RAGU 8: TEMPERO EXPERIMENTAL PARA PALADARES ÁCIDOS

RAGU 8: TEMPERO EXPERIMENTAL PARA PALADARES ÁCIDOS

por Ciro Inácio Marcondes

O ragu é um molho feito com a redução extrema do tomate, e vai muito bem com a deglaçagem, com vinho tinto, da carne de porco na panela. Sabores fortes, amigo. Uma delícia dos paladares mais brutos que acompanha muito bem massas diversas. E esse Ragu é justamente o nome da já clássica publicação pernambucana que teve seus primeiros números no início dos anos 2000, e não saía desde 2009, quando foi publicado o número sete.

Pois a Ragu está de casa nova, e um novo número foi lançado em julho de 2021 pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), sob quíntupla editoria: Diogo Guedes (Cepe), os artistas João Lin e Christiano Mascaro, a tradutora e editora Dandara Palankof (também da Raio Laser) e o jornalista Paulo Floro (revistas O Grito e Plaf). O resultado é um livraço em Off-set cuidadosamente pensado para dar cabo das ansiedades estéticas, políticas e discursivas de pelo menos umas três gerações de artistas que se encontram aqui, na tábula rasa da experimentação.

Mas será mesmo uma tábula rasa? É certo que boa parte dos 41 artistas dispostos na longa e democrática perfilação da revista (com devida diversidade de gênero, raça, etc.) se dedicam a uma proposta outra do visível, esmigalhando disposições tradicionais de quadrinhos em estilhaços de linguagem, granadas conceituais, deformando tempo, espaço, narrativa, tudo. A capa e quarta capa, por exemplo, do artista alemão Henning Wagenbreth, funcionam como panópticos construtivistas com imagens sugestivas, sem ordem definida, numa livre associação de formas, palavras, gestos e ideias. Margeia o design, margeia um tipo de anti-publicidade, uma conflação do pop com a abstração.

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BAIACU: A EXPERIÊNCIA COMO FIM

BAIACU: A EXPERIÊNCIA COMO FIM

por Márcio Jr.

Passados mais de três anos desde seu lançamento, Baiacu ainda aguarda – e merece – um escrutínio mais atencioso, tanto por parte do público quanto da crítica. O impacto esperado de um projeto que novamente reunia Laerte e Angeli acabou não se concretizando. Ao menos não nas proporções imaginadas. Experimentalismo demais? Talvez. Mas é justamente nessa ousadia – beirando a irresponsabilidade – que reside seu inequívoco caráter singular. Ainda há veneno em Baiacu.

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BIENAL DE QUADRINHOS DE CURITIBA 2018 - Um evento à altura do quadrinho brasileiro

BIENAL DE QUADRINHOS DE CURITIBA 2018 - Um evento à altura do quadrinho brasileiro

Grosso modo, pode-se olhar para as histórias em quadrinhos sob duas perspectivas distintas e, eventualmente, antagônicas. De um lado, existe o quadrinho como mero entretenimento, inserido num mercado multimilionário e transnacional. Trata-se da tão propalada “cultura pop” – ou geek, ou nerd, tanto faz. Neste campo, a relação do indivíduo com o universo dos quadrinhos se dá através do consumo desenfreado e acrítico. O sujeito – sujeito é modo de falar, não me levem ao pé da letra, por favor – assiste os filmes e séries, compra o balde de pipoca, a camiseta, o pôster, a caneca, o protetor de celular, o bonequinho, o videogame, a cueca. Compra também o encadernado em capa dura de seu super-herói favorito. Mas não é sempre que lê. 

Na outra ponta, temos as histórias em quadrinhos entendidas como media. Um meio de comunicação potente e autônomo, que se materializa através de uma gramática particular e infinitamente rica. Tal e qual o cinema, a literatura, as artes visuais e outras formas de expressão, os quadrinhos podem ser tudo. Inclusive, arte. Toda a complexidade da experiência humana cabe em suas páginas. Logo, tomar os quadrinhos como mero produto mercadológico evidencia uma perspectiva pobre, tacanha e medíocre, incapaz de dar conta de sua intrínseca sofisticação. Um desserviço às próprias HQs.

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Visão total

por Pedro Brandt

A revista Animal teve vida breve, durou 22 números, entre 1988 e 1990, mas deixou um legado que ainda reverbera na memória de leitores e autores de histórias em quadrinhos. Foi em suas páginas que vários personagens, roteiristas e desenhistas estrangeiros, até então inéditos no Brasil, foram publicado no país pela primeira vez. O espanhol Max foi um deles. Seu Peter Pank — uma releitura mucho loca de Peter Pan — foi uma das séries mais populares da publicação.

Depois disso, os fãs brasileiros de Max ficariam anos sem notícias do espanhol, até a publicação, no final de 2006, de O prolongado sonho do Sr. T (estreia da editora Zarabatana). Esse distanciamento pode dar a impressão de que autor espanhol tem uma produção sazonal. Não é o caso. Aos 55 anos, Max (nascido Francesc Capdevila) acumula quatro décadas de ilustrações e histórias em quadrinhos e goza de grande prestígio na Espanha. Em 2007, o barcelonês recebeu o Prêmio Nacional dos Quadrinhos. Ano passado, foi tema de uma grande exposição retrospectiva no Museo Valenciano de la Ilustración y la Modernidad, em Valência, que depois passou pela Cidade do México (contabilizando 30 mil visitantes) e desde 18 de junho ocupa a galeria do Instituto Cervantes de Brasília, onde permanece até agosto. De lá, segue para Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.

