Rapidinhas #16 - Dia do quadrinho nacional 2022

Rapidinhas #16 - Dia do quadrinho nacional 2022

Estamos de volta com mais uma rodada de rapidinhas. E, novamente, uma edição especial só com gibis nacionais para dar nossa singela contribuição aos festejos do dia do quadrinho nacional. E para abrir esta edição começamos falando da sexta Bienal de Quadrinhos de Curitiba, que ocorreu no segundo semestre de 2021. Especificando, vamos iniciar com os projetos desenvolvidos na Residência Notas e Traços da Bienal. No dia 05 de Novembro de 2021 aconteceu a exposição dos trabalhos que foram elaborados nesta Residência, que deu continuidade online para uma proposta de trabalho conjunto que já foi desenvolvida presencialmente em outras edições. Desta vez, capitaneada pelos grandes Luiz Gê e Arrigo Barnabé. O tema da Bienal era exatamente a relação entre música e quadrinhos, inspirado nas históricas colaborações entre este monstro das artes gráficas que é o Gê e o Kaiju das experimentações musicais que é Barnabé. E os convidados para este desafio foram as duplas Gabriel Góes e Fernando Nicknich, Silvanny Sivuca e Marília Marz, e Grazi Fonseca e Rodrigo Stradiotto. O objetivo dessas linhas não é esgotar estas obras, mas sim convidar todos a experimentá-las. (LN)

por Márcio Jr, Marcos Maciel de Almeida, Bruno Porto e Lima Neto

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LASERCAST #12 - Dos gibis para o cinema: muito além dos super-heróis

LASERCAST #12 - Dos gibis para o cinema: muito além dos super-heróis

Adaptações fílmicas, traduções intersemióticas, transcriações. A equipe Raio se junta para comentar filmes que, de uma maneira muito especial, conseguiram subverter/expandir o campo de atuação de seus originais em quadrinhos. Além de vários filmes e gibis incidentais, são discutidos: “Perigo: Diabolik” (Mario Bava, 1968), “Lobo Solitário: a Saga do Renegado” (Kenji Misumi, 1972), “Popeye” (Robert Altman, 1980), “Flash Gordon” (Mike Hodges, 1980) e “Anti-Herói Americano” (Shari Springer Berman e Robert Pulcini, 2003).

Participam do debate: Bruno Porto, Ciro Inácio Marcondes, Lima Neto, Márcio Jr. e Pedro Brandt.

Edição: Gustavo Trevisolli.

Disponível em: SPOTIFY, APPLE PODCASTS, GOOGLE PODCASTS, CASTBOX, ANCHOR, BREAKER, RADIOPUBLIC, POCKET CASTS, OVERCAST, DEEZER

A seguir: textaço do grande Márcio Jr. sobre DIABOLIK + imagens, vídeos e referências citadas no episódio.

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Popeye e os demônios

por Ciro I. Marcondes

Sabe-se que Elzie Crisler Segar escreveu e desenhou a tira diária Popeye até o ano de sua morte, em 1938. Desde as origens, com a tira Thimble Theater, que estrelava especialmente Olive Oil (Olívia Palito), Segar primou por um humor cotidiano, mas ao mesmo tempo escarninho e exótico, beirando o surrealismo. Sendo conhecedor da fama da qualidade destas tiras, demorei-me buscando alguma coisa que contivesse a produção original da Segar. Bati na trave em Buenos Aires, quando deixei de comprar o volume Popeye da imperdível coleção Biblioteca Clarín de La historieta, que continha material de seu criador. Recentemente, num sebo, consegui um volume de 1972 publicado em português pela Editora Paladino. Trata-se de uma revistinha velha, pregada com durex e feita de papel jornal, com anúncios de outros gibis como Pinduca, Mutt e Jeff, Mandrake e Zé, o soldado raso (hoje Recruta Zero), com suas capas redesenhadas à mão juntamente com biografias de gente como Vicente Celestino, Agnaldo Timóteo e Roberto Carlos. Custou-me quatro mangos e este texto.

