Quadrinhos para quem?

Quadrinhos para quem?

Como disse na primeira linha do texto, tenho uma relação afetiva com as HQ’s. Isso me coloca na categoria dos entusiastas. Somos leitores cuja experiência com os quadrinhos foi de tal modo distinta que transcendeu as finalidades mais banais dos gibis, como passatempo ou um colecionismo completista. Não se trata aqui de algo que se adquire com o tempo, mas sim de uma identificação com a linguagem que é marcada pela curiosidade. São leitores e leitoras que não se fixam a um gênero específico, mas que se interessam pelas diferentes facetas dos quadrinhos. Estão presentes nas feiras e nas bancas, consomem e dão feedback constante sobre aquilo que leem. Para estes leitores, o quadrinho impresso ainda é de grande valor, embora consumam quadrinhos eletrônicos da mesma forma. Eles se esforçam em distinguir valores artísticos nas páginas. Seja uma beleza clássica de um Alex Raymond ou o experimentalismo indie de um Chris Ware.

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À queima-roupa: X-9 republicado





















por Pedro Brandt

A popularidade do personagem de história em quadrinhos Agente secreto X-9 no Brasil deixou pelo menos dois legados na cultura do país. Em 1944, foi fundada, em Santos (SP), uma escola de samba que leva o nome do herói. A agremiação inspirou o surgimento, em 1975, de uma outra escola com o mesmo nome na capital paulista. A alcunha também virou, especialmente, no Rio de Janeiro, sinônimo de alcaguete, delator.

Independentemente de seus significados mais conhecidos hoje em dia, X-9 sobreviveu na memória de gerações de leitores. Para os mais jovens, no entanto, ele permanece, quando muito, uma referência em enciclopédias sobre a história das HQs — afinal, há décadas o agente secreto não é publicado aqui. Quem é X-9? Qual é sua aparência? Por que ele foi tão popular? O sumiço do personagem do mercado editorial brasileiro dificulta as respostas.


Por isso, é tão bem-vinda a publicação que a Devir acabou de colocar nas livrarias. Agente secreto X-9 reune as histórias completas publicadas em 1934 e em 1935 e produzidas pelos pais do protagonista, o escritor Dashiell Hammett e o desenhista Alex Raymond.

Em informativo texto sobre a história do personagem, o editor Leandro Luigi DelManto conta que X-9 surgiu como uma resposta ao sucesso de outro justiceiro dos quadrinhos: Dick Tracy. Para fazer frente à criação de Chester Gould, o magnata da imprensa William Randolph Hearst, dono da King Features Syndicate (responsável por várias das mais populares tiras de quadrinhos da época), contratou um dos mais lidos autores de romance de mistério daquele momento, Dashiell Hammett (de O falcão maltês). Para acompanhar seus roteiros, foi escalado o desenhista Alex Raymond, criador de Flash Gordon.

Tiros e femmes fatales

Depois de uma maciça campanha de marketing que anunciava X-9 como um herói astuto e durão (e seu roteirista, como o maior escritor de histórias policiais do século 20), o personagem estreou nos jornais em 22 de janeiro de 1934. De fato, a criação da dupla se diferenciava das demais da época, com requintes literários e tramas complexas. Além, claro, da cuidadosa arte de Raymond — que explorava vários ângulos na construção das cenas e abusava de recursos gráficos para causar diferentes efeitos.

Bem ao estilo da literatura policial e dos filmes de gângster da época, Hammett criava histórias com muita ação, tiroteios, perseguições automobilísticas e até aeronáuticas, nas quais o charme do sempre elegante X-9 era irresistível para as mulheres — no geral, femmes fatales com segundas intenções, por quem ele não mostrava interesse. Seu instinto de justiça o fazia levar um caso até as últimas consequências. Dexter (o nome usado por X-9, mas não necessariamente sua verdadeira identidade) não mostrava piedade com os criminosos. E não são poucos os bandidos mortos em trocas de tiro, muitas à queima-roupa.

Mais do que a ação, eram os “ganchos” para a continuação da história — vale lembrar que elas eram publicadas de forma seriada, em tiras de jornal — que fisgaram tantos admiradores. Para se ter uma ideia, O caso Powers, a primeira aventura do agente secreto, levou sete meses para ser concluído, algo raro para os padrões da época, com histórias mais curtas e diretas. E justamente para tentar facilitar para os leitores, os editores da King Features começaram a fazer alterações nos textos de Dashiell Hammett — que logo perdeu interesse em continuar na série, abandonando-a em 1935. Alex Raymond, muito mais afeito a seu trabalho com Flash Gordon e Jim das Selvas, seguiria o mesmo caminho.

Mas ainda não seria o fim do Agente Secreto X-9. Até 1996, quando a tira deixou de ser feita, ele passaria pelas mãos de outros talentosos autores, como Archie Goodwin e Al Williamson.


A edição da Devir merece elogios não só por trazer de volta o personagem, apresentando-o a uma nova geração de leitores e matando as saudades dos antigos, mas pelo acabamento do álbum, em papel de boa gramatura e impressão em sépia — e as opções de capa dura e em brochura. O texto de introdução ajuda a entender o contexto em que o herói surgiu e a biografia dos autores no fim do livro só realçam o quanto X-9 estava em boas mãos.

AGENTE SECRETO X-9
De Dashiell Hammett e Alex Raymond. Editora Devir Livraria, 216 páginas, R$ 62 (capa dura) e R$ 48 (brochura).
Texto originalmente publicado no Correio Braziliense em 06/03/2011