CCXP 2016: Medo e delírio em SP

por Marcos Maciel de Almeida

Após 2 edições finalmente consegui dar um pulo na Meca da diversão e do entretenimento nerd nacional. Meu objetivo era saciar a curiosidade e saber se o evento era tudo isso mesmo. Posso dizer que o resultado, no geral, foi bastante positivo.

Nos corredores da CCXP 2016

Já sabia - e pude confirmar - que, em convenções deste porte, é imprescindível focar nas atividades que realmente interessam, já que há enormes chances de ficar hipnotizado por atrações secundárias. E, quando isso acontece, a frustração pode bater forte, ao se perceber que o que realmente se queria fazer ficou para um depois que jamais chegará. Tendo isso em mente, saí à caça do que me importava: comprar revistas atrasadas da série Mágico Vento, da editora italiana Bonelli, publicada no Brasil pela Mythos. A empreitada foi um sucesso, talvez até grande demais. Eu, que só tinha cerca de 30 números deste fumetti, encontrei mais de 80 revistas que não possuía dando sopa por lá. Chegou um ponto em que estava torcendo para não encontrar mais nada, para que o bolso parasse de reclamar.

Mundo CCXP

Com a sensação de ter cumprido a primeira "obrigação", resolvi partir para a fase dois: obter autógrafos de meus quadrinistas favoritos. Autógrafos? Sim, autógrafos. Ainda fiquei pensando se valeria a pena perder tempo com isso, já que, na prática, um autógrafo não é muito mais que uma assinatura num pedaço de papel. Mas basta chegar perto da data do evento que meu espírito de fanboy renasce freneticamente. Com a experiência adquirida do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) 2015, resolvi levar apenas edições finas, para não abarrotar ainda mais minha mochila.

Alan Davis, Simon Bisley, Bill Sienkiewicz e Jae Lee, here I go.

Todos foram bastante simpáticos, com exceção do primeiro, que se recusava a tirar fotos e autografar caso não houvesse contrapartida$. O encontro com Jae Lee também fugiu à normalidade. Foi muito esquisito esbarrar com um de meus maiores ídolos, um cara que – para mim – não deve nada para qualquer dos medalhões modernos dos quadrinhos, ali sozinho, sem filas nem nada. Fiquei tão atônito que não consegui articular uma conversa que fizesse um mínimo de sentido. Ele foi tão gente boa e simples que foi difícil acreditar que era ele mesmo. Era por demais humano. Era por demais terreno. Foi triste constatar que o público da convenção dava mais bola para o trailer das novas atrações de Hollywood e para o Trono de Ferro de Game of Thrones (nada contra, ok?) que para o desenhista bochechudo de ascendência sul-coreana.

Jae Lee e fã babão

Uma coisa que me chama a atenção neste tipo de encontro é que, por mais que tente, não consigo ficar bem informado sobre quem é quem nos quadrinhos atuais. Devido à própria natureza, a nona arte é, antes de tudo, individual e pessoal. Graças ao relativo baixo custo de produção e consequente grande poder de difusão desta mídia, é praticamente impossível prestar atenção em tudo que está saindo e saber quem são as novas estrelas ascendentes. Mesmo assim, não canso de me surpreender com a grande quantidade de criadores famosos– para os outros, mas não para mim ainda - presentes no evento.

Com as fotos devidamente registradas e os gibis autografados, parti para os painéis. Teve muita coisa boa no último dia: aula de desenho com Alan Davis, revisão da trajetória do Peter Kuper, debate sobre etnia nos quadrinhos. Em resumo, deu para fazer de tudo um pouco e ir embora com a sensação de dever cumprido. Quer dizer, tudo um pouco não. Havia áreas "proibidas", como a região dos cinemas, em que os fãs se digladiavam para tentar ver um pouquinho de atores (?) como Vin Diesel, e um carinha ou outro da série Harry Potter. Estes territórios, inexpugnáveis, eram o habitat natural do fã primordial deste tipo de convenção, o nerd de ocasião. Conversando com várias pessoas que pretendiam ir à CCXP, percebi que muitos nem sabiam o que queriam ver. O importante era estar lá para ver, ser visto e, claro, angariar uns "likes" no facebook.

Debate

Masterclass com Alan Davis

Não chegarei ao extremo de fazer coro com o mestre Alan Moore que, recentemente, afirmou que gostava dos quadrinhos quando ninguém gostava deles, mas parece-me claro que a existência da Legião dos Fãs de Última Hora não pode ser ignorada. Este fato não é necessariamente ruim, visto que, na essência, o que ainda movimenta a indústria nerd é o rico dinheirinho dos aficionados, sejam eles hardcore ou novatos. Mas faz sentido gastar uma dinheirama numa estátua do Sandman se você nunca leu um gibi dele? Meu ponto é que essas comiccons da vida surgiram a partir de encontros de fãs de HQ, arte que nem sempre recebe o devido carinho neste tipo de evento (alô San Diego ComicCon!).

Bonecos e estátuas fizeram a "alegria" dos fãs

Diante da quantidade de pessoas numa convenção desta magnitude, fator que dificulta a realização de atividades tão banais quanto caminhar, sou forçado a fazer a seguinte pergunta: quem tem mais direito a frequentar este tipo de convenção: os fãs de verdade que formaram o substrato sob o qual foi erguida essa Disneylândia gibizística ou os recém convertidos que gastam somas estratosféricas em camisetas, bonecos, filmes e assemelhados? Em outras palavras, quem merece o tapete vermelho? Os fãs "roots" que estavam lá antes do "Faça-se a luz!" ou a massa endinheirada ávida por lotar o evento? Seja qual for a resposta, somente aqueles com maior disposição para enfrentar a maratona sobreviverão. O vilão Apocalipse dos X-men pode começar a sua seleção dos mais fortes ao final do quarto dia de CCXP.

Boiada, multidão zumbi, autômatos. Chame do quiser, mas os deslocamentos do público até a chegada ao portão da convenção me lembraram muito o manejo de seres descerebrados. Abre uma cancela aqui, afasta uma grade acolá. E assim a massa vai sendo tocada. Condicionados para chegar à convenção ao raiar do dia e marchar incansavelmente até a próxima atração não é comportamento diferente daquele das coletividades acima mencionadas. Aliás, que tal fazer um filme zumbi numa comiccon da vida, hein? Alô George Romero!

Admirável gado novo

Ano passado, meu amigo e guru quadrinístico Lima Neto escreveu uma resenha intitulada

Três dias em Hicksville: cobertura do FIQ!

 Ali ele estabeleceu um vínculo entre os frequentadores do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), realizado bienalmente em Belo Horizonte, com os habitantes da cidade fictícia de Hicksville, na qual todas as pessoas possuem – em maior ou menor medida – vínculos pessoais ou profissionais com os quadrinhos. Como já deve ter ficado evidente até aqui, este não é o caso da CCXP. Nesta convenção, os últimos habitantes de Hicksville lutam pela sobrevivência, encarando a barra de enfrentar um apocalipse zumbi. Tentando encontrar refúgio nas lojas que ainda vendem quadrinhos, verdadeiras fortalezas/santuários que os protegem da loucura que assola os corredores, eles buscam explicações racionais para uma realidade na qual imperam instinto e consumismo sem controle.

