Difusão do português através das Histórias em Quadrinhos brasileiras

Difusão do português através das Histórias em Quadrinhos brasileiras

por Marcos Maciel de Almeida

Assim, é natural que a produção brasileira venha recebendo maior atenção por parte de importantes editoras estrangeiras e dos responsáveis pelas principais premiações internacionais da área. Embora esse reconhecimento não seja algo recente, o fato é que nos últimos anos o quadrinho brasileiro tem obtido cada vez mais prestígio advindo da crítica especializada, a ponto de figurar, sem sentimento de inferioridade, ao lado de celebrados polos desse tipo de expressão artística, como a escola norte-americana, a franco-belga e a japonesa.

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FIQ parte 3 – Intérprete de uma história negra do Brasil: entrevista com Marcelo D'Salete

FIQ parte 3 – Intérprete de uma história negra do Brasil: entrevista com Marcelo D'Salete

Parte 3 de nossa série de

entrevistas com grandes personalidades presentes no FIQ 2018

. Desta vez, com ninguém menos que Marcelo D’Salete. Não conhece ainda? Hmmm... Ainda dá tempo de correr contra o prejuízo.

Nascido em São Paulo, Marcelo D’Salete é um dos nomes de maior destaque no cenário quadrinístico brasileiro atual. Com forte pegada autoral e intenso engajamento em temas de cunho racial, os quadrinhos de Marcelo têm se destacado por abordar temas complexos da historiografia nacional – como a escravidão – pela perspectiva dos povos oprimidos. Dentre seus trabalhos de maior reconhecimento, incluem-se

Cumbe

(Veneta, 2014) e

Angola Janga

(Veneta, 2017). Em 2018,

Cumbe

foi indicada ao Prêmio Eisner (premiação máxima dos quadrinhos norte-americanos) na categoria melhor publicação estrangeira nos EUA. Tomara que ganhe.

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Rapidinhas Raio Laser #07

Dizem que o quadrinho brasileiro nunca viveu momento tão bom. Pode ser que sim, pelo menos no quesito variedade. Afinal, tem de tudo um pouco. E, pasmem, encontrar muitas opções de gibis nacionais virou lugar comum, graças à disseminação de “livrarias Shopping Center” e mega lojas virtuais. Mas essa maior proliferação dos quadrinhos made in Brazil não ocorreu da noite pro dia. Medalhões da HQ nacional tiveram de comer muito arroz com feijão nas chamadas publicações independentes para conseguir seu lugar ao sol. E se a variedade dá as cartas nos gibis publicados por editoras de pequeno, médio e até grande porte, como Cia das Letras, essa diversidade representa apenas uma gota no oceano na cena de publicações indie. Basta dar uma volta em qualquer feira de HQ que se preze para perceber que a galera está lançando gibi de tudo quanto é tipo. E os gibis e zines analisados nesta nova edição do Rapidinhas não são exceção. Espere encontrar por aqui uma gama de narrativas sobre paixões não correspondidas, underground musical e pancadaria urbana gratuita, entre outras drogas. Como vaticinou James Kochalka em seu The Horrible Truth About Comics, o negócio é se expressar, e os manos e as minas arregaçaram as mangas e colocaram o lápis para trabalhar. Mais que isso: deixaram-se arrebatar pela liberdade que o formato DIY permite. O resultado foi – e continuará sendo – visceral.

Esta seleção do material independente que recebemos/compramos é uma excelente oportunidade de conhecer um pouco dos monstros que habitam o inconsciente coletivo de quadrinistas profissionais e amadores que escolheram a nona arte dar seu recado. As razões pelas quais fizeram isso são variadas. Sede de fama, desejo de exorcizar demônios pessoais, falta do que fazer e etc. Não importa. O que vale é que esses caras tiveram coragem de dar a cara a tapa. Sorte nossa.

Gostaria de dizer que a escolha do material resenhado aqui segue critérios altamente rigorosos, mas estaria mentindo. A verdade é que a equipe do Raio Laser mete a mão na pilha de publicações recebidas e separa aquilo que parece mais apetitoso. Às vezes rolam algumas indigestões, mas faz parte. Ok, podem criticar nossos métodos, mas eles são democráticos. Nesta semana e na próxima (tivemos de dividir esta por dois!), vamos nos debruçar sobre gibis da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiás, Fortaleza e Deus sabe onde. Tem coisa nova e coisa velha. Tem gibi gourmet e tem zine com página xerocada. Lemos todos com carinho. (MMA)

Caso queira aparecer por aqui, envie seu material para:

RAIO LASER

SQS 212 Bloco G Apto 501.

Brasília-DF

Brasil

CEP: 70275-070.

por Marcos Maciel de Almeida, Márcio Jr. e Ciro I. Marcondes

Seres Urbanos: Antologia do Quadrinho Underground Cearense – Vários (SEBO, 2015, 100 p.): Essa aqui estávamos devendo há um tempo, mas valeu a espera. O Márcio Jr já havia dado um pitaco aqui. Para quem não sabe, “Seres Urbanos” é o nome de um coletivo de zineiros de Fortaleza dos anos 90. Foram oito anos de produções praticamente ininterruptas e esta antologia reúne material representativo de dezenas de zines, exposições, colunas em jornais e outras manifestações em que eles estiveram metidos. A publicação foi financiada pela Secretaria de Cultura do Governo do Ceará, que fez seu papel para preservar a atualidade desta incrível coleção sobre os hábitos, ansiedades, gostos (o zeitgeist, enfim) de uma cultura alternativa nos anos 90.

