De pai pra filho: dia dos pais na Raio Laser!

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Convidamos alguns integrantes da equipe da Raio Laser para indicar leituras de quadrinhos para os filhos, no contexto da comemoração do Dia dos Pais. O que temos a seguir são relatos de caráter fortemente pessoal, que remetem à relação dos articulistas com os próprios pais e com seus filhos. Fica patente uma espécie de luta – inconsciente – para não deixar o fogo do amor pelas HQs se apagar. Não estranhe se um cisco cair no seu olho durante a leitura. Acontece nas melhores famílias. (MMA)

por Marcos Maciel de Almeida, Bruno Porto e Márcio Jr.

CONTO DE FADAS PARA PEQUENOS E MARMANJOS

Indicar apenas um gibi para meu filho Pedro, de 6 anos? Caramba, que tarefa difícil, afinal são tantas opções de títulos e gêneros que é complicado optar por um só. Por isso, vou ter de recorrer ao quesito memória afetiva. E, apesar desse gibi não ter sido o primeiro que li para ele, foi o que gerou o momento mais marcante.

A HQ escolhida foi Complete Bone (Cartoon Books, 2004), de Jeff Smith. Admito que comecei sem expectativas, porque Pedro costumava dizer – para minha alegria ou tristeza, ainda não decidi – que não curte gibis, somente livros. Bem, mil e trezentas páginas depois – espalhadas nuns bons dois meses – posso dizer que o tiro foi certeiro e o impacto, fulminante. Bone pegou pai e filho pelo pescoço e não largou mais.

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Confesso que já tinha lido o calhamaço antes, mas que não havia apreciado tanto. Fiquei tão decepcionado que, ao encontrar Jeff Smith no Festival Internacional de Quadrinhos - FIQ de 2015, nem fiz questão de tirar foto com ele. Apenas garanti meu autógrafo, fazendo cara de poucos amigos, e vazei. Foi minha forma de me “vingar” do autor norte-americano. Só hoje percebo meu engano. Smith mostrou ser, naquela ocasião, um sujeito mega boa–praça, que merecia ter recebido mais simpatia da minha parte. Além disso, hoje admito que Bone é uma obra incrível, digna dos inúmeros prêmios que recebeu.

Bone é um conto de fadas magistral, minuciosamente planejado. Os personagens principais são adoráveis, bem bolados e/ou fofinhos. Suas personalidades oscilam bastante, passando por aqueles do tipo certinho (Fone Bone), bonachão (Smiley Bone) e espertinho (Phoney Bone). Já os vilões – igualmente interessantes – podem ser assustadores (Hooded One, Kingdok) ou atrapalhados (Estúpidas Criaturas Rato). Mas não pense que a história se resuma a maniqueísmos simplistas. Há espaço para diversos tipos de seres, que realizam uma espécie de jogo duplo, como um gato gigante da montanha e os - ora simpáticos, ora terríveis – dragões.

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Bone também é uma aventura com “A” maiúsculo, que percorre diversos tipos de paisagens e ambientações, passando por florestas, montanhas, descampados e até por outras realidades que passeiam entre a vida e a morte. Na história há espaço para romance, drama e principalmente humor, em gags hilárias. Tudo isso desenhado com leveza e habilidade únicas. A arte de Smith transpira amor e carinho por todos seus personagens.

E foram esses mesmos sentimentos que brotaram em mim ao ler o gibi com Pedrinho (ou Perê, como sua irmã, a pequena Mariana, carinhosamente o chama), que está começando a se familiarizar com as palavras. Era muito bacana quando ele pedia para que eu relesse determinado quadrinho para que pudesse identificar determinada sílaba ou onomatopeia. Resumindo: foi uma experiência de alfabetização lúdica e prazerosa feita de forma absolutamente espontânea. Difícil pensar em algo mais gratificante como pai e leitor.

Agora tenho de arranjar outros gibis para manter Pedro interessado na nona arte. Preciso vencer essa corrida contra os livros... hehehe. Tô brincando. (Marcos Maciel de Almeida)

QUADRINHOS DOS 7 AOS 77

Meu pai era adolescente quando descobriu Tintim nos anos 1950 - um amigo trouxera vários álbuns em francês quando voltou de férias na Suíça - e logicamente esse foi a HQ que ele me apresentou que passei adiante para o Artur, hoje com dez anos, assim que ele começou a ler (e o avô reforça a dose a cada aniversário). No entanto, os álbuns de quadrinhos que meu pai me apresentou que mais me impressionaram quando eu tinha mais ou menos a idade do meu filho foram os da coleção Um Homem, Uma Aventura, publicada pela EBAL em 1978. Com desenhos de Sergio Toppi, Giancarlo Alessandrini, Dino Battaglia, Gino D'Antonio, entre outros, eram HQs mais elaboradas e sombrias que Tintim, Asterix e os gibis da EBAL e Abril que eu devorava. Volta e meia retribuo essa formação de qualidade, presenteando-o com coisas como Sharaz-de, do mesmo Toppi, publicada pela Figura, e Laertevisão, da Conrad.