À mostra estão dezenas de trabalhos originais, como páginas de histórias em quadrinhos, ilustrações para cartazes de shows, capas de discos e revistas (como a prestigiada The New Yorker) e vídeos. Um passeio pela exposição, dividida por décadas, permite acompanhar as diferentes fases de Max, um artista em constante mutação, ainda que dono de traço inconfundível. “Ele trocou muito de estilo, mas tem uma linha mestra ligando sua obra. A liberdade de criação é o fio condutor de seu trabalho”, aponta a espanhola Marta Sierra, curadora da exposição, batizada de Panóptica (“visão total”).

Pelas décadas

Marta, que esteve no Brasil para montar a exposição e fazer uma visita guiada no dia da abertura, é amiga do homenageado desde as primeiras publicações. Ela conta que os desenhos animados, o rock, as artes plásticas e a literatura são algumas das influências de Max. “Também os sábios, as bruxas, as ninfas e os bosques — por isso mesmo, ele escolheu morar em Majorca, cercado de bosques”.

Max começou a publicar nos anos 1970, aos 16 anos, em revistas clandestinas. “Naquela época, a Espanha vivia sob ditadura, e a contracultura americana, em especial, Robert Crumb, o influenciaram bastante”, explica a curadora.

Nos anos 1980, já dono de uma identidade gráfica própria, e participando da antológica revista El Víbora (da qual foi um dos fundadores), Max criou seu personagem mais conhecido. “Ele poderia ter vivido só de Peter Pank, mas não é autor de um só personagem e foi em frente”, pontua Marta Sierra.

A década de 1990 não foi das melhores para os quadrinhos na Espanha, tanto que Max publicou a história

Nosotros somos los muertos (reflexão crítica sobre a Guerra da Bósnia) em fotocópias. A HQ repercutiu muito bem e deu origem a uma inovadora revista de mesmo nome, que contou com colaborações de artistas internacionais de renome. Em 1997, o autor publicou em seu país O prolongado sonho do Sr. T. O personagem Bardín, el superrealista, marca sua produção nos anos 2000 com um surrealismo que evoca Luis Buñuel e Salvadora Dalí. Recentemente, a obra foi incluída no livro 1001 comics you must read before you die (“1001 quadrinhos para ler antes de morrer”, ainda inédito em português). Em texto produzido para ser lido por Marta na abertura da exposição, Max comenta que é sempre uma incógnita saber como sua obra será recebida em outro país, mas está confiante que o público desfrutará da exposição. “Meus desenhos falam visualmente de muitas coisas que, tenho certeza, vocês vão se identificar”. O autor virá ao Brasil em setembro, para participar de eventos de quadrinhos em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.

Panóptica — 1973-2011

Exposição do espanhol Max. Até 11 de agosto, de segunda à sexta, das 11 às 21h. Sábados, das 9h às 14h, na galeria do Instituto Cervantes (707/907 Sul). Informações: 3242 0603. Classificação indicativa livre.

Cinco perguntas para Max:

De onde vem seu pseudônimo? Eu procurava um nome que soasse igual em qualquer idioma. Um dia, vendo um livro de Max Ernst, um dos meus pintores favoritos, me fixei em seu nome. Naquele momento (final dos anos 1970) era um nome muito pouco conhecido na Espanha.

Em que obra você está trabalhando atualmente? Se chama Vapor. É uma novela gráfica de 110 páginas em preto e branco, sobre um homem que está cansado do mundo e decide ir ao deserto buscar um pouco de paz mental. Mas as distrações do mundo moderno o perseguem até lá. Começa como uma comédia e termina como uma história de horror metafísico.

Como você mantém e renova o interesse pelo trabalho? Assim que um trabalho fica pronto, me dou conta de quem não estou totalmente satisfeito com ele. Sempre penso que o próximo pode ser melhor ainda. E a curiosidade, as perguntas sobre o mundo e as pessoas são o motor para novas histórias.

Qual das suas obras gostaria de ver publicada no Brasil? Bem, gostaria de ver publicado Vapor, claro, mas especialmente Bardín, el Superrealista, que creio ser uma obra que marcou um ponto de virada em meu trabalho, onde encontrei um grafismo que buscava: minimalista e emocional ao mesmo tempo e com um tipo de humor metafísico, divertido, profundo e inquietante que creio pouca gente pratica.

Você visitará o Brasil em breve. Conhece o trabalho de autores brasileiros de quadrinhos? O único autor que conheço, e que admiro muito, é o Fábio Zimbres. Também conheço o trabalho de alguns ilustradores como Samuel Casal e Flávio Morais (que mora na Espanha). Mas o quadrinho brasileiro para mim é um grande desconhecido. Espero me atualizar na minha visita em setembro ao Rio e Belo Horizonte. Tenho certeza que o Brasil pode ser extremamente inspirador para o meu trabalho.