Esses sujeitos eram zineiros roots, sempre na correria para publicar um volume desproporcional de coisas que vendiam a preço de custo, distribuíam na entrada de shows, enviavam pelo correio, movimentavam a cena da cidade. A antologia ainda vem com um rico texto estilo “reportagem por entrevistas” nas páginas finais, direcionando influências e o momento histórico de cada autor e cada gênero abordado nos zines. O principal quadrinista a publicar era Weaver Lima, um cara ligado também à música alternativa de Fortaleza – bandas como Velouria e Second Come... alguém se lembra dessas porras? Até mesmo a nossa saudosa Low Dream está em grande estima nas páginas de Seres Urbanos - , com influência da Revista Animal, Love and Rockets, Angeli, etc. Além de ser um ilustrador carismático, Weaver era bom em escrever ótimas histórias de típicas festinhas e showzinhos de rock dos 90’s Brasil afora, com a tradicional caracterização blasé e decadentista da juventude underground da época (quando era chique fazer bandas alternativas que cantavam em inglês, tipo Pin Ups). Virou um prestigiado artista plástico.

Fora Weaver, a antologia apresenta um sortidão de gêneros zinescos que marcaram época (arte postal, colagens, charges, cartazes) e também da produção dos outros caras. Lupin, por exemplo, faz um estilo “hebdomadaire francês”, inserindo citações de poetas e filósofos em quadrinhos de deboche. O estilo realista, com diálogos e situações das ruas de Fortaleza, de Mychel TC, é uma das melhores contribuições. Leitura urbana brazuca infalível, pra Quintanilha nenhum botar defeito. Em geral esta produção não fica atrás do que era apresentado por outros estados, e dá amostra do que foi o trampo underground brasileiro entre os anos 80 e 90, especialmente nas febris manufaturas desses zines, que eram a internet da época, e que não deixam a desejar em relação ao que se faz hoje na web, tanto em qualidade quanto em quantidade. Uma parte enorme deste material se perdeu para sempre.

Seres Urbanos tem sabor udi-grudi, traz à tona os esnobes anos 90, discute com propriedade as agruras e angústias desta época, que não são tão diferentes das de hoje. Apesar do humor caústico, esses quadrinhos se pautavam na alienação da juventude, no vazio existencial, em preocupações como o caos urbano e o aquecimento global (na época, “efeito estufa”). Porém, não eram histéricos, os zines procuravam sentido em meio ao caos e não eram escorados em ativismo de fachada. O olhar desamparado e misterioso do personagem da capa coloca margem para a diferença entre uma cultura de “teenage angst” pré-internet e o zine-de-luxo-pra-designer que se faz hoje. Aproveito então a oportunidade para lembrar que em Brasília também temos nossa versão do “zine responsa com a cabeça enfiada na baixaria e rock and roll”: Tupanzine, o fanzine mais antigo em atividade no DF. (CIM)

O Ateneu, Crônica de SaudadesMazô (Independente, 2014, 23 p.): Em tom altamente pessoal, Mazô narra parte de suas memórias afetivas escolares, passadas no tradicionalíssimo Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Vencedor do prêmio de HQ independente Dente de ouro de 2016, o gibi convida o leitor a viajar pelo Ateneu particular de Mazô. Contendo colagens de fotos, bilhetes e outros objetos pessoais de sua vida escolar, a autora constrói espécie de diário público de sua vida privada. Mas não espere encontrar fofocas quentes ou detalhes sórdidos. Mazô faz uso de uma linguagem – narrativa e visual – que tanto mostra quanto esconde. Os detalhes estão lá, e apenas poucos enturmados irão compreender o real significado das imagens. Não que seja o caso de gibi feito apenas para aqueles da panelinha, mas sim para indicar que algumas lembranças só dizem respeito àqueles que as viveram.

O traço de Mazô é bastante experimental e ela brinca bastante com esboços. São ilustrações aparentemente simples, mas que se mostram rebuscadas, especialmente quando se analisa a riqueza das expressões faciais dos personagens. Sabe aquele esquema do “menos é mais”? É bem por aí. Afinal, artistas que se propõem a serem econômicos no desenho têm de se ater ao que realmente importa. Mantendo essa pegada parcimoniosa, Mazô capricha na composição de cores, que é feita primordialmente de bege escuro, preto e branco. Aliás, as imagens brancas são todas pintadas com um efeito que lembra giz de quadro negro, o que foi uma grande sacada.

