LASERCAST #12 - Dos gibis para o cinema: muito além dos super-heróis

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Adaptações fílmicas, traduções intersemióticas, transcriações. A equipe Raio se junta para comentar filmes que, de uma maneira muito especial, conseguiram subverter/expandir o campo de atuação de seus originais em quadrinhos. Além de vários filmes e gibis incidentais, são discutidos: “Perigo: Diabolik” (Mario Bava, 1968), “Lobo Solitário: a Saga do Renegado” (Kenji Misumi, 1972), “Popeye” (Robert Altman, 1980), “Flash Gordon” (Mike Hodges, 1980) e “Anti-Herói Americano” (Shari Springer Berman e Robert Pulcini, 2003).

Participam do debate: Bruno Porto, Ciro Inácio Marcondes, Lima Neto, Márcio Jr. e Pedro Brandt.

Edição: Gustavo Trevisolli.

Disponível em: SPOTIFYAPPLE PODCASTSGOOGLE PODCASTSCASTBOXANCHORBREAKERRADIOPUBLICPOCKET CASTSOVERCASTDEEZER

A seguir: textaço do grande Márcio Jr. sobre DIABOLIK + imagens, vídeos e referências citadas no episódio.

ESQUEÇA MARVEL E DC: O PERIGO ESTÁ EM DIABOLIK!

por Márcio Jr.

A pandemia deu uma freada na coisa toda, mas antes da desgraça em escala planetária estava ficando usual filme de super-herói fazendo mais de um milhão de dólares em bilheteria. E os nerds comemorando – como se ganhassem alguma coisa com isso. Assim é a vida em um mundo sem adultos.

Espero dos filmes de super-herói o mesmo que espero de um gibi do gênero: entretenimento ligeiro. Mas não sou idiota a ponto de não compreender o estrago que sua hegemonia provoca no campo do cinema. Dito isso, afirmo sem medo de errar: Diabolik (Danger: Diabolik, no original) é fácil um dos melhores filmes de super-herói da história. E foi lançado em 1968.

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O espectador mediano do cinema super-heroístico deve estar se perguntando: quem diabos é esse tal Diabolik? Esclareço: o personagem é um clássico dos fumetti – nome das histórias em quadrinhos na Itália –, criado em 1962 pelas irmãs Angela e Luciana Giussani. Percebendo a dificuldade de se manusear jornais no exíguo espaço dos trens, Angela teve a ideia de publicar um gibi em formato diminuto (12 x 17 cm), que coubesse no bolso dos passageiros. O gênero da HQ foi definido após encontrar um exemplar do romance policialesco Fantômas largado por ali. Marshall McLuhan não falha: o meio é a mensagem.

Diabolik é tipo o Batman: não tem super-poderes. Conta apenas com uma mente brilhante e as extraordinárias capacidades atléticas de seu corpo. Usa roupa preta tanto para se camuflar à noite, quanto para meter medo nos inimigos. Curte um carrão: está sempre pilotando um Jaguar envenenado. Também mestre dos disfarces, invariavelmente tem à mão tecnologia de ponta. E é rico pacas. Mas as semelhanças param por aí.  

Ao contrário de Bruce Wayne, que herdou sua fortuna, Diabolik é rico porque é um ladrão. Seu pitoresco senso moral, todavia, só permite que ele roube gente como o próprio Bruce Wayne – isto é, gente podre de rica. Ou o próprio Estado.

Diferença fundamental em relação a seu congênere de Gotham City é a escolha do parceiro de aventuras – e de cama. Ao invés de partir para a ação ao lado de um pré-adolescente cheio de espinhas, Diabolik tem como aliada a gatíssima Eva Kant, numa eterna relação de tórrida (e absolutamente fiel) paixão. Batman – como todos nós sabemos – é assexuado. Isso na melhor das hipóteses. A outra alternativa para a sua sexualidade obrigatoriamente envolveria o tal “menino-prodígio”. E não serei eu a colocar mais farinha nesse angu.

“Pô! Esse Diabolik então não é herói, é bandido!” – diria o nerd incauto. Mas não são bandidos todos aqueles que ferem a lei ao tomar a justiça nas próprias mãos? (Ainda mais escondido detrás de uma máscara...) Bandido por bandido, prefiro aqueles que atacam a propriedade privada, ao invés de defendê-la. E isso Diabolik faz como ninguém, tanto nos quadrinhos quanto na fidelíssima película dirigida pelo mestre Mario Bava.

Bava (1914 – 1980) é uma legenda do cinema italiano. E um patrimônio do cinema mundial. Esteta de uma época que não dispunha de recursos digitais, notabilizou-se em filmes de horror. Estabeleceu os parâmetros do giallo (suspense policial carregado de violência). Foi pioneiro do slasher (terror urbano centrado em assassinos seriais). Uma de suas obras mais emblemáticas deu nome àquela soturna banda de Birmingham: Black Sabbath.   Fotógrafo de mão cheia, criava ambiências surreais valendo-se apenas de luz, cor e fumaça. Gênio da raça.

Foi graças à sua fabulosa expertise em efeitos especiais que o lendário produtor Dino De Laurentiis convidou Bava para a direção de Danger: Diabolik. Entregou uma obra-prima camp – que coincidentemente remete ao seriado de TV Batman, estrelado por Adam West, nos anos 60. Sequer torrou todo o orçamento. Dos 3 milhões de dólares disponibilizados por De Laurentiis, Bava gastou apenas 400 mil. Foi então sugerido que, com o restante da grana, fizesse uma sequência. O diretor declinou. Não se sentia confortável com a pressão de grandes orçamentos. 