Fã descerebrado e Bill Sienkiewicz

Rafael Coutinho e Gabriel Góes expandem os quadrinhos em Brasília

Yes! Entre os dias 27 e 30 de outubro, Rafael Coutinho desembarca em Brasília junto ao parça (brasiliense) Gabriel Góes para realizar, no Espaço Cult, a "Oficina de Desenho e Narrativa para Quadrinhos", que eles já haviam realizado com sucesso em Sampa e outras cidades. Para quem não habita o planeta quadrinho há algum tempo, Coutinho, filho de Laerte, realizou "Cachalote" (com Daniel Galera) e "O beijo adolescente", dois dos trabalhos mais significativos das HQs brasileiras nos últimos tempos. Além disso criou o selo Narval, responsável por desaguar os autores mais instigantes da nova geração de quadrinistas brasileiros. Já Góes, figura muito conhecida em Brasília (e não só), tem em seu currículo as prestigiadas revistas "Samba" e "Kowalski", além de muitos trabalhos autorais e duas elogiadas adaptações de Nelson Rodrigues junto a Arnaldo Branco.

Esta Oficina promete ser um grande estímulo ao quadrinista brasiliense e uma chance para dar aquela velha "movimentada na cena". Participe! As matrículas podem ser realizadas online aqui.

Sobre a Oficina: OFICINA DE DESENHO E NARRATIVA PARA QUADRINHOS

Com Rafael Coutinho e Gabriel Góes

O Espaço Cult realiza entre 27 e 30 de outubro o curso Oficina de Desenho e Narrativa, que promove um entendimento diferenciado da produção de histórias em quadrinhos. Os alunos serão estimulados a deixar de lado conceitos pré-estabelecidos, como a obrigatoriedade de um desenho virtuoso ou a necessidade de histórias lineares com começo, meio e fim. Ao invés disso, o foco dos professores – o brasiliense Gabriel Góes e o paulistano Rafael Coutinho – será na compreensão dos sentidos, daquilo que nos emociona como autor e leitor. O que, por exemplo, prende nossa atenção numa conversa entre amigos? Ou na observação de uma cena cotidiana que assistimos em casa, no trabalho ou na rua? Que sequência de imagens nos encanta, surpreende ou até mesmo repele? A partir dessas reflexões, serão promovidos exercícios de histórias curtas com enfoque na construção de enredos, percepção de ritmo, diálogos e no uso das imagens.

Sobre os professores:

Rafael Coutinho é editor, artista plástico e quadrinista. Filho do também quadrinista Laerte, nascido em São Paulo em 1980, formou-se em Artes Plásticas pela UNESP em 2004. Dono da Editora Narval, fundada por ele em 2010, publicou mais de vinte títulos. Como autor, é conhecido pela graphic novel Cachalote (Quadrinhos na Cia – 2010), pela série em quadrinhos O beijo adolescente (Ed. Cachalote) e pelas ilustrações de recente adaptação de As aventuras do Barão de Munchausen (Cosac Naify – 2014).

cargocollective.com/rafaelcoutinhoartbr

Gabriel Góes é ilustrador, quadrinista e artista plástico. Suas ilustrações foram publicadas em jornais e revistas. É coautor, entre outros projetos, das revistas SAMBA, Kowalski e F A B I O. Adaptou para os quadrinhos, com roteiros de Arnaldo Branco, O beijo no asfalto e Vestido de noiva, obras de Nelson Rodrigues.

www.flickr.com/photos/7childrensbar

CAVALEIRO DAS TREVAS III, LIVRO DOIS: LEITURA PARA “NÚMERO 2” – 2º ensaio

por Márcio Jr.

A esmagadora maioria dos gibis mensais norte-americanos possui 22 páginas de quadrinhos propriamente ditos. Estamos, obviamente, falando de mainstream, comic books, super-heróis. Existem algumas justificativas para isso. A mais comum é que se o desenhista produzir uma página por dia, ao final do mês, descontando os finais de semana, ele terá feito um gibi inteiro. Faz sentido.

Minha tese, porém, é outra. Um gibi de 22 páginas corresponde exatamente ao tempo que se gasta numa ida ao banheiro para executar o glorioso “número 2”. A não ser que o roteirista seja o verborrágico Chris Claremont.

Você chega, abaixa as calças e senta no trono da privacidade absoluta – ou quase, no caso de ter filhos pequenos em casa. Ali, trabalho sujo e leitura ligeira andam de mãos dadas, numa simultaneidade que remete ao nado sincronizado. Movimentos peristálticos e satisfação mental. 22 páginas depois, missão cumprida. Missão dupla, diga-se de passagem. O gibi foi devorado do começo ao fim, sem sobras indesejáveis para momentos posteriores. E o estado da matéria no forévis ainda não se petrificou a ponto de exigir uma ducha. Todos saem ganhando.

Gibi de super-herói é, definitivamente, leitura de banheiro.

Batman: O Cavaleiro das Trevas, não.

A empreitada original de Frank Miller na mini-série de 1986 estava longe de ser leitura ligeira. Havia tramas e subtramas, overdose de informação, sofisticação gráfica e narrativa acachapante – além de cada edição ter praticamente o dobro de páginas de um comic book usual. Ou seja, torrar O Cavaleiro das Trevas no banheiro equivaleria a tomar um vinho de boa safra acompanhado de Cheetos para degustação. Algo seria fatalmente desperdiçado.

Não se trata aqui de dizer que literatura de banheiro tenha obrigatoriamente qualidade inferior. Taxionomias da modernidade não me parecem muito apropriadas para lidar com o tema. Li muitos contos de Bukowski confinado entre paredes azulejadas. O vampiro Dalton Trevisan parece talhar suas sintéticas obras-primas para estes ambientes ecoantes. Enfim, o que está em questão no W.C. é a equação que articula as seguintes variáveis: tempo, conteúdo passível de ser integralmente consumido neste tempo, fisiologia e higiene. Nada mais sacal que parar a leitura no meio de um parágrafo – ou entre dois quadros de uma HQ.

O Livro Dois de Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior tem 28 páginas, mas cabe direitinho na latrina. Ao contrário da seminal e inovadora série feita por Miller no século passado, é um gibi muito parecido com outros tantos que circulam atualmente. Fácil ler numa sentada.

Carrie Kelley, a Robin, está presa. No Livro Um, havia sido pega usando o manto do morcego. A edição é praticamente sobre sua espetacular fuga das garras da polícia de Gotham. Nem tão espetacular assim, a bem da verdade.

Frank Miller sempre foi um quadrinista com alma de cineasta. Seu storytelling – dos mais vigorosos que as HQs já deram à luz – tem esse componente cinemático no DNA. Invocado com cinema noir e filmes policiais, o autor sempre pareceu se deliciar em criar fugas eletrizantes. Quem se lembra de como o Mercenário escapou da prisão antes de assassinar Elektra, sabe bem do que estou falando. Neste Livro Dois de DK III, contudo, não temos Miller desenhando. Talvez, sequer esteja roteirizando pra valer. Não dá para saber ao certo o que vem de sua pena ou da de Brian Azzarello. Daí que a fuga de Carrie Kelley, ainda que possua ritmo, soa inverossímil demais, super-heroística demais. Andy Kubert, com certeza, contribui para isso.

A pouca inspiração gráfica apresentada na primeira edição da série se confirma em definitivo neste Livro Dois. Andy emula diagramações de página e enquadramentos criados por Frank Miller em Batman: O Cavaleiro das Trevas. O resultado atingido, todavia, não passa de um pastiche, uma caricatura (pobre) da obra original. 