Ao decidir revelar um pouco de seu passado estudantil, Mazô mostra que as experiências dos jovens são universais, por mais particulares que possam parecer. (MMA)

5/5 Working Class Heroes – Dalts, Go Carvalho e Magenta King (Bimbo Groovy, 2013, 70 p.): Lembra de Changeman, Flashman e assemelhados? Lembra aquele esquema de 5 jovens com uniformes parecidos, que se juntam para sentar o braço em monstros mais bizarros que perigosos? Então, esta é a pegada aqui. Só que, desta vez, os criadores resolveram levar a coisa a sério. Ou quase. Embora a intenção seja mostrar como seria a realidade de um grupo desse tipo no mundo real, os personagens principais usam uniformes que remetem a bichinhos fofinhos, como que para demonstrar o ridículo inerente a esse universo. No gibi, conhecemos um pouco da superequipe 5/5, grupo de heróis-celebridade que jurou proteger o mundo em troca de fama e contratos milionários. São três histórias que abordam diferentes aspectos da equipe.

Na primeira, “O Novato”, de Dalts, somos apresentados a um cidadão que consegue obter o traje de um dos 5/5. É uma história surpreendente, tanto pela qualidade do roteiro quanto pela arte. Dalts revela um talento impressionante, pelo grande domínio do ritmo da narrativa e pela plasticidade e estilo quase sujos que privilegiam cenas de ação vertiginosas.  Dalts parece gritar: “Ei, mercado americano, olhe para mim, já estou pronto”. E é realmente uma pena que ele ainda não tenha tomado os comics de assalto, já que é um quadrinista de responsa. Na segunda – e mais fraca história do gibi – “The Man Machine”, de Go Carvalho, conhecemos os funcionários de apoio da 5/5, numa história metida a engraçadinha, mas que só consegue fazer passar raiva. Finalmente, em “Os 5 Novatos”, Magenta King chega chutando bundas num conto em que 5 aspirantes a integrantes do 5/5 participam de um reality show que testa suas habilidades no campo de batalha. Magenta, assim como Dalts, tem uma arte de cair o queixo, e usa retícula, sombreamento e hachuras numa combinação original e desconcertante. Se Dalts lembra Travis Charest em começo de carreira, Magenta emula a visceralidade de Tom Raney.

O melhor elogio que posso dar a 5/5 é dizer que Dalts e Magenta souberam utilizar o formato independente para despirocar geral. Sem amarras ou censura, esses caras deixaram seus demônios correrem pelados na montanha e o resultado foi duca. Mesmo explorando gênero aparentemente esgotado como o dos supergrupos japoneses, os dois mostraram que, quando se tem lenha para queimar, até a centelha decadente dos seriados de grupo pode voltar a fumegar. (MMA)

Mata-me, ó Deus – Marcos Guerra, Marcos Garcia e Carlos Alberto (K-ótica, 2015, 36 p.): a boa capa de Mata-me, ó Deus promete uma HQ de alta potência onírico-lisérgica.  A promessa, infelizmente, não se cumpre. Estão lá as quase obrigatórias referências a Alejandro Jodorowsky, mas sem a atmosfera violenta e insólita típica do mago chileno. O roteiro é simples e auto-explicativo, sobrando pouca margem de manobra para o leitor participar mais ativamente da construção da narrativa – algo típico do gênero em questão. Restaria então à arte de Marcos Garcia (veterano do fanzinato nacional, responsável pelo antológico Acunha, publicado nos anos 1980) e Carlos Alberto promover as epifanias metafísicas desejadas. Não é o que acontece. Apesar dos desenhos bonitos (salta aos olhos a influência do seminal Watson Portela), a estrutura gráfica está muito mais próxima de um comic book pré-Image do que das BDs europeias.

Mata-me, ó Deus pode encontrar ressonância junto a públicos ligados ao consumo de plantas de poder. Todavia, para um leitor exclusivamente em busca de uma boa HQ, a magia não acontece. (E confesso ter ficado bastante impressionado com a depilação da personagem feminina, uma das poucas sobreviventes de um mundo devastado.) (MJR)

CeruleanCatharina Baltar (Independente, 2016, 80 p.): Fiquei “enamorado” desse quadrinho da Catharina Baltar (daqui de Brasília) nas duas últimas feiras Dente e resolvi tomar coragem e adquirir um volume da última vez. O que me atraiu: a excelente paleta de cores azul-lilás-turquesa (“cerulean”) pintada em aquarelas. Não importa muito que Cerulean seja um quadrinho indie tolinho, misturado com mangá shoujo, sobre uma sereia que fica encantada com um lifestyle millenial. Um mundo geek de redes sociais, board games e mangás. Não me importa que, das 80 páginas do livro, apenas 40 comportem a história (sendo o resto, extras). Importa mesmo é que, apesar de ter um tom adolescente, Cerulean consegue discutir a identidade e a solidão do jovem pós-moderno com alguma propriedade. Isso por si só a transforma em uma boa HQ juvenil. A sereia do título, afinal de contas, decide adotar o excêntrico mundo dos otakus e ser para sempre uma forasteira, algo que reflete um pouco a realidade dos otakus reais. Aos poucos, a despeito da antipatia inicial, fui me entregando ao propósito e à mentalidade deste quadrinho: como qualquer mangá comercial, ele tem algo de inventivo e excitante, e ao mesmo tempo algo de descartável. Se você tem dúvidas quanto à história, no entanto, pode ficar apenas com a arte extremamente carismática, com um tratamento de cores raro no quadrinho brasileiro contemporâneo. Sem dúvida uma aquisição significativa para o cenário de quadrinhos da capital. (CIM)