O que me chamou a atenção neste gibi foi, é claro, a preciosa assinatura de Segar logo na primeira página, num layout simples: “Popeye” (em letras garrafais, como na logo tradicional do herói) por: Segar (em letras grandes). A questão é: se Segar morreu em 1938 e o “World rights reserved. Copr. 1938. King Features Syndicate. Inc” de todas as tiras nos confirma a publicação no ano de sua morte, como saber se o arco de histórias contido neste volume 4 de Popeye foi mesmo produzido pelo criador do comedor de espinafre? Bem, caso eu faça uma pesquisa mais profunda ou me depare novamente com esta história republicada, terei a delicadeza de corrigir-me aqui. Por hora, fico com a possibilidade de estar lendo um original do grande criador de Popeye, e possivelmente uma de suas últimas histórias.

Rei Zezinho: monarca hedonista? :)

O arco de tiras contido neste volume 4 de Popeye não possui um título, como é de praxe nas publicações da King Features, o sindicato/editora criado pelo famoso magnata William Randolph Hearst (que inspirou Cidadão Kane, e o mais importante mecenas dos primeiros quadrinhos), que lançou tanto Thimble Theater como Popeye. Como era também de praxe nas histórias de Popeye, assim como de Mandrake, Fantasma ou Rip Kirby, por exemplo, as tiras de cinco ou seis quadros eram sequenciais entre elas, continuando sempre longas histórias que os leitores acompanhavam afoitos, fosse semanalmente ou mesmo diariamente. Portanto, no material que me chegou em mãos, três assuntos predominam em uma série de situações malucas, muitas vezes non-sense, sem qualquer relação com o que estávamos acostumados a ver, por exemplo, na série animada do Popeye, por onde a maioria de nós primeiro travou contato com o marinheiro. São eles, os temas: os súditos de um inepto (rei Zezinho); o espírito belicoso das monarquias (rei Cabooso); e uma ameaça invisível (os demônios). O que isso tem a ver com o marinheiro Popeye? É uma pergunta que também até agora me aflige.

Dudu e Olívia

Popeye é um tipo clássico, e uma série de características importantes de um imaginário ligado a ele aparecem nesse arco de histórias: primeiro, o próprio marinheiro, aqui no papel de primeiro ministro para Zezinho (conhecido também por Zezé ou Gugu), coroado rei de um exótico país chamado Demônia. Como isso ocorreu, eu não faço ideia, já que não tive acesso ao arco anterior de histórias. Popeye é rabugento, viril, meio sacana. Sua participação na história é bastante coadjuvante, já que, ainda herdeiro de Thimble Theater, sua tira é na verdade uma ciranda de personagens malucos que vão entrando e saindo de cena, realmente como num pequeno teatro, cada um tentando resolver a situação à sua própria maneira, delineando o perfil caricato de cada. Temos, por exemplo, a manhosa Olívia Palito; o mesquinho Dudu, comedor de sanduíches, de índole meio imoral; o teimoso Poopdeck Paps, pai de Popeye, de 99 anos, um velho estranho, obcecado por exercício e tolo como qualquer outro dos personagens; temos Chiquinho, o gigantesco guarda-costas do rei Zezinho; além do próprio bebê-rei, filho adotivo de Popeye, que em sua meiguice parece ter herdado a vibe sacana do pai.

Poopdeck Paps: pai de Popeye, tão tolo quanto qualquer outro

Os quadrinhos destas histórias não possuem qualquer complexidade: são diretos e rasteiros, como a maioria das tiras dos anos 1930. Há pouquíssima variação no enquadramento (já que eram tiras, afinal de contas): quase tudo é moldado dentro de um pequeno quadro retangular virado pra cima, e toda angulação obedece ao plano americano ou ao plano de conjunto. Fiel ao gênero sitcom, o Popeye de Segar possui um traço ainda fino, delicado, claro, atento a pares como Richard Outcault, Chic Young ou Hergé. Se, no início, parecemos padecer a uma certa morosidade da história, sem pé nem cabeça, fora de contexto, fora de um cânone do personagem; logo começamos a nos aproximar da simpatia dos tipos que vão aparecendo, do padrão ritmado das repetições das gags, da ciranda de tentativas de se resolver os problemas, e do humor simplório, escarninho, meio mongol mas delicioso (screwball), que vai se apresentando neste estranho gibi.