A Gotham City que o atual desenhista nos oferece é uma triste diluição da sombria e vigorosa megalópole gótica mostrada em 1986.O próprio desenho de Andy Kubert se mostra menos cuidadoso que o habitual. E não se trata de síntese ou estilização, mas tão somente de um Andy Kubert inferior a si mesmo. Tempo curto para a produção? Não sei dizer. Mas ainda que não seja a pior arte do mundo, é muito pouco para um Cavaleiro das Trevas – mesmo este rescendendo a caça-níquel.

Existem dois tipos de arte-finalistas: aqueles que se esmeram ao máximo em manter as características do desenho original a lápis, e aqueles que se apropriam dele, imprimindo ali uma assinatura inconfundível. Klaus Janson pertence a esta segunda estirpe. É um papa da arte-final, responsável por salvar centenas de páginas criadas por desenhistas medíocres. Em DK III, infelizmente, tem se mostrado tímido e por demais preocupado em preservar o trabalho de Andy Kubert. Um erro.

Erro que se agrava se lembrarmos que, além de arte-finalista de primeiríssima linha, Janson é também um craque do desenho. Quando o próprio Frank Miller abandonou o lápis e passou a apenas escrever (e esboçar) as histórias do Demolidor, Klaus Janson assumiu o trabalho, mantendo o nível lá em cima. Alguns, inclusive, dizem que é o período mais bonito da longa primeira jornada de Miller à frente do personagem. Volto a pensar em limites de tempo para a produção de Raça Superior. De qualquer forma, tenho absoluta convicção que uma saída infinitamente melhor que a escalação de Andy Kubert como desenhista, seria deixar o velho Sr. Janson tomar conta de toda a arte de DKIII. Basta ver as capas variantes que ele criou para a série.

Consumada a fuga de Carrie, a HQ toma um novo rumo que faz avançar um pouco mais a narrativa: os kryptonianos da cidade engarrafada de Kandor são libertados pelo Átomo. Surge então Quar, que não precisa de mais de seis páginas para se apresentar por completo: líder religioso fanático e extremista, dono de um harém de esposas, assassino purificador de todos que não comungam de seu credo. Seria o Oriente Médio uma embaixada de Kandor na Terra? O espectro de Frank Miller finalmente se mostra em DKIII. 

O gibizinho deste Livro Dois é protagonizado pela Mulher-Maravilha e desenhado pelo hermano Eduardo Risso. Oba! Parceiro de longa data de Brian Azzarello – com quem fez a já clássica 100 Balas –, Risso traz munição gráfica de alto calibre para a série. O artista é um fenômeno na composição das páginas e no uso de amplas massas de sombra em preto chapado. Aqui, aparece mais leve e comedido, flutuando nas pequenas dimensões do formatinho. As cores de Trish Mulvihill são as mais inteligentes (e competentes) até o momento.

Na curta HQ, um tenso encontro entre a Mulher-Maravilha e sua filha (com o Superman) Lara – que começa a confirmar para si um papel fundamental na trama. O conflito de gerações, o embate com os pais e os questionamentos da juventude vêm à tona. São temas universais. Escapar dos clichês – ou executá-los com maestria – é condição indispensável ao sucesso de A Raça Superior

Ao final da segunda edição de DKIII, tem-se a nítida impressão que a HQ ainda não decolou. Alguns fios de trama, não muitos, foram lançados. A leitura, ligeira, não é desagradável. Mas ainda está muito aquém do relevo que um Cavaleiro das Trevas exige. Com praticamente a mesma quantidade de páginas destas duas edições, o primeiro número da série original já havia virado o mundo dos quadrinhos de cabeça para baixo. A Raça Superior ainda tem sete “livros” para mostrar que não é só mais uma leitura de banheiro, dentre tantas outras. Afinal, pelo menos aqui em casa, todo dia tem “número 2”.

Talco de vidro: Inescapável armadilha mental

por Marcos Maciel de Almeida

Confesso que não estava familiarizado com a obra do fluminense Marcello Quintanilha. Sabia que ele tinha ganhado o prêmio de melhor HQ Policial no Festival de Angoulême na França, com o gibi Tungstênio. Sabia também que ele tinha lançado alguns álbuns pela Conrad, inclusive o Fealdade, quando ainda assinava como Marcello Gaú. Bem, posso dizer que, depois de Talco de Vidro, minha opinião sobre o quadrinista passou da simpatia neutra pela admiração e pelo reconhecimento de estar diante de uma estrela em formação. Que gibi!

Leitor de quadrinhos há pelo menos três décadas percebo, com grande felicidade, o momento especial por que passa o quadrinho nacional atualmente. Antes, a HQ brasileira lutava para encontrar sua identidade e parecia sempre estar querendo se adequar aos modelos estrangeiros, principalmente o comic americano. Sim, tínhamos grandes autores pertencentes à vertente crítica/humorística como Angeli, Laerte e Glauco, mas sempre tive a sensação de que esses criadores faziam parte de um “gueto”, enquanto a maioria dos quadrinistas remava sem rumo definido. Lourenço Mutarelli também era outro autor marginal, no bom sentido da palavra. Não estou afirmando que hoje exista um movimento que possa ser denominado de Novo Quadrinho Brasileiro. Na minha modesta opinião, os autores deixaram de buscar um modelo e decidiram trilhar o próprio caminho, que aponta para o trabalho independente, livre e autoral. Acredito que a identidade nacional quadrinística, hoje, se afirma mais pela heterogeneidade que o contrário. É mais fácil dizer o que ela não é, do que saber o que ela é. Enfim, essa é outra história. O que importa, nesse momento, é reconhecer o talento de Quintanilha, retrato dessa geração que vem transformando o quadrinho nacional.

Lendo algumas críticas sobre as principais qualidades do autor, uma delas é frequentemente exaltada: a capacidade em reproduzir o linguajar coloquial do brasileiro, especialmente levando em consideração que Quintanilha está radicado na Espanha há quinze anos. Essa habilidade fica patente na HQ Tungstênio, que se passa em Salvador, e também na Talco de Vidro. Mais que isso, o autor demonstra considerável talento em retratar situações cotidianas, óbvias, que todos vivenciamos, mas não paramos para refletir ou identificar. Sabe aquelas coisas que só reparamos quando alguém aponta o dedo e nos mostra didaticamente? Pois é, Quintanilha é mestre nisso.

Para um amigo meu, a leitura dos trechos iniciais de Talco de Vidro é semelhante a assistir a uma novela do Manoel Carlos, especialista em contar, com os exageros típicos do gênero, o cotidiano dos membros da classe média alta carioca e suas interações com as outras classes sociais. Sim, a leitura inicial pode parecer apenas mais uma narrativa sobre a vida de uma moça de Niterói, mas há uma sensação de incômodo latente na história. Uma percepção, por vezes subliminar, de que há algo de podre abaixo da camada de normalidade.

A protagonista, Rosângela, tem uma vida estável e aparentemente feliz. É dentista, tem vida financeira confortável, e mora em bairro nobre de Niterói. O marido é médico cardiologista renomado, cujo sucesso parece não ter nem o céu como limite. Entretanto, sutilmente, o autor dá pistas de que a personagem não teria tanto mérito nas conquistas de sua vida: a faculdade – de prestígio – foi bancada pelo pai, que também pagou o consultório. Seu carro, caríssimo, foi presente do marido. Sugere-se, então, certa dependência financeira e emocional de Rosângela em relação aos entes queridos.