Encruzilhada – Marcelo d’Salete (Barba Negra, 2011, 120 p.): Este Encruzilhada é meu primeiro contato com o trabalho do quadrinista d’Salete. Sim, anos atrasado, e por isso mesmo quis começar com um trabalho fundacional da sua obra, algo que definiu seu estilo e imaginário. Paulistano, o autor se vale das contradições brutais da grande metrópole para expor, assim mesmo metendo o dedo na ferida, a desigualdade social e racial em diversos tipos de interações tipicamente brasileiras. Mas se engana quem pensa que isso vem assim, despejado ou descuidado, como se fosse um mero panfleto. Primeiro, o discurso possui muitas nuances e sutilezas, e o quadrinista se vale de diversos tipos de transições entre os quadros para construir mais que simplesmente uma história, mas também ambientação, odor, temperatura, aspecto. Em segundo lugar, como ele bem evidencia tirando sarro de Cidade de Deus, a violência está (muito) presente em suas histórias, mas não é o foco de sua análise. Não se trata de cosmética aqui. Sua análise social atinge aspectos psicológicos, econômicos e afetivos.

Além disso, d’Salete é também um esteta. Encruzilhada são contos curtos que vislumbram situações de ostensivo constrangimento à população negra. Um menor infrator é espancado pela polícia. Uma vida é tirada às custas de um celular que roda de mão em mão. Um DVD pirata é roubado e um homem preso por engano. A violência, porém, está nos detalhes perniciosos das relações. Neste ambiente, seu assassino pode ser seu primo, e o motivo um objeto de consumo descartável. D’Salete examina estas situações com elegante esquadrinhamento das cenas. São comuns citações ao cinema e a baluartes do capitalismo. O teor do discurso aparece muito em marcações discretas, grafites, paisagens urbanas.

O volume de informações, inclusive, é grande e por vezes as narrativas ficam embaçadas, confusas. D’Salete fragmenta os corpos, pensa planos e páginas oblíquas, efetivamente erige as cenas pelo avesso da narrativa tradicional.Encruzilhada é obra de mestre, que demonstra profundo entendimento do ato de extrair sentido das histórias, deixando arte, pensamento e discurso todos em evidência. Pequeno clássico recente da nossa historiografia quadrinística, ao lado de nomes como Rafael Coutinho e Marcello Quintanilha, que primam por abordagens parecidas. Li a tempo, ainda bem! O quadrinho foi relançado pela Veneta em 2016. (CIM)

Rapidíssimas (zines):    

Apnéia – Ina (Independente, 2017, 8 p.): Este é um lindo trabalho gráfico (delicado, poético, silencioso) que evidencia o potencial dos quadrinhos como pura sinestesia, como arte visual que mira os sentidos, que dissocia a narrativa de uma função meramente denotativa. Trata-se da quadrinização, em singular lápis azul, de um homem mergulhando com uma baleia. Leva-se um minuto para ler. Reverbera-se na cabeça por muito mais tempo. (CIM)

Compartilhe Comigo e Hey! Look Around! – Renata Rinaldi (Tinta de Raposa, 2016 e 2017, 10 p. e 12 p.) – Há algum tempo que devemos uma apreciação melhor do trabalho da brasiliense Renata Rinaldi, que vem pondo suas patas de raposa também em cenário nacional (Pagu Comics; concorreu ao HQMix, etc.). Estes dois zines são boa amostra do potencial do seu trabalho. As ilustrações, também em estilo shoujo, só melhoram: ela dosa bem influências de ocidente e oriente e, assim como a resenha de cima, faz narrativas mudas (que são puro quadrinhos). 

Compartilhe Comigo é muito bobinho, mas tem apelo para tweens e atrai pela bela capa laminada. Hey! Look Around!, por outro lado, já pode ser levada mais a sério. É uma linda (e bem escrita) fábula sobre desapego, amizade e espiritualidade. Isso tudo em dez páginas cheias de bons recursos em HQ, o que nos faz pensar que a Renata está preparando seu melhor trabalho. Chega logo! (CIM)

BONS QUADRINHOS QUE LEMOS EM 2015 - PARTE 2

Olá pessoal da Raio!

Já estamos no ano de 2016 com a marcha engatada.