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John Phillip Law e Marisa Mell encarnam à perfeição o casal Diabolik e Eva Kant. Lindos de morrer, destilam rara química na tela. Reza a lenda que Eva seria vivida pela deusa platinada Catherine Deneuve. Após uma semana de filmagens, tiveram que dispensar a bela da tarde. Faltou tesão.

O filme começa com uma complexa operação policial onde o Inspetor Ginko – eterno arquirrival de Diabolik, vivido pelo francês Michel Piccoli – comanda o transporte de 10 milhões de dólares. Ginko é jacaré em filme de Tarzan. De forma espetacular, o super-ladrão (que pra mim é super-herói) e sua amada botam a mão na grana. Para comemorar, uma noite de luxúria em meio a milhares de cédulas. Dinheiro serve é pra isso.

O esconderijo secreto de Diabolik deixa a Batcaverna no chinelo. Robin se rasgaria de inveja. É de lá que surge o novo plano do casal: o roubo do mais impressionante colar de esmeraldas já feito. Afinal, estavam a apenas dois dias do aniversário de Eva. Pobre Ginko. Lutar contra super-hedonistas não é moleza.

Em dada altura, explodem – literalmente – o sistema financeiro francês. Só por diversão. Lembrem-se: naqueles idos, não havia arquivos digitais. E lá vai o ministro de finanças – hilariamente vivido pelo saudoso Terry-Thomas – para a TV, pedir aos contribuintes que paguem seus impostos segundo a própria consciência. Aprende, Paulo Guedes.

O arrocho econômico faz com que a França precise abrir mão de parte substancial de suas reservas de ouro. Surge então a brilhante ideia de fundir o lastro restante num único lingote de 10 toneladas. Nem Diabolik seria capaz de roubar algo assim. Sei.

Para além do roteiro bizarramente inventivo, “Diabolik” tem a potência narrativa e visual de Bava. Planos incríveis, sequências arrebatadoras e delirantes. Trucagens do mais hábil artesão da imagem em movimento. A relação entre cinema e quadrinhos é tão próxima quanto complexa. Mario Bava lida com isso de modo inaudito. Sequer vou entrar nessa seara – que por si só valeria outro artigo exclusivo.

Mas há, ainda, a trilha sonora. De autoria de ninguém menos que o já saudoso maestro Ennio Morricone. Deep Down, o tema principal, é uma pérola que se transubstancia em diversas versões ao longo do filme, dando vida a climas e atmosferas que agem sempre em favor da narrativa. Não por acaso, Mike Patton – mais conhecido como vocalista da banda Faith No More –, em seu projeto de música italiana Mondo Cane, adota a canção como carro-chefe. Ao menos pra mim.

Ainda sobre as convergências de Diabolik com o universo sonoro, vale lembrar que o impagável videoclipe de Body Movin, dos fantabulásticos Beastie Boys, deriva diretamente da película ítalo-francesa. Coisa fina. Confira agora.

Assisti Diabolik pela primeira vez poucos anos atrás, no Fantaspoa – o maior festival de cinema fantástico da América Latina. O filme compunha uma mostra especial inteiramente dedicada a Mario Bava. Na ocasião, seu filho Lamberto – também ele um diretor responsa de cinema de terror, com clássicos oitentistas como Demons no currículo – estava presente. Em um jantar, falamos sobre Diabolik, do qual assina a assistência de direção, como em tantos outros filmes do pai. E ainda ganhei um belíssimo pôster autografado, que muito em breve receberá uma moldura à altura.

Mas você, leitor esperto, não precisa disso. É fácil encontrar o filme na internet. Ou ainda, se você for mesmo dos bons, adquirir a edição especial em DVD lançada no Brasil pela London Films. O acabamento não é de primeira – faltam, por exemplo, legendas nos imperdíveis extras. Em compensação, acompanha um segundo disco contendo a trilha sonora do filme. (Por favor, desconsidere o adesivo toscamente colado sobre a superfície do CD.)

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Importante assinalar que os quadrinhos de Diabolik voltaram a ser publicados no país. A Editora 85 é a responsável pela proeza. O preço não é muito convidativo, mas a edição é decente. Dois tijolinhos contendo, cada um, quatro aventuras distribuídas em quase 500 páginas.

De modo que eu só posso dizer uma coisa àqueles que ainda não tiveram contato com o personagem: esqueça um pouco Marvel e DC. Nos gibis e nas telas. Conheça Diabolik. É diversão diabólica. O pior que pode acontecer é você crescer um pouco.

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OUTROS FILMES E REFERÊNCIAS CITADAS NO EPISÓDIO:

Decadência do gênero do chambara + pink cinema japonês = extravagante (e ótima) adaptação de “Lobo Solitário”!

Lobo Solitário "raiz", da Editora Cedibra!

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Lobo Solitário "raiz", em VHS!

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Samurai Jack encontra Itto Ogami e Daigoro.

Sessão da Tarde feelings...

A sensacional animação da década de 30, mostrando um Popeye mais aventureiro.

A tira "Thimble Theater", onde Popeye surgiu, tinha foco no humor.

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O cantor Harry Nilson é o responsável pelas canções do filme, que contam com arranjos de Van Dyke Parks.

O cantor Harry Nilson é o responsável pelas canções do filme, que contam com arranjos de Van Dyke Parks.

FLASH! AAAAAAAAAAAAAAAAH!

Legenda: A versão da Filmation para Flash Gordon.

Adaptação do filme para quadrinhos, ilustrada pelo grande Al Williamson.

Adaptação do filme para quadrinhos, ilustrada pelo grande Al Williamson.

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Completo e legendado.

Página presente em "Bob & Harv", lançado pela editora Conrad.

Página presente em "Bob & Harv", lançado pela editora Conrad.