Rô acredita pertencer a um grupo diferenciado de indivíduos. Seres superiores que transitam pela cidade sabendo que há cercas invisíveis que os separam do restante da população. Ao se relacionar com as pessoas da “casta inferior”, ela sempre faz questão de colocar as pessoas em seu devido lugar, já que não seriam boas o bastante para fazer parte de seu círculo íntimo. Em visita à tia, por exemplo, ao ouvir da última que o ventilador tinha que ficar ligado o dia inteiro, comenta: “Lá em casa é o ar condicionado”, como que para ressaltar a diferença social entre ambas. Este escudo aparentemente impenetrável de altivez tem, entretanto, uma rachadura inicialmente imperceptível, mas que se revela insuportável: a inveja nutrida pela protagonista em relação à prima, Daniele.

Porque invejar a prima, que era mais pobre, morava em bairro humilde e tinha a vida marcada pela infelicidade? Afinal, não haveria justificativa para invejar alguém com pai alcoólatra, que não terminou a faculdade, é divorciada... Entretanto, uma característica da prima não permitia que Rô se considerasse superior em todos os aspectos. Invejava, com todas suas forças, o sorriso de Daniele. Assim, aos poucos, passamos a assistir à transformação da inveja da protagonista em uma verdadeira obsessão, que a levará por uma trilha escura que poderá se tornar irreversível.

O pontapé inicial para o desmoronamento da vida de Rosângela é a descoberta de que a prima está namorando. A partir desse momento, a vida da dentista não é mais boa o bastante. Seu marido – que era o pai e companheiro que qualquer mulher gostaria de ter – passa a ser visto como um ser execrável. Seu odor se torna insuportável. Essa nova percepção de Rosângela está diretamente ligada ao novo momento da prima. Se ela está namorando, o marido médico tornou-se descartável. Casamento já era. O importante agora é curtir a vida. Namorar sem compromisso. Entregar-se a diversos parceiros. Tudo para se aproximar – e claro, superar – do estilo de vida de Daniele.

A narrativa da “queda” da protagonista é recheada de metáforas. Acompanhem a sequência abaixo, que mostra o turbilhão que despertou na mente de Rosângela nos momentos posteriores à descoberta de que a prima tinha virado a página com o ex-marido. São os primeiros sintomas de mal estar provocados por uma inveja avassaladora, que não passará em branco.

A arte é um capítulo à parte. Hábil desenhista, Quintanilha registra com talento a montanha russa de emoções pela qual transita a protagonista. Orgasmos com cara de sofrimento, alegria forçada e depressão extrema são retratados com grande sensibilidade. Vejam o olhar transtornado da protagonista ao descobrir que a prima não viria para uma consulta ansiosamente esperada, na qual Rô mostraria quem estava “por cima da carne seca”:

A boa utilização das retículas na construção dos quadros, da vestimenta e até do corpo dos personagens contribui para a composição das cenas, “colorindo” as páginas em preto e branco. Finalmente, o título. Ao pensar em talco lembramos de um produto higienizador e perfumado, com propriedades de cura. O talco nessa HQ, entretanto, é outro. É de vidro. É cortante. É como a vida de Rosângela. Uma análise mais ligeira sugere conforto, bem estar e alegria. Sob os olhos do microscópio, entretanto, a visão é outra. Há algo apodrecendo ali, à espera de um gatilho para que possa vir à tona. E quando esse momento chegar não será mais possível conter o monstro faminto da inveja.

HQ em um quadro: o solipsismo de Modred the Mystic, por Bill Mantlo e Sonny Trinidad

O narrador sugere que Modred vê monstros e dragões no lugar de soldados, carros e armas (Bill Mantlo, Sonny Trindad, 1975): dia desses ganhei um presente que adoro: um gibi velho, puído, um pouco mofado. Tive que deixar algumas leituras da fila para trás para me dedicar a este novo artefato. Trata-se de uma revista da Marvel original de 1975. Nada raro ou obscuro, que fique claro. Mas eu sou daqueles que gosta de primeiro cinema, dixieland jazz, maxixe, golden age comic strips, coisas velhas. Um gibi Marvel dos anos 70 é como uma pequena viagem no tempo àquela época louca: páginas de anúncios como "have your poems set to music", "free one million cash", "hipnotize!", "authentic Superman costume", etc. Além dos próprios anúncios da Marvel: adesivos para caderno, fantasias dos Vingadores para crianças, um correio super "hip" assinado pelo Stan Lee. Fresh vintage!

Mas nada disso se compara à leitura de um bom gibi da era de bronze. Veja este caso. Ele faz parte de uma série chamada "Marvel Chillers", que está entre o super-herói e o terror ainda um tanto inspirada no grafismo do horror clássico dos anos 40 e 50. Mesmo assim, o conteúdo é bem mais supers. Durou apenas sete edições, duas com Modred, the Mystic, um personagem de quinta criado por Marv Wolfman que apareceu depois em algumas histórias dos Vingadores; e as outras cinco com a sensual e mais famosinha Tigra, the Were-Woman. A minha edição é a número dois. Portanto, o fim do arco de Modred, cuja primeira aparição havia sido no número um. Não esperava nada, mas encontrei um texto consistente de Bill Mantlo, com diálogos elaborados e ótimos (e bem irônicos) recordatórios (ou recitativos), além de uma arte satisfatória por parte de Sonny Trindad, prejudicada pela coloração de impressão paupérrima (imagino que em 3 cores), mas que adiciona certo charme à coisa. 

Modred, na verdade, é um ótimo personagem. Oriundo do século VI, da terra de Camelot, ele é o aprendiz de mago do grande Velho Gervasse, o "segundo maior mago do Reino" (perdendo pra um enlouquecido Merlim, é claro). Ambíguo, impetuoso, descontrolado e submisso às suas paixões, Modred acaba cedendo a forças obscuras quando invoca um poder das trevas presente no livro Darkhold e, exaurido num duelo contra o oculto, acaba congelado no tempo, paralisado, até que acorda no presente (isto é, 1975). O enredo lembra a série Camelot 3000, e eu não me surpreenderia se Modred tivesse em algum nível sido uma inspiração.

Os já citados bons recordatórios (numa época em que não era tabu caprichar nos recordatórios, hoje considerados "literários" demais para a "arte livre" dos quadrinhos - completa besteira) e o fato de Modred acordar em uma sociedade moderna são importantes aqui. No quadro que destaquei, Modred acaba de "invadir" o presente e está cercado pela polícia de Londres. O recordatório se questiona assim: "como um ser acostumado com carroças puxadas por cavalos e arco-e-flecha irá reagir quando confrontado com tão modestas maravilhas tecnológicas da era das máquinas como... os carros e as armas de fogo?" Acontece que o que vemos na imagem do requadro não são carros e armas de fogo, e sim... monstros humanoides com lanças e dragões!  É uma linda possibilidade filosófica, a do solipsismo. Sem nos explicar, o texto em quadrinhos (palavra + imagem) nos informa que Modred, vindo de outra época, é incapaz de "processar" a visão de seres e tecnologias que não existem em seu mundo. Logo, seu cérebro os verte em algo familiar (supondo que monstros e dragões existam em sua mágica Camelot). Ele está vivendo em solipsismo (só ele enxerga seu mundo; seu mundo só existe pra ele). Isso lembra aquela história de que os índios não viram os navios europeus chegando porque seus cérebros não estavam culturalmente e cognitivamente programados para compreender aquela visão (o que deve ser um lorota das boas). Ou a interessante recente pesquisa que afirma que não podíamos ver a cor azul até tempos modernos, já que as línguas e textos antigos não a mencionam (e ela pouco aparece na natureza). O solipsismo é uma condição meio "beco-sem-saída" filosófica que nos aprisiona num dos muitos paradoxos da ontologia. Afinal, como efetivamente provar que não somos todos solipsistas? 

