner





















Estive em São Paulo recentemente, mas a passagem foi muito curta (apenas uma segunda-feira, praticamente). Logo após sair de um importante compromisso, queria voar até o Centro Cultural São Paulo para ver esta exuberante exposição de Will Eisner e escrever algo aqui para a RL. Bem, segunda-feira os museus fecham e fiquei na mão. Ainda bem que essa figura de impressionante solidez intelectual e artística que é Lima Neto foi e executou, com primor, a minha intenção, para a página da Kingdom Comics. Ele liberou o texto pra gente. Salve! De minha parte, apenas uma modesta contribuição: estou disponibilizando o arquivo de power point (aqui!) sobre Will Eisner que usei para aulas de História e narrativa de Quadrinhos na Universidade de Brasília (Valeu Lima! - CIM).
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por Lima Neto
fotos de Rafael Felix

Se você é assíduo leitor deste blog já deve saber do que é feito uma boa História em Quadrinhos. Aquela mistura mágica entre narrativa gráfica e ou texto, uma arte fluida e convincente e aquela habilidade cada vez mais rara de saber como contar uma história. Se esta definição lhe traz o nome de Will Eisner à mente, então você precisa ir urgentemente à exposição “O espírito vivo de Will Eisner” que está rolando no Espaço Cultural São Paulo, ou torcer para que ela visite sua cidade. Mas, para apreciar a beleza desta exposição é preciso que deixemos todas essas qualidades citadas acima de lado, o tipo de magia que se pode experimentar na mostra é de um tipo bem diferente e secular.


Antes de explicarmos a aparentemente paradoxal afirmação acima, vamos nos recordar que as Histórias em Quadrinhos como conhecemos hoje é fruto de uma necessidade comercial nascida da imprensa do começo do século XX com as possibilidades tecnológicas de reprodução das imagens que começaram um vertiginoso avanço com a invenção da fotografia. O surgimento destas tecnologias também foram responsáveis pela mudança no paradigma das artes plásticas, que, colocando de maneira bem simples, deixaram de lado a representação da realidade após perceberem a extrema eficiência com que as fotografias realizavam essa função e passaram a explorar questões mais abstratas e conceituais do fazer artístico. O crítico Walter Benjamin discute amplamente o impacto das novas tecnologias na arte em um texto seminal intitulado “A obra de Arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. Neste estudo, ele afirma que esta mudança radical da arte é decorrente da morte da “aura” – uma qualidade específica das obras de arte que está ligada à sua existência real na história e só pode ser sentida na presença da obra original – mas, com as possibilidades de reprodução que começaram a se desenvolver, esta aura já não fazia mais sentido. Dos escombros da arte tradicional, nasceram as HQ’s.

E o que isto tem a ver com a exposição “O espírito vivo de Will Eisner”? Ao entrar na galeria, previamente sinalizada com dezenas de banners com imagens clássicas de Graphic Novels de Eisner e de seu mais famoso personagem, o Spirit, pode-se perceber que se você quer ler um bom quadrinho, o melhor lugar é na sua casa sentando confortavelmente acompanhando de uma boa xícara de café. O que está sendo mostrado na galeria montada na Gibiteca Henfil no Centro Cultural São Paulo, mesmo sendo páginas de HQ, exala uma qualidade única, tocante, fantasmagórica e poderosíssima – uma aura, digna das pinturas mais clássicas da história da arte!

A mostra é recheada de páginas originais de quadrinhos, abrindo com belíssimas artes de Contrato com Deus, passando pelos traços paranóicos de Um Sinal do Espaço, pelo colorido etéreo de O último Cavaleiro Andante e através dos quadros/quartos de Avenida Dropsie. Estão presentes ainda os aguados de nanquim de Fagin o Judeu e muito mais páginas de várias outras Graphic Novels que dão forma à primeira parte da curadoria. A segunda parte é focada no Spirit e segue com mais páginas impressionantes diretamente dos anos 40. Separando as duas alas está uma mesa-painel com objetos pessoais do artista, como seus famosos óculos e cachimbo, esboços, quadrinhos raros e quinquilharias temáticas. Na ala de Spirit podemos ver ainda ilustrações do autor, inacreditáveis originais de capas clássicas de Spirit e reproduções em Silk Screen. Fechando a exposição há ainda uma ala separada construída com uma cenografia toda especial representando o cemitério Wild Wood (onde supostamente está enterrado o corpo de Danny Colt), onde podem ser vistas raríssimas peças como uma estatueta original produzida por Eisner em conjunto com o artista plástico Peter Poplasky representando o justiceiro de Central City em toda sua força. Mais belo ainda é o quadro de Spirit pintado em tinta acrílica sobre papel de pão que iria servir como design para uma tapeçaria encomendada pela esposa de Eisner.

Porém, nem esta narração da mostra, tampouco as fotos abaixo, são capazes de expressar o forte sentimento que pode se sentir ao observar a belíssima exposição. Ao olhar atentamente as artes originais, apreciar os traços firmes e expressivos, observar as camadas de nanquim e a maneira precisa com que se acumulam e se dispersam dando vida às sombras dos cortiços da Nova Yorque de Eisner e a saborosa ilusão causada pelas pinceladas de branco contrastando com os tons escuros, pode-se desconstruir os desenhos, refazendo cada passo em um processo impressionante que nos leva ao lápis, do lápis à folha em branco, e da folha em branco diretamente para dentro da cabeça deste que foi um dos maiores gênios do século XX. Neste momento abro mão da impessoalidade do texto jornalístico para escrever aqui um relato sincero. Nos mais de 10 anos estudando arte, e dos 30 anos em contato com quadrinhos, nunca pude me deparar com o fenômeno da aura artística. A razão é óbvia. Nunca tendo visto uma obra clássica do calibre de um Velásquez, por exemplo, de perto, nunca pude experimentar esta sensação atemporal de desconstrução que pode nos transportar à presença quase tangível do artista. Se as histórias em quadrinhos, como uma mídia do século XX, não gera tal sensação, ou gera um outro tipo de sensação específica que ainda carece de estudos mais aprofundados, a obra viva de Eisner transborda desse sentir. A cada painel, cada pincelada, cada estratégia percebida para compor as páginas de seu quadrinho, podemos sentir, como que olhando por cima de nossos ombros, a presença de Eisner.



Termino parabenizando a equipe responsável pela mostra (especialmente o belíssimo trabalho de iluminação de Marisa Furtado e Tadeu), pois através dela pude realmente descobrir e experimentar o que é a Aura artística de Benjamim, ainda mais emanando de uma exposição que, embora não sendo uma história em quadrinho em si, expõe o seu corpo irreprodutível. Se, ao ler uma Graphic Novel de Eisner, podemos experimentar o seu pensamento, sua filosofia, sua maneira de ver o mundo, ao ver seu traço exposto, seu trabalho braçal de desenho, podemos sentir uma corporeidade fantasmagórica. Como olhar para um corpo, mas não um corpo morto, sem vida. E sim um corpo vivo, ativo e animado pelo encontro dinâmico do observador com a obra. Se algum quadrinho de Eisner já lhe tocou em algum momento, caro leitor, então arranje um jeito de ver esta exposição!

Confira abaixo as fotos da cobertura exclusiva Kingdom Comics (a agora Raio Laser!) e também um vídeo feito pelo mestre Evandro, do blog Esfolando, onde o dono da maioria do acervo da exposição, Denis Kitchen - da editora Kitchen Sink, faz um tour especial pela versão carioca da mostra que rolou na Rio Comicon!

A mostra está ficará em São Paulo até 18 de Dezembro, então ainda dá tempo de conferir! (Valeu James!)