Mas isso não impede a Raio Laser de fazer uma lista de melhores do ano de 2015

! A minha lista também não pretende ser um levantamento do que foi lançado no ano que findou, mas é uma ajuntado do que eu li de particularmente inédito. Coisas velhas que nunca li, material de 2014 que só pude ler em 2015 e outras coisas que minha vida de trabalhador braçal não me permitiu ler quando lançou. Na minha lista entra um material bem variado, mas também acredito que muita coisa legal ficou de fora graças à minha memória avariada. Até a próxima! (LN)

Parte 1

Parte 3

por Lima Neto

1 - PÍLULAS AZUIS – Fredrik Peeters (Nemo,2015 [2001])

A autobiografia em quadrinhos, um filão lucrativo em produções de qualidade e muitas vezes criticado por seu óbvio ensimesmamento, tem parte de seu valor situado na área indistinta e amorfa em que se interseccionam a biografia do leitor e do autor. Alguns destes quadrinhos, como as Pílulas Azuis de Fredrik Peeters, têm ainda o ponto positivo de abrir ao leitor a possibilidade de experimentar uma alteridade coletiva em que vários cotidianos são apresentados como uma tessitura particular que retrata a fundo um drama pessoal e específico.

Frederik Peeters ainda é um desconhecido por aqui. Por isso mesmo a escolha de publicar seu trabalho biográfico foi bem acertada. O livro trata de sua vida junto com a companheira, Jude, e seu filho, ambos soropositivos.

Pílulas leva o leitor a atravessar uma ponte pouco visitada - aquela que separa a realidade de quem deve conviver com a AIDS e a imagem de desespero e perigo que é rapidamente evocada pelo imaginário da doença. Alternando momentos de sensibilidade e austeridade, Peeters monta uma trama enxuta em que duas grandes qualidades se apresentam como uma arma eficiente contra o preconceito - sobriedade e maturidade.

Mais do que a situação da companheira, é a maturidade das reflexões de Peeters em relação ao seu dia-a-dia que chama a atenção no gibi. Com um pragmatismo sensível, o autor vai expondo seus medos, tanto particulares quanto do casal, e vai demonstrando como que, paulatinamente, a relação dos dois se transforma em um companheirismo sóbrio, consciente da "normalidade anormal" da posição em que se encontram. Sem heroísmos ou melodramas. Ao final somos brindados com algumas páginas feitas anos depois, onde Peeters apresenta seu traço mais atual e realista, em que vemos um depoimento dos familiares envolvidos. Com certeza um dos melhores quadrinhos do ano.

2 - NOVA MARVEL X-MEN #1 a 15 – Brian Michael Bendis & Chris Bachalo (Panini, 2015 [New Marvel Uncanny X-men #1 – 18, 2014])

Já falamos muitas vezes aqui na RL que, quanto mais próximo da realidade um quadrinho de super-herói se posiciona, pior é sua qualidade. A imagem fantasiosa do herói super poderoso se desmonta em perigosos tons reacionários quando confrontada com problemas reais que pedem por soluções reais. A melhor forma com que o quadrinho super-heroístico pode abordar a realidade é sempre através da metáfora... algumas mais diretas que outras, e é assim que um título X consegue entrar nessa lista.

Há vários anos eu deixei de comprar gibis para acompanhar personagens e passei a acompanhar escritores de HQ. Das vezes em que retorno a ler X-Men, é por que algum autor que me interessa está capitaneando o gibi. Depois de ler muitas resenhas, resolvi correr atrás da fase do escritor Brian Michael Bendis. Com seu estilo característico em que mistura diálogos extensos com criativas viradas de roteiro, em X-Men Bendis extrapola a essência do grupo de mutantes no que eles têm de mais poderoso: na metáfora entre a causa mutante e as lutas por igualdade de direitos empenhadas pelos mais diversos grupos civis que se sentem lesados por uma insuficiência social em reconhecer suas diferenças.

Criados em um EUA pós-conflitos por direitos civis, Stan Lee via em seu pacifista Professor X um Martin Luther King, enquanto que a verve belicosa de Malcom X estava presente na atitude terrorista de Magneto. Essa imagem permanecia parcialmente inalterada até alguns anos atrás. Resumindo, porque a parte chata é a novelinha, após uma mega-saga que joga X-Men contra Vingadores (embora a premissa seja simplista, a relação entre minorias VS maioria se torna bastante explicita nessa saga, mas isso fica pra outra hora) e que termina com o personagem líder dos X-men, Ciclope, matando seu mentor Professor X (nenhuma surpresa ai, ele deve voltar em breve como todos os mortos da Marvel) e sendo considerado um terrorista internacional, o grupo se divide entre os que seguem o sonho de Xavier e os que preferem a realidade proativa de Ciclope, que passa a se tornar um ícone da luta mutante. A fase de Bendis é marcada ainda pela chegada dos X-Men originais para o presente, através do plano de um Fera moribundo que serve para confrontar o Ciclope terrorista com sua versão mais nova. É aquela típica confusão mutante pelo tempo, mas que acaba tornando-se um ótimo exercício de caracterização na mão de Bendis. O ponto negativo é a arte, por conta de um cansativo Chris Bachalo, antes um herói indie dos anos 90, agora um desenhista pouco criativo e que parece fora de sintonia com o roteiro na maioria das páginas.