Popeye meets Yellow Kid

Ameaça invisível, monarca inepto, seres belicosos

O enredo desta história é, como já disse, maluco: Zezinho, um bebê, é coroado rei de Demônia e precisa enfrentar, basicamente, dois perigos: os demônios que vivem no subsolo, que são criaturas mais afáveis e divertidas do que se imagina; e a rivalidade com um certo rei Cabooso, monarca do um país chamado Cuspidônia, que entra em crise diplomática com Demônia por assuntos da mais urgente importância: caretas, insultos, presentes desagradáveis, etc. Cada um destes assuntos pode ser submetido a uma análise, digamos, estrutural, já que estamos falando de categorias maiores e elevadas de poder e sociedade, como a monarquia e a religião. Segar, um dos heróis da história das HQs, um jovem iconoclástico lamentavelmente falecido de leucemia aos 43 anos, certamente sabia do poder sub-reptício que as mensagens de seus quadrinhos poderiam invocar, e não surpreende que, em primeiro lugar, possamos associar os demônios que vivem no subsolo de Demônia a algum tipo de “ameaça invisível” (o que nos leva desde ao Phantom Menace de Star Wars até a “guerra ao terror” de George W. Bush como exemplos da multiplicação deste meme).

Como os demônios nunca aparecem, é natural que todos os personagens passem a duvidar de suas existências, de maneira que, aos poucos, instigados por um rei que nada faz (Zezinho, um bebezinho, deflagra estruturalmente um tipo de hedonismo da própria monarquia), a própria população acaba se tornando paranoica, voltando-se uns contra os outros, mas ainda assim prestando devida deferência ao seu monarca. É apenas quando surge um conflito de natureza diplomática com outro rei inepto (mas que desta vez peca pelo belicismo, e não pelo hedonismo), é que a população de camponeses de Demônia passa a questionar a autoridade do próprio rei, forçando Popeye, o primeiro ministro, a tomar atitudes delicadas, na fronteira entre a guerra e a diplomacia. No fim das contas, a história trata de um discurso de reis, assombrados por uma possível ameaça invisível, enquanto a população, distante do poder, gira, camaleônica, de um lado para o outro, sem convicção de nada.

Com mil demônios!

Não surpreende, afinal, quando a hilária e abilolada história vai ganhando contornos mais sólidos, que, quando os demônios finalmente aparecem, eles não apenas demonstrem um comportamento de alguma maneira afável (um deles chega a ser apaixonar por Olívia), mas também possuam uma aparência bem “fofa”, de jeito também angelical, propiciando uma trégua no final. E foi justamente no final que eu, já não duvidando de mais nada nesta história, percebi que, em todo o quadrinho, Popeye não havia comido uma lata sequer de espinafre. Este clímax, bem emocionante, vale confessar, é guardado apenas para os últimos instantes, quando, após tentar de todos os jeitos bater nos demônios sem apelar para seu famoso super-alimento, Popeye, apanhando, pede uma lata a Olívia. O efeito, vale também dizer, é devastador, mas de um jeito muito digno, sem ser espalhafatoso, diferente de quando o acompanhávamos no desenho animado. Popeye, casca-grossa, meio que recruta a lata do poder apenas quando está sendo vencido pelo maior de todos os demônios. A lata, é claro, é o suficiente pra ele sentar a porrada em todos os outros demônios, que passam a trabalhar em favor da população. No final das contas, é o homem do povo, sem a ajuda dos dois lados do poder, é que consegue se sobrepujar, dentro de sua dignidade camponesa, e vencer a “ameaça invisível”, que também nem era tão ameaçadora assim. E é isso mesmo: Popeye luta contra demônios. Por essa você não esperava. ­