LASERCAST #16 - Memento mori: a morte nos quadrinhos

LASERCAST #16 - Memento mori: a morte nos quadrinhos

No primeiro programa de 2021, a equipe Raio, munida de poetas e filósofos, se reúne para debater o tema da morte em suas várias manifestações nos quadrinhos: a morte personificada, personagens que estão mortos, a tragédia social da morte, a morte dos super-heróis, etc. São discutidos quadrinhos de Jim Starlin, Neil Gaiman, Mauricio de Sousa, André Franquin, Mateus Gandara, Will Eisner, Brian Bolland, Frank Miller, Peter Milligan, Mike Allred, André Diniz, Antonio Eder, Danilo Beyruth, entre outros. Dentre escritores e pensadores citados, temos Hélinand de Froidmont, Philip Roth, Michel Voyelle, Vilém Flusser, Manuel Bandeira, Jean Baudrillard e Michel de Montaigne.

Participam do debate: Bruno Porto, Ciro Inácio Marcondes, Márcio Jr., Marcos Maciel de Almeida e Lima Neto.

Edição: Eder Freire.

Disponível em: SPOTIFY, APPLE PODCASTS, GOOGLE PODCASTS, CASTBOX, ANCHOR, BREAKER, RADIOPUBLIC, POCKET CASTS, OVERCAST, DEEZER

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HQ em um quadro: as maravilhas tecnológicas do mundo de Storm, por Don Lawrence e Saul Dunn

Storm, Carrots e Kiley fogem de Ghast dirigindo um vagão elétrico (Don Lawrence, Saul Dunn, 1978): Storm é uma HQ de ficção-científica estilo space opera hoje bastante esquecida no Brasil, mas que havia sido publicada pela Abril naquele fértil período do final dos anos 80 e começo dos 90, quando saíram tantas coisas interessantes por aqui. Hoje não é tão difícil encontrar essas edições nos sebos, e foi por aí que me aventurei, comprando a número 1 e buscando nesta HQ algo além de aventuras mirabolantes e chamuscadas por aura tão pulp, algo além de histórias de sabor fantástico, mas datadas e carregadas de pouca credibilidade (especialmente para fãs de hard sci-fi). Esta história, que conta o início das aventuras - da série "deep world", já que há uma outra série de Storm, em universos paralelos, que continua sendo publicada até hoje - foi publicada ainda em 1978 e conta, com especial destaque, com a arte de Don Lawrence, criador do personagem, de realismo hiper-detalhista, cores intoxicantes e texturas tridimensionais. Sendo Storm um astronauta do Séc. 21 que acaba viajando no tempo e parando em uma Terra pós-apocalíptica sucumbida a um mundo barbárico, os cenários de Lawrence são ricos em representar cidades antigas, indumentárias chinesas ou mongóis, além de rostos tesos, difíceis, com largo espectro de expressões, geralmente colocando-os em close-up, para ressaltar a vivacidade de seus personagens, que parecem saltar (e realmente eles estão o tempo todo pulando de um lado para o outro) para fora das páginas. E sendo Storm uma HQ britânica, não é difícil rastrear a influência de Lawrence em nomes como Bolland ou Gibbons, ou até mesmo em americanos como Alex Ross. Ao mesmo tempo, é visível em Lawrence a presença de artistas como Hal Foster, Alex Raymond ou Burne Hogarth. Apesar de ser composto por histórias aventurescas de fácil leitura, com pouco rigor de verossimilhaça (ainda na tradição Flash Gordon/Buck Rogers, ou seja, na mistura de fantasia, ficção científica e um tipo de ficção exploratória, típica do início do Séc. 20), Storm, a partir do visual exuberante, guarda algumas surpresas. Na medida em que acompanhamos a trajetória do personagem pela nova Terra barbárica na qual ele acabara de aportar, vamos também descobrindo, junto com ele, uma sociedade secreta, que foge do tirânico Ghast, e que ainda mantém segredos tecnológicos. Descobrimos que, no passado, os oceanos da Terra foram represados por um gigantesco muro (!!!), separando duas ordens sociais, e que uma delas domina a energia elétrica e opera uma tecnologia que se mistura a espécie de magia, dotando a aventura de um charme especial, space fantasy. Além das referências à história da própria humanidade (a muralha da China), Storm traz, na forma destas tecnologias, curiosas miscigenações culturais. Uma espécie de espelho-comunicador, por exemplo, se parece com um calendário maia, rodeado por signos do zodíaco. Uma geringonça que serve para abrir a porta de um elevador se parece com um fliperama, e por aí vamos nos imiscuindo a um mundo de rico detalhismo e criatividade visual, ao mesmo tempo elaborando exotismo primitivista e retrofuturismo. No quadro acima temos o melhor exemplo desta miscelânia de história, tecnologia e sci-fi pulp. Storm, o gigante Kiley e a ruiva Carrots (as belas mulheres de Lawrence nos remetem imediatamente a Conan), fugindo do perverso Ghast, entram numa rede de túneis subterrâneos que contêm trilhos para a passagem de uma fantástica invenção: um pequeno trem, que mais se parece um vagão de parque de diversões, elétrico! A invenção, que seria capaz de solucionar problemas de trânsito em vários países, funciona que é uma beleza, e tudo fica ainda mais charmoso quando vemos que é a ruiva quem pilota o dispositivo. Todo este incrementado visual e criativo layout de máquinas nos lembra um pouco alguns universos steam-punk. Porém, no caso aqui, um punk com eletricidade primitiva, de intensa imaginação sobre a tecnologia. A alegria de sociedades primitivas, porém, dura pouco, e nosso fantástico vagão sofre um choque brutal nas páginas seguintes ao ser confrontado com... morcegos-aranha! A anatomia do mundo animal nesta HQ, porém, é assunto para outro texto. (CIM)