O que importa aqui, e o que faz o titulo entrar nesta lista, é a nova atitude do ex-líder do grupo. No gibi vemos um Ciclope fugitivo reconstruir a escola Xavier nas ruínas do projeto Arma X e recrutar os membros descontentes dos X-Men. Em sua fase, Bendis deixa claro que o espaço entre a metáfora e a realidade se torna mais estreito do que nunca. O fator super poder é jogado para segundo plano e o que brilha é o desdobramento político das ações do personagem. A renovação do herói "escoteiro" como um tipo diferente de anti-herói, um anti-herói que simboliza e atua na luta coletiva investindo na ação proativa, quebrando com o status quo. Com habilidade, Bendis se aproxima e se afasta desse paradigma político evitando cair na relação aniquiladora entre fantasia e realidade, e com isso dá um novo frescor aos personagens e uma verdadeira sensação de mudança. Ou, como o próprio Ciclope comenta ao ser criticado pelo novo status de criminoso político: "Engano seu. Odiado. Temido. E salvando o mundo. Diga-me o que mudou.”

3 - CUBE – Marcelo d’Salete (Veneta, 2015)

Há uma relação nada sutil entre este item da lista e o anterior. Se Bendis radicaliza a metáfora dos mutantes como comentário social proativo, em Cumbe não há metáforas e nem dúvidas quanto ao posicionamento de seu autor em relação à luta contra as injustiças sociais.  Cumbe é uma exposição crua da história de resistência negra contra a sociedade escravagista no Brasil colônia. O último trabalho do quadrinista Marcelo d´Salete transporta sua temática dos excluídos e periféricos para um ambiente histórico buscando jogar uma luz muito necessária nos esforços ativos e pouco mostrados da resistência negra à escravidão.

Como é dito no próprio livro, Cumbe é uma palavra bantu que significa O Sol, O Dia, A Luz, O Fogo e também um sinônimo para Quilombo. Em três histórias que se entrecruzam, d´Salete mostra a crueldade de um sistema de trabalho forçado onde aqueles que eram obrigados a se submeter eram tratados como menos que animais, alguns enlouquecendo até tomaram a própria vida e outros tantos resistindo ativamente, dia a dia, para escapar da situação degradante de violência e retomarem a posse das próprias vidas. 

Sem metáfora.

O traço de d'Salete continua com seu vigoroso e poético preto e branco, abrindo mão de um realismo que, em qualquer nível, seria insuficiente para captar a crueza do período. Ele prefere apostar em suas áreas de tonalidades cinzentas feitas com esmero com seu pincel seco. Se em trabalhos anteriores o autor usava sua técnica para escancarar as fronteiras sociais demarcadas pelo vocabulário urbano - hora picho, hora logotipo - em Cumbe seu pincel estiliza o cenário colonial com um minimalismo ao mesmo tempo singelo e sufocante.

Os personagens de Cumbe também guardam a mesma relação paradoxal: seus rostos de limitadas expressões dão lugar ao volume ensurdecedor de suas ações. Cumbe é forte e direto sem abrir mão das suas possibilidades intersubjetivas e expõe não apenas o contraste do período colonial com o nosso presente, mas, principalmente, suas muitas semelhanças.

4 - O GRALHA: TÃO BANAL QUANTO ORIGINAL – José Aguiar e vários autores (Quadrinhópolis, 2014)

Na sequência desta lista nós temos outro quadrinho de super-herói. Aliás, um dos melhores quadrinhos de super-heróis - O Gralha, com o álbum Tão Banal Quanto Original. 

O Defensor das Araucárias é uma criação coletiva que envolve os autores Gian Danton e José Aguiar e os artistas Alessandro Dutra, Antonio Eder, Augusto Freitas, Edson Kohatsu, Luciano Lagares, Nilson Muller e Tako X. Havia muito tempo que tinha lido o primeiro álbum do personagem, lançado pela Via Lettera em 2008, e esta segunda antologia de histórias do Gralha me lembrou por que o conceito do personagem é tão divertido, sendo uma das melhores leituras do ano.

Vários autores, várias visões, o Gralha é um personagem pensado para se adequar a qualquer criador. O resultado é um quadrinho mais potente e facetado que qualquer outro gibi de super-herói. Lógico que todos os elementos do gibi de herói estão lá: Gustavo Gomes é o neto do Capitão Gralha e defende uma futurista Curitiba de uma galeria de vilões tão bizarra quanto idiossincrática - A gigante Araucária, o deformado Homem Lambrequim, o gênio do mal Craniano, o metalinguístico Homem Dor-De-Cabeça... a lista é extensa.

Esse segundo álbum dá continuidade às aventuras do personagem. Em destaque temos história "O Ovo e a Gralha", em que o macabro Craniano reflete sobre a necessidade de ser o arqui-inimigo de um herói tão abaixo de seu nível intelectual, com roteiro de José Aguiar e a bela pena de Jairo Rodriguez. A mesma dupla também narra uma história de singela beleza no divertido "Dia do Pinhão". Em "A Volta do Lambrequim", José Aguiar, acompanhado de Tako X, revela a intimidade do monstruoso Homem-Lambrequim, e na ótima "As Origens do Craniano", Aguiar, agora cuidando tanto da arte quanto dos desenhos, tenta dar uma explicação para o vilão com cabeça Pêssanka.

