Essencialmente brasileiros
/por Pedro Brandt
No ano em que Zé Carioca, o mais verde e amarelo  dos personagens de histórias em quadrinhos, completou 70 anos (ou  seriam 69? Há divergências), cabe uma pergunta: a cultura, as temáticas,  as histórias, enfim, o Brasil pode servir como inspiração para HQs?  Muitos responderiam que sim. No entanto, não é preciso ir muito longe para  perceber que a maioria dos quadrinhos brasileiros têm, no fundo,  histórias de teor universal nas quais a brasilidade aparece de maneira  mais implícita. Essa constatação de forma alguma tira os méritos desses  quadrinhos. Mas é interessante notar que alguns autores têm conseguido  imprimir em suas obras uma inegável cara brasileira — sem apelar para  ufanismo. Marcello Quintanilha e André Toral são dois deles.
Coincidentemente, Quintanilha e Toral estão com novos trabalhos na praça, Almas públicas, do primeiro, e Curtas e escabrosas,  do segundo. Mais coincidências: ambos têm 72 páginas e um preço muito  parecido. Além disso, os dois álbuns apresentam tanto histórias recentes  quanto trabalhos antigos dos desenhistas/ roteiristas. Outra semelhança  entre eles são os desenhos com personalidade, imediatamente  reconhecíveis. Mas enquanto André Toral é mais direto e simples,  Marcello Quintanilha é rebuscadíssimo, próximo da fotografia.
Mas o universo de índios, escravos e Brasil antigo inspirou apenas  algumas das histórias de Curtas e escabrosas. Outras tantas vêm de  observações do cotidiano urbano, de personagens como garotas de  programa, leões de chácara, motoboys e funcionários do baixo escalão do  tráfico de drogas. Nem todas as HQs são escabrosas (tem muito humor  nelas), mas todas são curtas. “Duas páginas é o mínimo, pelo menos pra  mim, para se poder contar um história. Como quadrinhos no Brasil pagam  mal, era a forma mais barata de contar uma história decentemente e, ao  mesmo tempo, não gastar muito tempo, nem do autor e nem do leitor.  Terminei me acostumando a essas limitações e o que era uma contingência  virou opção”, explica Toral no posfácio da edição. Acaba que suas HQs  ganham cara de crônicas ligeiras, que falam o que precisam falar em  pouco espaço/tempo.
O que se sobressai na produção desses dois autores é a capacidade de, em  poucas ou muitas páginas, apresentar personagens incrivelmente humanos —  e essencialmente brasileiros. A coloquialidade dos diálogos e a  simplicidade das situações aproximam o leitor e o levam para ser  testemunha dos pequenos dramas narrados. Prova não só de suas  capacidades como contadores de história, mas de como a inspiração para  uma boa HQ pode estar em qualquer coisa, em qualquer lugar.
Almas públicas
De Marcello Quintanilha. 72 páginas. Conrad Editora. R$ 39,90.
Curtas e escabrosas
De André Toral. 72 páginas. Devir Livraria. R$ 39,50.
Publicado originalmente no Correio Braziliense
 
             
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
    