Esta história de Modred é interessante em vários aspectos: comprova a grande fase de amadurecimento do texto em quadrinhos que é a era de bronze, quando as histórias já são direcionadas para um fã mais crescido e a continuidade delas se dá com amarras sólidas, poderia dizer literariamente (pulp, que seja) trabalhadas, sem perder o encanto delirante da era de prata. Mas nada justifica um insight tão fascinante e bem sacado quanto este do solipsismo de Modred. Afinal, o recordatório não nos diz "vejam! ele troca carros por dragões". Ele apenas indica a condição e mostra, num plano-ponto-de-vista, o olhar de Modred, o que dá uma ideia do estado alucinado em que vive o personagem. Uma coisa pescada assim, no meio de uma leitura sem qualquer memória ou prestígio, vinda de um gibi puído. É assim que eu gosto das coisas. (CIM

Especial Editora Mino: 4 resenhas (padrão RL) + ótima entrevista!

por Ciro I. Marcondes (resenhas) e Pedro Brandt (entrevista)

Quiral

Na ativa desde 2014, a Editora Mino juntou em pouco tempo um catálogo admirável, com obras de novatos e veteranos produzidas com caprichado acabamento editorial (papel bom, capa dura, impressão de qualidade, etc.) e uma curadoria que foge de obviedade e é afeita ao risco. 

Além das obras resenhados abaixo, a Mino lançou recentemente Quadrinhos insones, de Diego Sanchez, e os primeiros títulos de autores estrangeiros pela editora: o perturbador Zonzo, de Joan Cornellà, e o divertido (e fofo!) Fungos, de James Kochalka. Em breve, chegam às livrarias O Diabo e eu, HQ inspirada na vida do bluesman Robert Johnson, de autoria de Alcimar Frazão, e Shaolin Cowboy, do monstro Geof Darrow.

Responsáveis pela Mino, o casal paulista Lauro Larsen e Janaína De Luna conseguiu realizar este que é sonho de muitos fãs de quadrinhos: abrir a própria editora e lançar títulos e autores nos quais acreditam. 

Em entrevista por e-mail, eles contam um pouco como foi colocar isso em prática (“As pessoas são apaixonadas por quadrinhos, mas não entendem nada de negócios. Tem que ter planejamento...”), comentam as escolhas do que publicam (“Porra, como é que sabe se determinado autor não vende se ninguém nunca o lançou de maneira decente?”), lembram como se iniciaram no mundo dos quadrinhos e ainda tecem palpites e arriscam previsões sobre o cenário nacional de HQ (“Acho que o futuro vai ser massa!”). (PB)

Caso queira enviar seu material para ser resenhado na Raio Laser, o endereço é o seguinte:

RAIO LASER

SQS 212 Bloco G Apto 501.

Brasília-DF

Brasil

CEP: 70275-070

CRÍTICA

Aventuras na Ilha do Tesouro

Pedro Cobiaco

(Mino, 2015, 144 p.): De certa forma, a graphic Aventuras na ilha do tesouro, de Pedro Cobiaco (filho do Fábio), e a série O beijo adolescente, de Rafael Coutinho, tratam da mesma reflexão: a difícil tarefa de esquadrinhar ou compreender as growing pains da nova geração de adultos (Y ou millenial) a partir de referências internas, de um pensamento endógeno a eles próprios. Ambos acabam recaindo em uma estrutura fabulística ou mítica, aproveitando elementos da cultura pop ligados a esta galera (os super-heróis no Beijo; uma coisa Alice meets Hora de Aventura no Ilha) para criar uma história eminentemente metafórica, mas ao mesmo tempo muito divertida, sobre este conflito de gerações. Ambos também carregam nas tintas psicodélicas para construir um imaginário vívido, elástico, com uma profusão intensa de camadas visuais e cores, dotando esta geração com uma racionalidade e intuição propriamente lisérgicas, algo que reverbera em suas ações políticas, sua sexualidade, sua identificação com o mundo. 

A grande diferença é que Coutinho, muito mais velho, faz algo mais pensado e intelectual, com referências à historiografia de ouro dos quadrinhos e uma trama elaborada a longo prazo, com arcos narrativos delineados e conflitos que se desdobram dentro de certos padrões de previsibilidade. É um experimento de epistemologias geracionais (por assim dizer) que se encontram, mas não se tocam: O beijo adolescente é a própria cidade de Kandor

que Coutinho cultiva dentro de sua redoma, e isso traz vantagens e desvantagens em relação a Aventuras na ilha do tesouro, que tem uma pulsão muito mais voraz e selvagem. Ler este trabalho se parece mais, na própria sensitividade da coisa, com uma projeção para dentro da cabeça dos millenials. Não é à toa. Cobiaco tem 20 anos de idade, e todo esse desaguar psicodélico se espraia em referências, possibilidades e desdobramentos estéticos. Trata-se de uma história livre, à deriva, desenfreada, por vezes sem lógica, sem função, afogada num oceano de emoções.

Mas, é claro, Cobiaco não é nenhum naïve. Está lá uma carga referências bem sacadas, de Magritte e  Hokusai a Lord of the flies e o supracitado Corto Maltese, como espécie de elo afetivo que une o aspecto metalinguístico da graphic ao coração de seu ímpeto aventuresco. Mas isso tudo não impede que a HQ pareça urgentemente autêntica e atual: na observação microdetalhada da linguagem dos quadrinhos, na submersão no caldeirão surrealista que é a experiência de lê-la, em seu conflito geracional atávico, na androginia queer de seus personagens. Porém, aquilo que, nesta HQ, de longe ultrapassa O beijo adolescente em urgência, de certa forma perde para a obra de Coutinho em meticulosidade, sobriedade, bom senso.

