A balada de Astrid e Stu


por Pedro Brandt

Stuart Sutcliffe foi um beatle por pouco tempo. Ele trocou a música por suas verdadeiras paixões: as artes plásticas e a namorada, Astrid Kirchherr, fotógrafa alemã que virou amiga dos rapazes de Liverpool antes da fama, durante a temporada do grupo em Hamburgo — onde eles aprimoram seu poder de fogo em cima do palco tocando em inferninhos na zona boêmia da cidade. É neste período que se passa a história em quadrinhos Baby’s in black — O quinto beatle.

Como o título sugere — e como o subtítulo A história de Astrid Kirchherr e Stuart Sutcliffe confirma —, a HQ escrita e ilustrada pelo alemão Arne Bellstorf tem os Beatles como coadjuvantes do curto, mas intenso, relacionamento do baixista com a fotógrafa. Stu, como era conhecido, tocou baixo nos Beatles entre 1960 e 1961. Especular como teria sido a história da banda caso ele tivesse permanecido nela é um exercício que não vai muito longe. Sutcliffe morreu de aneurisma cerebral, aos 21 anos, em 10 de abril de 1962.


O romance do casal foi bastante linear, sem conflitos, ainda que com um final trágico. Nesse sentido, Bellstorf pouco acrescenta para fazer a histórias dos protagonistas mais interessantes, se atendo aos relatos biográficos. Astrid foi apresentada aos Beatles pelo amigo (na época, namorado) Klaus Voormann, jovem que, assim como ela, era estudante de artes plásticas. Klaus conheceu a banda no Kaiserkeller, bar escuro, esfumaçado e cheio de gente onde o então quinteto varava a madrugada (à base de entusiasmo e anfetaminas) tocando clássicos do rock’n’roll americano. Em 1960, o grupo era formado por John Lennon, Paul McCartney e George Harrison nas guitarras e vozes, Pete Best na bateria (em breve, ele seria substituído por Ringo Starr) e Stu Sutcliffe no baixo e, eventualmente, ao microfone (para cantar a balada Love me tender). A banda se diferenciava das demais que faziam o mesmo circuito pelo carisma e energia.

Mangá e nouvelle vague

No palco, Stu se destacava entre os beatles com um charme à James Dean, meio tímido, meio indiferente (por vezes, tocando de costas para o público). Astrid se apaixonou por ele na primeira visita ao Kaiserkeller. Ela falava pouco inglês e Stu pouco alemão, mas o idioma não foi barreira para a união do casal. Em pouco tempo, o baixista estava morando no porão da casa da mãe da moça, onde montou um ateliê e voltou a se dedicar à pintura.

Em algumas passagens, Astrid e seus amigos estudantes de arte comentam o quanto gostam da literatura e do cinema francês. Arne Bellstorf transporta essa predileção estética para a condução da história. Os tempos mortos da narrativa, o preto e branco das imagens e as cenas deixadas em aberto para o leitor preencher evocam a nouvelle vague.
 
A isso, o autor adiciona desenhos com algo de mangá, o quadrinho japonês, especialmente na maneira de desenhar os rostos dos personagens — deixando todos “fofinhos”. Bellstorf narra o romance de forma intimista — os primeiros encontros, as trocas de olhares, os passeios pelo bosque e as conversas debaixo do cobertor são apresentadas com delicadeza.

Ao contrário das gravações feitas pelos Beatles acompanhando o cantor Tony Sheridan no período vivido em Hamburgo, que geralmente interessam apenas aos fãs mais dedicados do quarteto, não é preciso conhecer uma músicas da banda para curtir Baby’s in black.

Baby’s in black — O quinto beatle
De Arne Bellstorf. 214 páginas. 8inverso Graphics. R$ 51.