Como estamos morando na Europa, temos levado Artur com certa frequência a festivais, feiras e exposições de quadrinhos, principalmente na vizinha Bélgica, então ele toma contato com muitas coisas. Também aproveitei viagens que fizemos à Espanha, Alemanha, França e Inglaterra para apresentá-lo especificamente a álbuns das aventuras de Asterix por estes lugares, mas nem sempre suscita curiosidade. E embora o Artur - que tem este nome por causa do Soberano de Atlântida (a mãe vetou Clark, Bruce, Anakin e afins) - não curta muito Super-Herói, estou com duas Graphic Novels for Young Readers da DC alinhadas para ele: Dear Justice League (que acabou de sair no Brasil como Querida Liga da Justiça), de Michael Northrop e Gustavo Duarte, e Superman Smashes The Klan, de Gene  Luen Yang e Gurihiru. O formato menor - próximo do antigo “formatinho” - é mais amigável, a arte menos realista que a habitualmente vista no gênero, e as tramas suscitam reflexões próximas à realidade de um pré-adolescente.

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No entanto, como sempre teve acesso às “estantes do papai”, acabei apresentando-o indiretamente a muita coisa que eu li. Curiosamente há dois livros que ele pega por si só, repetidas vezes, e lê e relê sentado no sofá (às vezes me obrigando a resgatá-los da mesa de centro da sala, junto aos seus Dog Man): Peanuts: The Art of Charles M. Schulz (Pantheon Books, 2001) e o catálogo da exposição Quadrinhos (Museu da Imagem e do Som, 2018). (Bruno Porto)

DE PAI PARA FILHO

Meados dos anos 1970. Não jantávamos em casa. Todo final de tarde íamos, eu e meus pais, a um boteco da vizinhança. Enquanto tomavam sua cerveja, eu entornava um ou dois guaranás. Caçulinhas. A refeição era um tira-gosto. Dos bons, como de praxe na culinária goiana.

No caminho de volta, invariavelmente passávamos pela banca de revistas em frente ao hospital. E ali, também invariavelmente, eu escolhia o gibi do dia. Detalhe: eu ainda não havia sido alfabetizado. Traduzindo: aprendi a ler imagens antes de ser capaz de decifrar palavras.

Pura sorte. Meus pais não eram intelectuais, acadêmicos ou artistas. Sequer tinham ensino superior. Mas havia neles uma clareza rara na época: a de que os quadrinhos me levariam ao universo da leitura. Não poderiam estar mais certos. A (preconceituosa) crença de então apontava o contrário: gibis eram um caminho para a estupidez e, quem sabe, a delinquência. Já leu A Guerra dos Gibis?

O tempo mostrou que meus pais eram genuína e naturalmente liberais. Ainda hoje não consigo medir minha gratidão diante de sua sábia generosidade – que seguiu vida afora.

Nunca vi meu pai lendo um livro. Seu negócio eram jornais e revistas. Amigo dos jornaleiros, fazia questão de comprar diariamente o jornal na banca, ao invés de optar pela comodidade e economia de uma assinatura. O hábito de chegar em casa com um gibi nas mãos para mim, foi uma constante. Isso quando eu não o acompanhava nos passeios pelo Centro e terminava escolhendo minha própria leitura. Tipo uma edição de Killing, desaconselhável para menores de 18 anos.

Me lembro em particular da alegria vinda com um Homem-Aranha da RGE – alegria que durou até eu perceber que a aventura continuava no número seguinte. A última recordação que tenho do meu pai me trazendo quadrinhos foi já nos tempos de faculdade. Voltando de uma mesa de bar no final de semana, apareceu com três livrinhos importados dos Peanuts, de Charles Schulz. Estavam baleados – os livros e ele. Perguntei como havia conseguido aquilo. “Um cara chegou com isso e achei que você fosse gostar.” Acertou em cheio. Guardo ainda hoje. Com muito carinho.

Meu pai faleceu há uma década. Segue vivo na minha memória. E no desafio de eu fazer com que meus próprios filhos sejam apaixonados pela leitura, tal e qual ele fez comigo. Não é fácil. De um lado, existe a desleal competição dos artefatos tecnológicos em rede. Do outro, minha neurótica postura em relação à conservação e manuseio dos gibis que acumulei ao longo da vida – um fardo a ser tratado com milhares de horas (e Reais) em terapia. Mas não estou tão mal assim.

Nicolas, prestes a completar 19 anos, é um leitor consciencioso. Gosta também de quadrinhos, mas só dos “diferentões”. Tem especial apreço por livros da editora A Bolha. Se eu fosse recomendar uma HQ em particular, seria A Terra dos Filhos (Veneta, 2018), do italiano Gipi. Não consigo imaginar nada mais tocante no que diz respeito à complexidade envolvida no amor entre pai e filhos. Obra-prima.

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Bárbara, 10 anos, já tem alguns quadrinhos de cabeceira. Todos compatíveis com sua idade. Aguardo o momento apropriado para ela ler Persépolis (Quadrinhos na Cia, 2007), de Marjane Satrapi – que apresentei também a uma sobrinha, Marcela, pela qual nutro um amor verdadeiramente paternal. Falta pouco.

Dia dos Pais, sei qual presente irei ganhar: quadrinhos. Para mim, não há nada melhor. Gostaria muito que meus filhos, no futuro, compartilhassem meu amor pelas HQs. Mas não a minha obsessão. Mais que leitores de gibis, desejo que sejam leitores. Curiosos, apaixonados, maduros e críticos. E que não percam seu precioso tempo com tolices como... super-heróis. (Márcio Jr.)

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