Explico: Aventuras na ilha do tesouro é um bildungsroman (romance de formação) gráfico. Esta formação aparece em duas frentes: por meio do Capitão, um personagem livre que vive, com outras figuras (jovens, modernas, encantadas e encantadoras), em uma ilha (espécie de Éden teen dos anos 2010) que é devassada por uma geração de velhos conhecida como “guarda real” e que acaba com o sonho “Lagoa azul + Tame Impala” que estava sendo construído por aquela sociedade de millenials. O Capitão então vai encontrar seus demônios existenciais, exilado, à deriva. Em outra frente, temos o próprio autor (na verdade uma ficção de si próprio), que aparece com uma espécie de máscara do Rorschach que reflete os movimentos emocionais dele a respeito da perda do pai (metafórico ou não), e os processamentos deste luto. Há inteligência metalinguística nesta parte, muito malabarismo visual e um ótimo dialogo geracional entre o próprio Pedro e seu pai, Fábio, um quadrinista mais clássico (veja a resenha abaixo). A fenda geracional, nas duas frentes, é claramente o que move as camadas simbólicas de Aventuras na ilha do tesouro

O que pega, por vezes, é que esse transbordamento todo, vertido em complexidade (todo um dispositivo de linguagem e camadas simbólicas) e pura emoção de artista (o jorrar psicodélico) deixa a história um pouco como um sujeito com DDA que não consegue se concentrar em nada. Há um momento em que o próprio Cobiaco, vertido como autor fictício, denuncia a farsa: “história egoísta que só faz sentido para mim”. Pode até ser, mas não precisa acusar. É inevitável, portanto, dizer o que já deve estar claro – esta graphic é um raio x desta geração no que ela tem de melhor e pior: expressão e vacuidade. Como os requadros do último capítulo (silenciosos, instintivos, aquecidos) denunciam, o processo todo de Aventuras na ilha do tesouro funciona como rito de passagem em todas as suas contradições, em brutal honestidade. Neste sentido, ler este trabalho em conjunto com O beijo adolescente funciona como estar dos dois lados de um espelho invertido, com uma geração ajudando a compreender os erros e acertos da outra. É um momento delicado e sensível (para não dizer apenas histórico) para a HQ brasileira.  

Quiral – Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho (Mino, 2015, 44 p.): Acompanho o trabalho de Damasceno e Garrocho desde os tempos do "Quadrinhos Rasos" e, desde que reclamei que o trabalho deles era “fofo” demais (o que de certa forma virou uma piada sobre certo tipo de quadrinho nacional), eles parece que resolveram entrar de mala e cuia nesta seara (vide Bidu: caminhos, Cosmonauta Cosmo, etc.). Nada contra, realmente, mas em Quiral a dupla, versátil e talentosa, mostra visível amadurecimento, mesmo que insistam em alguma meiguice um tanto piegas. Em primeiro lugar, temos uma narrativa dupla, o que é interessante por si: duas histórias (uma de um pirata solitário no passado; outra de uma jovem meio cientista e voluntariosa no presente) são contadas paralelamente, quadro-a-quadro, com design e coloração específica para cada. Em segundo lugar, o tom maduro na expectativa de inversão de valores: embora ambos os personagens vivam em ambiente praiano de caçadores de monstros gigantes (sim, uma coisa Pacific Rim misturado com A ilha do tesouro), o pirata, renomado matador destas criaturas, se sente solitário, exausto, inseguro. Já a moça, inquieta, inspirada pelas anotações do pirata no passado, pretende ousadamente seguir seu legado. São perspectivas invertidas.

Quiral é delicado, sim, com cores amenas e uma beleza contemplativa no leiaute suave das páginas. Apesar de ser uma história de monstros e piratas, não há ação, apenas saudade e sonhos perdidos, e esta vocação, apesar de óbvia para o trabalho dos autores, é trazida à tona aqui com refinamento e bom gosto. Vejam bem a sacada (não genial, mas de tocante simplicidade e bem trabalhada): piratas e monstros gigantes são elementos de quadrinhos “masculinos” estilo filme high-concept de Hollywood. Os autores apenas conjuraram a mágica de encantar esse mundo estéril e brutalizado com um pouco de humanidade. Aquela coisa: extrair, dos estereótipos, arquétipos desconhecidos. Nosso herói é solitário por ser herói, por estar além, por não conseguir se comunicar com qualquer um que retenha suas expectativas. São ideias singelas, desenvolvidas com quase monástica simplicidade, o que torna o quadrinho edificante (e por isso ainda um tanto pueril), mas domado. No final, Quiral até diz a que veio, mas de uma maneira muito minimalista e rápida. Parece o rascunho de um sonho. Uma fantasia de um quadrinho mais robusto, autoral e consistente.  

Goela Negra – Lelis e Ozanam (Mino, 2015, 104 p.): Estações de trem, minas de carvão, abatedouros, moinhos, espeluncas, bares, rostos humanos (muitos rostos humanos): que diabos Lelis não consegue ilustrar, olhando em fotografias ou não, com seu traço de lavagem vertical, de expressão quase pura? Muito diferente de outras obras consagradas, cheias de cores amalgamadas (como Saino a percurá e Clara dos Anjos), em Goela negra este que é um dos nossos maiores ilustradores utiliza o pincel seco em preto e branco para retratar, em escalas narrativas bastante definidas, a tenebrosa realidade dos carvoeiros no norte da França entre o fim do século XIX e os primeiros anos do século XX. Com roteiro, digamos, “correto”, cheio de inferências e bastante engajado do francês Antoine Ozanam, o álbum acompanha a trajetória de Marcel, um operário fodido que vai se jogar numa Paris surreal e enlouquecida pela ganância, pelo crime, pela luxúria, etc., reverberando ecos da revolução industrial e de uma possível revolução anarquista.

Goela negra é uma saga de tom moral e cíclico, tempestuosa e às vezes redundante, cheia de menções a fatos históricos. Os rastros de uma extensa pesquisa podem ser percebidos por toda parte. Se não fosse a arte espectral de Lelis, que contamina cada polegada do quadrinho com a imundice da poluição das carvoarias, é capaz que o roteiro, bem caretinha, se revelasse enfadonho demais. Este álbum é uma prova da qualidade mista, indiscernível, dos quadrinhos enquanto mescla de arte, narrativa e palavra. Se Goela negra resultaria apenas em mais um filme mediano inspirado em Germinal, o mesmo não ocorre aqui (em quadrinhos) porque a arte de Lelis adiciona um componente que não é apenas a beleza visual: é drama, são sentimentos, são intenções verdadeiras, são nuances inalcançáveis pelo texto. É importante frisar sempre a qualidade narrativa da arte nos quadrinhos (e não apenas em sua parte sequencial), e Lelis inflama esta obra com (literalmente) um retrato poderoso de uma sociedade desigual, economicamente complexa, eticamente chegando ao seu limite e na fronteira de uma ruptura ideológica brutal que resultaria no colapso da Primeira Guerra Mundial. Se o texto realista de Ozanam parece fora de moda ou incapaz de dar conta das questões que invoca, temos a sorte de contar com Lelis para retificar estes problemas com uma arte em seu ápice. 

Mayo – Fábio Cobiaco (Mino, 2015, 88 p.): O veterano Fábio Cobiaco (pai do Pedro) resolveu transformar sua empreitada mais longa e ambiciosa em uma minuciosa examinação da era de ouro dos quadrinhos. A história de piratas Mayo, que se passa em Santa Catarina no início da colonização do Brasil, é toda contada em tiras de quatro ou cinco quadros (com eventuais surpresas), a narrativa é atomizada, os personagens se envelopam em arquétipos. O resultado é semelhante ao que o brasiliense Daniel Lopes alcançou com Marco, o macaco do espaço, mas muito mais autoral. Cobiaco cita explicitamente um estudo quase obsessivo da Caniff (Terry e os Piratas) e Pratt (Corto Maltese) para compor a trajetória de uma pirata amaldiçoada, irremediavelmente obstinada, que atravessa o Sul do Brasil em busca de um tesouro que não revela ser exatamente o que seus marinheiros pensam. 