Como se pode perceber pelos nomes, a cultura curitibana e paranaense se tornam um dos personagens mais presentes nas histórias do Gralha, mas em momento algum estes traços regionais parecem forçados ou caricatos. Na verdade, o que diferencia o Gralha, a sua originalidade banal, é o fato de ser tão idiossincrático (uma característica de muitas produções do sul do país, como o rock sulista) que a cidade parece se destacar da realidade e se aproximar de outras metrópoles imaginárias como uma Metrópolis ou uma Gotham. Tudo isso sem perder o humor ou cair em dramas pedantes ou aventuras ufanistas sem graça. Um ponto negativo? Admito que me incomoda bastante a falta de diversidade étnica nos desenhos.

O gibi foi publicado pela Quadrinhópole e a mesma editora acabou de lançar a edição O Gralha Art Book, uma espécie de making of do personagem acompanhado de diversas pin-ups e pequenas histórias para o especial que foi patrocinado via Catarse. E em sebos ainda é possível encontrar a primeira edição do Gralha pela editora Via Lettera!

5 - HICKSVILLE – Dylan Horrocks (Drawn and Quartelly, 2010 [1998])

E por falar em idiossincrasias regionais, o quinto lugar desta lista fica para o Hicksville de Dylan Horrocks. Já falamos sobre este gibi na cobertura do FIQ, mas sua mistura de biografia à la “vida secreta dos ricos e famosos”, com um mistério envolvendo a história das HQ's no melhor estilo David Lynch, faz com que ela mereça voltar a ser citada.

A HQ acompanha o jornalista Leonard Batts em sua viagem para conhecer a cidade natal de Dick Burguer, uma estrela internacional do entretenimento hollywoodiano que chegou à fama vendendo o direito de seus quadrinhos para o cinema.

Hicksville, que também é o nome desta cidade fictícia que fica na ponta mais ao sul da Nova Zelândia, foi publicado em 1998. A edição que chegou até mim é a republicação de 2010 editada pela Draw and Quartely

e que conta com um belo capítulo inédito introdutório em quadrinhos onde Horrocks fala sobre as emoções e pulsões que levaram à criação do gibi.

Voltando à trama, Batts esbarra em uma cidade misteriosa e cheia de segredos onde aparentemente o pilar cultural de sua comunidade são as histórias em quadrinhos. De uma estalagem que conta com uma gibiteca carregada de edições raríssimas em perfeito estado até uma festa folclórica à fantasia em que toda a cidade se veste de personagens clássicos da história da HQ, Hicksville parece o sonho de qualquer apreciador de quadrinhos e leva um conceito bem conhecido da literatura para o meio dos gibis – o da biblioteca das histórias sonhadas e nunca publicadas. O resto, só lendo. Saiba mais sobre este gibi aqui.

6 - MISS: BETTER LIVING THROUGH CRIME – Philippe Thirault, Marc Riou e Mark Vigouroux. (Humanoids/DC comics, 2005 [1999])

Lançado nos estados unidos em 2005 pela finada parceria entre a Humanoids e a DC Comics,

Miss: Better Living Through Crime – álbum escrito por Philippe Tirault e com arte de Marc Riou e Mark Vigouroux – é um daqueles quadrinhos de crime que fascina tanto pela crueldade das situações, quanto pelo carisma de seus protagonistas. Numa decadente Brooklyn dos anos 20, uma órfã ruiva e um cafetão negro se juntam para sobreviver à miséria que os cerca e os empurra cada vez mais para o fundo do poço. Como resultado, viram parceiros na prestação de um serviço muito procurado tanto pela população empobrecida do local quanto pela elite que começa a se erguer dos escombros: assassinato por encomenda.

Nola, ou Miss, como é chamada por seu todos (trocadilho tanto para "senhorita" quanto um apelido dado à sua involuntária capacidade permanecer viva depois dos vários tiroteios dos quais participam) é uma personagem feminina cuja representação ultrapassa em muito o estereótipo das divas do charleston que ilustram o imaginário do período. Mãe viciada em drogas, pai falecido por abuso de álcool, criada em um convento de freiras onde cedo aprendeu a revidar, Lola é o lado negociante da dupla. O fato de ser branca é o cartão de visita para negociar com a alta sociedade de NY. Seu parceiro, Slim, é filho de uma família rica, com um irmão médico bem sucedido e várias complicações devido à sua vida como cafetão enfiado em todo tipo de negociata nas espeluncas de Brooklyn. Slim é a parte logística da dupla: sua desenvoltura no submundo complementa a dinâmica de trabalho dos dois.

