Foda-se a live! Denny O’Neil está morto!

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Quinze horas de um típico dia quente de inverno em Brasília.

A vibração constante do meu celular me faz acreditar que estou recebendo uma ligação, mas tratam-se de várias mensagens em meus grupos sobre quadrinhos noticiando a morte de um dos grandes nomes dos quadrinhos norte-americanos: Denny O’Neil, nascido em 3 de maio de 1939 e falecido ontem, dia 11 de junho de 2020, aos 81 anos.

“Caralho!!!! Fiquei triste” diz uma mensagem.

“O cara criou o Cavaleiro da Lua” outro comentador mais irônico escreve certo por linhas erradas.

“A fase bizarra da Mulher-Maravilha!” outro se lembra, e ainda “O cara criou o Frank Miller” , dito com uma grande parcela de razão.

O celular continua vibrando, e não vai parar de vibrar tão cedo hoje. Denny O’Neil possui uma lista extensa de histórias lendárias e de serviços prestados como editor, e além de carregar em seu currículo a façanha de resgatar o Cavaleiro das Trevas das profundezas ensolaradas da série de TV dos anos 60 e colocá-lo novamente como o maior símbolo noturno dos comics. Mas isso ainda descreve pouco.

Quando Dick Giordano carrega Denny O’Neil para os escritórios da DC Comics nos anos 60, mal imaginavam que aquele escritor com aparência jovem iria injetar uma dose de realidade nas páginas de super-heróis que iria mudar a editora para sempre, e dar início a uma revolução que deságua nos quadrinhos adultos dos anos 80. As páginas de Lanterna Verde e Arqueiro Verde se tornariam uma arena onde o fantástico e o real se digladiavam, a partir de roteiros que traziam a agitação política de um Estados Unidos em plena Guerra do Vietnã.

A parceria com Neil Adams, tanto em Brave and the Bold e especialmente com Batman, vai elevar o nível da produção dos quadrinhos da editora e influenciar nomes como Frank Miller e seu Demolidor (que assumiu o título graças à insistência de O’Neil). O Batman de O’Neil remetia ao passado mais sombrio do personagem e de Gotham City, deixando Robin de escanteio e tornando a agir em cenários noturnos, em que os traços mais obsessivos do personagem vinham à tona.

Denny O’Neil deixa um grande legado, que se estende até o cinema de super-heróis. Lembro de brigar com um colega de classe em 1989 pois este não queria ver o filme do Batman e achava que era coisa de criança. A sombra colorida do Batman de Adam West tinha muita força nos anos 80, e nada é mais humilhante pra uma criança do que ser chamada de criança. No outro dia lembro de ter levado um gibi do Batman da Abril pra mostrar pra esse colega. Era uma edição escrita por O’Neil e com arte do Neal Adams. Não me recordo a história, mas me lembro claramente da cara desse meu colega quando viu que podia gostar de Batman agora que não era mais coisa de criança. Mas esta nem é a questão. Enquanto termino esse texto o celular continua vibrando. Um dos meus amigos é informado que precisa participar agora de uma live na internet. A resposta não poderia atestar de forma mais clara a perda que O’Neil representa para quem gosta de gibi: “Foda-se a live! Denny O’Neil está morto.” (Lima Neto)

Brasília, 12 de junho de 2020