Diferentemente da verborragia quase institucional de Caniff (ainda que fosse um mestre na sutileza da empaginação) ou do aspecto zen beatnick de Pratt, Cobiaco imprime muita virulência e força gráfica em sua narrativa. Seu estilo aqui, ainda que magistral na ilustração dos cenários fantásticos e da vegetação selvagem que os piratas atravessam, é rasgadamente abstrato e propositadamente confuso quando se trata de mostrar os personagens. Por que isso? A impressão que fica é a de que Cobiaco tem consciência sobre um aspecto psicológico de sua HQ, um aspecto denso como a vegetação que vira obstáculo para os seus personagens: a revoada de nanquim e o chapadíssimo preto-e-branco, que deixam cenário, homens e mulheres se confundirem, produz, na recepção estética do leitor, o desconforto que sentem aqueles piratas diante do caos de uma terra nova e primitiva. Aqui, o clássico (histórias de piratas!) adquire senso moderno (diria modernista) com uma profunda mistura da experiência visual da HQ (radicalmente desfigurada) com a experiência existencial dos personagens (literalmente desfigurados).

Vale lembrar a inteligência de Cobiaco no diálogo com o material clássico – não apenas Caniff e Pratt, mas também Charlier em Barba Ruiva, Bourgeon em Os Passageiros do Vento, Mozart Couto, Jayme Cortez, etc. –, que, francamente, pouco aparece nos novos autores de HQ brasileira, mais influenciados por outras mídias e por outras HQs contemporâneas. Mesmo com esse visu retro-modernista, Mayo é uma interessante história de aventura, exemplarmente bem pesquisada, com personagens carismáticos na medida certa, paradoxalmente modesta em sua proposta de fabulação. Alguns podem achar os desenhos irregulares ou abstratos demais; outros, a história um pouco juvenil e simplória. A mim agrada a mistura de Brasil com Conan; de Van Gogh com Alex Raymond.

ENTREVISTA

No perfil da editora no Facebook encontra-se a seguinte frase: “Indo onde nenhuma outra editora jamais esteve”. Apenas uma frase de impacto ou vocês realmente acreditam que a Mino tem um diferencial em relação às colegas de mercado editorial? E que diferencial seria esse?

Lauro: É claro que é um trocadilho meio esdrúxulo com o lance da vaca abduzida e uma piada infame com Star Trek, mas talvez tenha um pouco de verdade nisso. Pelo menos, na nossa intenção. É só olhar nosso catálogo. No primeiro ano, lançamos 11 títulos. 10 deles, 100% nacionais. E com um uma qualidade gráfica que raramente vemos, principalmente em autores nacionais: a maneira de trabalhar os títulos e, principalmente, os autores, a maneira de se posicionar, tentamos fazer diferente. Até na obsessão com o nosso catálogo. Se estamos conseguindo é outra história, mas existe uma intenção, sim, em ir além.

Sanchez

Pelos lançamentos da Mino até o momento é possível perceber uma certa ousadia editorial, já que nem todos os títulos da editora tem cara de best seller. Como vocês, internamente, encaram essas tomadas de decisão?

Janaína: Pra nós isso é muito tranquilo. O potencial de venda não é o primeiro motivo para lançarmos um título. Na verdade, nem o segundo. Não que vender não seja importante. Temos a preocupação de fazer vender os livros que lançamos, e não de lançar livros que vendam. Sem contar que às vezes somos surpreendidos. Livros que todo mundo acha que vai estourar de vender, às vezes não vão tão bem quanto se espera. E às vezes títulos que ninguém imagina, vende pra caramba. Quando eu falo que vendemos mais Diego Sanchez que Mike Deodato, as pessoas acham que estamos brincando. Mas é verdade.  Não que o Deo não venda. Ele vende bem. É que ninguém imagina que o Sanchez venda tanto. Mas na Mino ainda não tivemos nenhuma bola realmente fora. Todos os títulos foram no mínimo como esperávamos. As surpresas foram só boas, mas sabemos que vamos ter um fracasso retumbante a qualquer momento e estamos preparados. Faz parte. Por isso que lançamos coisas que realmente gostamos e trabalhamos para fazer os títulos serem um sucesso.

Harmatã, de Pedro Cobiaco

Lauro: Olha só, não sei se tem essa de não ter cara de best seller. O mercado editorial de quadrinhos no Brasil é tão, mas tão pequeno, que muita coisa não é nem ventilada. Tem um monte de certezas que ninguém sabe de onde as pessoas tiram. “Quadrinho nacional não pode ter um bom acabamento, tem que ser barato”, “tal autor não vende”. Porra, como é que sabe se determinado autor não vende se ninguém nunca o lançou de maneira decente? Quando resolvemos fazer relançamento de material independente, falaram que era furada. Surpresa: em um ano tivemos que reimprimir todos os relançamentos. O Harmatã, do Pedro Cobiaco, tá indo para a terceira reimpressão. Isso é demanda reprimida, isso é encontrar as brechas e trabalhar duro. Nego reclamava para cacete, “gibi nacional de ‘desconhecidos’ em capa dura”? BOA SORTE!” Estamos aí mostrando que muitas vezes no nosso mercado falta é um pouco de coragem.

Temos percebido que a autoindulgência e o corporativismo são características que estão se tornando frequentes entre muitos autores independentes (especialmente entre os novatos). Vocês concordam com essa percepção? 

Lauro: De fato é uma questão, mas não sei se existe uma resposta simples para essa autoindulgência, existe um grande número de fatores que acho acabaram desaguando nisso. Um seria uma sensível falta de uma crítica especializada, gente que se debruce sobre esses trabalhos e sirva como baliza para uma garotada. No vácuo da falta de uma crítica mais seria e responsável, proliferam blogs e afins bastante corporativistas que acabam criando grandes bolhas de nada. Acaba que um leitor curioso que queira começar a ler quadrinhos pode ficar perdido porque, segundo a crítica especializada, na sua grande maioria, todo quadrinho é bom. Aí fica difícil! Pode afastar um monte de gente que, estando sem norte, acabe comprando um monte de coisas bem duvidosas.

Janaina: Mas vamos parar pra pensar: não existe crítica no Brasil, né? Tirando uma coisinha ou outra, simplesmente não existe. Começa pelo fato de que a grande maioria das pessoas que fazem “crítica” de quadrinhos trabalham de alguma forma para a “indústria de quadrinhos”. Aí não dá. Que isenção uma pessoa que trabalhe na Panini, tem pra falar da Panini? E não só isenção, como ele vai meter o cacete? Não dá. Com quadrinho nacional, pior ainda. Sem contar que tem um povo que tem uma ideia maluca de que apontar problemas em determinado título é jogar contra quadrinho nacional. Isso é loucura. Existe textos que são maldosos e desnecessários, eu entendo que não valha a pena ficar apontando o quão ruim é um quadrinho de determinado moleque iniciante. Porém, não se pode falar nem de caras consagrados e coleções de sucesso com grandes editoras por trás. Acho ridículo.

Todo editor começou como leitor. Qual a formação de vocês enquanto leitores de quadrinhos?

 O que gostavam de ler na infância e adolescência? Quem eram seus autores e títulos favoritos? Esses gostos permanecem hoje em dia? O que têm lido e gostado ultimamente?

