LASERCAST #64 - QUADRINISTAS ALÉM #3: DANIEL CLOWES

Neste Lasercast de número 64, os raiucas Ciro Marcondes, Pedro Brandt e Marcão Maciel têm como convidado o quadrinista Pedro D’Apremont para mais uma edição de Quadrinistas Além. O quadrinista deste episódio é um dos nomes mais conhecidos a saírem dos indie comics, e hoje é um dos artistas e roteiristas mais respeitados dentro e fora do meio dos quadrinhos: Daniel Clowes! A conversa vai abordar títulos escolhidos com carinho pelos participantes e uma análise caprichada do seu último título Monica, publicado por aqui pela Editora Nemo.

Participam do debate: Ciro Inácio Marcondes, Pedro Brandt, Marcão Maciel e o convidado especial Pedro D´Apremont

Edição: Eder Freire.

Disponível em: SPOTIFY, APPLE PODCASTS, GOOGLE PODCASTS, CASTBOX, ANCHOR, BREAKER, RADIOPUBLIC, POCKET CASTS, OVERCAST, DEEZER

Abaixo, algumas imagens e links mencionados no episódio:

Trailer de Ghost World

Resumo em português do zine Modern Cartoonist:

Quadrinista Moderno* 

A situação atual:

  1. A cena de quadrinhos alternativa funciona porque existe fora da estrutura do Estado e corporações, longe da censura e independentemente de movimentos culturais. Problema: num mundo com tantas e únicas vozes, como o jovem artista conseguirá afirmar a própria voz? [A pergunta não é respondida].

  2. Há grandes chances de que o primeiro contato do público em geral seja com quadrinhos chatos, impessoais ou insípidos, como aqueles publicados na New Yorker, o que faz com que as pessoas não queiram repetir a experiência com gibis. [O próprio Clowes publicaria na revista anos depois].

Por que quadrinhos?

  1. Para os entendidos, quadrinhos possuem uma energia intrínseca, que independe de seu conteúdo, uma espécie de carga elétrica que é difícil de definir. Esta estética latente, que pode ser definida como “valor-fetiche” do quadrinho, se manifesta de duas maneiras: no autor, este ser obcecado por cada parte constituinte do quadrinho e em sua busca – que jamais será concretizada – pela criação do objeto perfeito; e também no leitor ( também conhecido como colecionador) que não estará satisfeito até que a criação do autor esteja segura em suas mãos. 

  2. Isto nos leva a uma das razões pelas quais os quadrinhos são uma forma de arte tão inebriante para o autor: são o terreno ideal para o artista que deseja exercer controle absoluto sobre os frutos de sua imaginação.

  3. Quando alcançam seu potencial – especialmente quando feitos por autor que é simultaneamente escritor e desenhista –  os quadrinhos permitem que o autor transmita imagens nítidas de sua imaginação para outra pessoa, que poderá reagir de forma passiva ou da maneira que melhor lhe aprouver, sem a interferência de um editor ou de um grupo de executivos que tentará moldar a obra para que ela seja melhor abraçada pelo maior número possível de pessoas.

  4. O valor dos quadrinhos como “objeto fetiche” é intensificado pela associação dos quadrinhos com a infância, já que as pessoas em seus anos de formação tiveram “experiências artísticas” com quadrinhos/animação ou livros de ilustração. Isto permite que os quadrinistas tenham a sua disposição uma ótima ferramenta para conectar o leitor com sentimentos e sensações já familiares, engendrados por experiências artísticas ocorridas em épocas de tenra idade. 

  5. Quadrinhos como podem ser considerados uma mídia marcada por certa aura de veracidade, oriunda do fato de serem considerados financeiramente e culturalmente insignificantes, em outras palavras, objetos “fora do radar”. Isso poderia beneficiar os quadrinistas. [Muito embora não tenha sido dito como].

Para o jovem quadrinista:

  1. O quadrinista é um faz-tudo (escreve, desenha, cuida da tipografia, capas e etc) que precisa de um bom tempo para aprender a dominar estas atividades. Para Clowes, este profissional só se torna publicável quando atinge os 40/50 anos. São poucos, portanto, os autores capazes de manter seu entusiasmo nesse percurso, sem recorrer a fórmulas fáceis e atalhos.

  2. Para se poupar de uma vida de frustração, o jovem quadrinista deve ter clara em sua mente a razão pela qual escolheu esta profissão. Não é espaço para escritores de literatura e pintores que queiram se aproveitar da menor competitividade de suas áreas de interesse principal. Mesmo o quadrinista “comprometido com o negócio” tem de questionar a maneira como produz e não ter medo de se reinventar, partindo do zero.

  3. Dicas diversas para jovens quadrinistas: estudar frames de filmes e similares para descobrir os charmes e encantos da imagem parada em relação à imagem em movimento; pensar no quadro (página e estória também) como um mecanismo vivo criado pela justaposição de quadros em sequência; não ter medo de usar os recursos “bregas” dos quadrinhos, como balões, onomatopéias e etc, que são considerados decadentes justamente por serem mal empregados.

  4. Dica final: o quadrinho é o produto perfeito para ser consumido. Fácil de carregar, flexível, barato o bastante para ser considerado descartável [pelo menos era em 1997], durável, colorido e fundamentalmente simples. Pensar no quadrinho em termos do pacote completo e na coesão estrutural de cada componente (numeração de páginas, índice e etc).

O futuro e além

  1. A leitura tradicional de um quadrinho - que inclui a textura e o silêncio das páginas - está ameaçada pelo advento da tecnologia, que torna este hábito suscetível a falhas mecânicas e barulhinhos irritantes. 

  2. Futuro dos quadrinhos tradicionais semelhante a um mercadinho familiar ao lado de um supermercado gigante. Você não sabe se apoia ou se dá um tiro de misericórdia.

  3. O avanço da tecnologia e sua promessa de maior interação e participação do leitor na narrativa é uma boa ideia? Cada leitor seria um colaborador digno? Ou será que o processo como um todo seria diluído? Nós, como leitores, queremos isso?

  4. Clowes vê futuro para os quadrinhos - em sua forma tradicional - como objeto fora das garras de uma vindoura decadência cultural, talvez até mesmo como objeto de grande apelo para o público que não gosta de ler, mas que se sente atraído por desenhos com texto. Sempre haverá, pelo menos, um grupo de pessoas interessadas nesta forma de arte. Talvez após sua morte no mercado, os quadrinhos passem a ser apreciados de forma séria pela academia e pelos historiadores da arte, mas isso não acontecerá se não houver autores produzindo material de qualidade em nível tão alto que seria impossível ignorá-los. Clowes suspeita que mesmo diante da total indiferença do público ainda haverá aqueles que continuarão a produzir quadrinhos, nem que seja para explorar o imenso território que existe entre o que já foi feito e as possibilidades emocionantes que estão em todas as direções ao nosso redor.

*Resumo em português do zine Modern Cartoonist lançado por Daniel Clowes em 1997, como encarte da revista Eightball # 18.

Os trechos entre colchetes são comentários do tradutor e integrante da Raio Laser, Marcão Maciel.

Para o finzinho do post: Sugestão musical do Pedro D'Apremont:

Paddy McAloon (Prefab Sprout) - "I trawl the megahertz"