Lauro: Na verdade, fui alfabetizado pelo meu avô com quadrinhos do Fantasma e do Tarzan. Desde então, li basicamente tudo que eu conseguia pôr a mão. Na infância, o que virava a minha cabeça era Conan. Cara, eu amava o Conan do Gil Kane, Fantasma do Team Fantomen (que eram os responsáveis pelas criações de histórias para os títulos escandinavos do Fantasma), principalmente da dupla Norman Worker e César Spadari. E, talvez, a minha grande paixão dessa fase, os títulos de terror da D-Arte: Shimamoto e Colin até hoje estão entre meus quadrinistas prediletos de todos os tempos. Depois disso acho que tenho que citar a Animal. Nem tenho como calcular o impacto da revista na minha formação. Em uma época sem internet, aquilo tudo era simplesmente GIGANTESCO! Poder encontrar todos aqueles trabalhos em uma banca sebosa no ABC paulista... Continuo lendo tudo que eu consigo colocar a mão. O que tenho curtido muito atualmente: coisas do Box Brown, acho que ele caminha rapidamente para virar um gigante. Os dois últimos gibis lidos foram o Sacred heart, da Liz Suburbia, uma história bem honesta sobre toda a estranheza adolescente e esse pequeno holocausto que todo mundo passa. Li a edição impressa da Fantagraphics, mas dá para ler integral no site dela. O outro foi o Black is the color, da Julia Gfrörer, esse li online mesmo, uma sufocante história de marinheiro. Tô de cara com ela, louco para ler outros quadrinhos dela!

Janaína: Eu fui uma leitora voraz desde a infância. Mas como eu tinha uma biblioteca enorme na minha casa, acabava lendo o que tinha lá. E eu lia de tudo, quadrinhos ou literatura. Na infância, lia muita Luluzinha, Recruta Zero e sou completamente apaixonada por Carl Barks até hoje. Lia um monte de coisas diferentes, tinha muita coisa de contracultura, coisas clássicas. Tinha uns quadrinhos alternativos mexicanos, de Corto Maltese a Little Nemo. Passando por terror brasileiro, como Cripta e umas revistinhas de sacanagem. Isso antes dos meus 11, 12 anos. Fui crescendo e lendo Animal, Laerte, Glauco, Angeli. Os primeiros quadrinhos de super-herói que li foram aqueles clássicos que a Globo lançou uma época. O primeiro arco do Sandman, Elektra, Cavaleiro das Trevas, Piada mortal. Fui meio diferente, só conheci esses quadrinhos depois de velha. Deve ser por isso que minha relação com quadrinho de herói seja diferente. O que eu lia na infância era Crumb.

Quais editoras, brasileiras e estrangeiras, vocês admiram e por que?

Lauro: Brasileira tem a Veneta que é de primeira. Rogério é foda. Ele é o cara que queremos alcançar. A cenoura na frente do cavalo. Ainda bem que ele é velho e deve morrer logo (hehe).

Goela Negra

Janaína: A Bolha tem um cuidado tão grande e uns títulos fantásticos. Traduções incríveis e um acabamento gráfico que dá vontade de comer os livros. A Balão faz um trabalho muito bom também. Nem falo do acabamento, são livros mais simples. Porém o Kroll é extremamente competente e as edições saem redondas. Pena que esse ano eles quase não estão lançando nada. Lá fora, Coconino, Retrofit, Fantagraphics, são tantas...

Qual o caminho para se tornar editor de quadrinho no Brasil? Mais do que gostar de quadrinhos, é necessário saber gerenciar um negócio – qual foi a escola de vocês nesse sentido? E o que vocês diriam para quem quer se tornar editora de quadrinhos no Brasil, que dicas dariam?

Janaína: Acho que isso faz uma puta diferença. Eu já tive duas empresas antes, uma por bastante tempo e outra que eu vendi há pouquíssimo tempo. Então essa parte do planejamento, a parte do negócio mesmo, pra gente é bem mais fácil. Acho que esse é um dos problemas que muita editora de quadrinhos enfrenta. As pessoas são apaixonadas por quadrinhos, mas não entendem nada de negócios. Tem que ter planejamento, controle contábil e todo feijão com arroz que todas as outras empresas têm que ter se quiserem ser saudáveis. Não tínhamos experiência direta como editora, porém, eu sou roteirista de formação e Lauro é designer. Então sabemos o que estamos fazendo. O beabá mais braçal do dia a dia de uma editora aprendemos rápido. Nos preparamos para isso e temos amigos que são incríveis.

Quiral

A Mino paga as contas de vocês? Ou é necessário manter uma outra profissão para se sustentar?

Janaína: A Mino já é lucrativa, sim. Acabamos revestindo grande parte desse dinheiro na própria Mino. Acho que dá pra viver de quadrinho, sim. Temos, pessoalmente, uma estrutura bem pesada. Dois filhos em colégios, casa, carros. Não é fácil, mas dá. Como Lauro tem um ótimo emprego, ele se divide entre os dois lugares. Eu até o meio do ano passado tinha outra empresa, mas vendi e agora dedico todo meu tempo à Mino. Pra gente, por enquanto, está sendo uma boa equação.

Qual o palpite de vocês sobre o futuro da produção de quadrinhos no Brasil? (* a pergunta permite devaneios, fiquem à vontade)

Janaína: Às vezes, fico super empolgada. Acho que tudo vai dar certo. Que os quadrinhos estão bombando. Às vezes, fico meio desanimada. Acho que ficou muito mais fácil fazer quadrinhos e tem muita gente boa fazendo. Tem uma galera nova que tá surgindo que dá orgulho de ver. Porém, temos um longo chão pela frente. Só que mais quadrinhos não significa necessariamente quadrinhos melhores. Acho que a saída é o profissionalismo. É ficarmos cada vez mais sérios. Fazer melhor, estudar mais, nos aprofundarmos mais. O mercado precisa ficar mais profissional em todos os sentidos. Vivemos outro momento. O modelo que tínhamos, e que deu super certo no passado com os quadrinhos de larga escala, com poucas exceções, não é mais viável. Temos que criar um novo modelo. E acho que tá indo. Aos trancos e barrancos, mas tá. Quadrinho alternativo tá meio na moda. Só desanima um pouco às vezes a frivolidade e pouca seriedade que muitos autores dão para suas obras. É quase só hype. Só que aí vemos um Felipe Nunes, um Cobiaquinho, uma Bianca, Mazô, Portugal, a Julia, que é incrível, tantos outros que mal saíram das fraldas e estão tão a fim de mergulhar de cabeça e pensar essa parada seriamente que aí meu coração se enche de esperança.  Acho que o futuro vai ser massa!

Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior ou Frank Miller transformado em commodity - 1º ensaio

Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior ou Frank Miller transformado em commodity - 1º ensaio

Muito já foi dito sobre Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior, nova investida de Frank Miller ao universo que o consagrou por definitivo em 1986, quando do lançamento da antológica minissérie original. Considerando-se que a HQ permanece incompleta, isso só reforça um fato: Miller segue como o maior e mais influente quadrinista da indústria norte-americana desde Jack Kirby. E isso não é Ki-Suco de groselha. Com a chegada da primeira edição às bancas brasileiras, via Panini, passa a existir a possibilidade concreta de um encontro efetivo com essa nova obra – a menos para aqueles com R$ 9,90 no bolso. Assim, o que proponho aqui é uma série de ensaios, um a cada edição, sempre escritos no calor da batalha. Apesar da perda do status de unanimidade, o volume de polêmicas e discussões geradas por cada movimento de Miller mostra que o velhote (que cronologicamente nem é tão velhote assim, batendo na casa dos 59 anos) ainda tem tinta pra queimar.

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