Visualmente, a Nova Iorque de Miss varia entre a exuberância e as ruínas. Quadras vazias com cortiços mal acabados tomam conta da maior parte do álbum. A colorização, feita digitalmente e carregada em tons amarelos nauseantes, acentua a sensação de vazio da cidade. De certa forma, esse vazio também está presente nos personagens, de maneira mais acentuada ainda nos clientes e nas suas demandas imorais – um empresário que quer ver o filho do sócio morto, uma esposa de olho na fortuna do marido, outra que quer que a amante do marido desapareça – casos relativamente comuns que acabam levando a desdobramentos mais complicados. A dupla se vira como pode. Alguns sucessos, alguns fracassos, mas sempre com uma espécie de “nobreza” torta que ajuda a compor a dinâmica dos dois – Nola sempre direta e violenta, principalmente quando escuta que seu “empregado” deve esperar do lado de fora, e Slim sempre desvelando as hipocrisias da ascendente sociedade do Brooklyn ao assumir o trabalho que escolheu para subir na vida. Em alguns momentos, principalmente no início do álbum, algumas falas e transições entre requadros se tornam bastante confusas de entender, acredito que graças a uma dificuldade de tradução do francês para o inglês. Mesmo assim, Miss é um quadrinho certeiro, e o melhor policial que li no ano.

7 - BIG BOOK OF DEATH – Bronwyn Carlton e vários artistas (Paradox Press, 1995)

Existe um selo de quadrinhos perdido nos EUA que, embora fazendo parte do grupo Time-Warner e ligados à DC Comics, teve pouquíssimos trabalhos publicados por aqui (as edições de Gon da Conrad e A Estrada Para Perdição, para ser exato). Este selo é a Paradox Press. O carro chefe da editora é a série Factóide Books, grandes livros de antologias com historietas curtas de até cinco páginas girando em torno de um tema específico. Antes de se falar em Joe Sacco e jornalismo em quadrinhos, os Big Books da Paradox já faziam um apanhado narrativo vasto esmiuçando assuntos como discos voadores, mortes bizarras, mártires religiosos, crimes históricos, etc., com uma abordagem que mistura almanaque e documentário. A maioria dos livros é escrita por um escritor apenas e desenhada por uma vasta gama de artistas de quadrinhos do underground estadunidense, incluindo o citado Sacco.

Essa introdução é para apresentar o sétimo gibi da minha lista, o Big Book of Death. Duzentas e vinte e quatro páginas, em preto e branco, com centenas de relatos sobre a mais inescapável das sinas. O álbum, como todos os Big Books, mistura um relato aprofundado com uma arte que varia do realismo ao cartum resultando em diversão garantida (e fúnebre).

Os contos são organizados por temas: o primeiro capítulo conta a história do assassinato oficial, as execuções capitais, sua história e principais práticas. Este capítulo é de abrir os olhos para a maneira com que a lei evoluiu até nosso século XXI, deixando para trás algumas execuções extremamente doentias, como o pressionamento – onde o condenado se deita em uma cama de lâminas, seu corpo é coberto por uma tábua que cobre seu torso, e são colocados sobre a tábua vários pesos, vagarosamente, até que o corpo seja esmagado e perfurado. Enquanto o condenado ainda vive.

O segundo capítulo foca o homicídio criminoso e o suicídio. Mortes idiotas, cidadãos acima de quaisquer suspeitas que escondem um lado assassino brutal, a história da eutanásia, etc.

No terceiro capítulo temos os assassinatos em massa, as pragas históricas, tuberculose, febre tifóide, morte negra. As guerras e suas grandes matanças, as mortes religiosas e cultos suicidas.

O quarto capítulo se dedica aos falecimentos peculiares. Mortes inexplicáveis, combustões espontâneas, e todo tipo de morte bizarra.

O quinto capítulo, e um dos mais interessantes, revela a ciência da morte, seus limites biológicos e

 químicos, como funciona o exame da autópsia e as formas de preservação dos corpos.

O sexto capítulo faz um tour pelos cemitérios mais famosos ou bizarros do mundo, os museus da morte, e a morte como turismo.

O sétimo capítulo foca nas maneiras históricas e atuais de se desfazer de corpos, desde os enterros ritualísticos até os métodos da máfia italiana.

O oitavo capítulo aborda os costumes culturais envolvendo os mortos em todo mundo, e, finalizando, o nono capítulo fecha o livro com contos que abordam o que há, ou se há, algo após a morte.

É diversão garantida! Todos os textos foram escritos pela escritora Bronwyn Carlton, especializada em literatura criminal e forense, e as artes são feitas por um desfile de talentos como Craig Hamilton, D´Israeli, Rick Geary, Steve Bucellato, Linda Medley, Mark Badger, Joe Orlando, Hunt Emerson, e muitos outros. Recomendo também o fabuloso Big Book of Unexplained, onde o escritor de quadrinhos Doug Moench, junto com vários artistas, o levam a um passeio pelo mundo do estranho e bizarro, e eventualmente charlatanesco. Sempre com um bom humor negro e ironia.

8 - MARCO, O MACACO DO ESPAÇO - Daniel Lopes (Mês, 2014)

Em um mundo perfeito, a viagem do macaco Marco pelos confins da galáxia seria uma publicação semanal em coloridos suplementos de quadrinhos dominicais.

O álbum de Daniel Lopes, mais um grande trabalho saído do fanzine Mês (por motivos puramente cronológicos, o álbum O Aguardado, do também mensaleiro Augusto Botelho, não entra nesta lista) reúne os quadrinhos que foram publicados em um ano de produção em uma versão colorida e luxuosa.

Marco é o nome de um dos primeiros macacos lançado ao espaço pelos terrestres. Seu corpo já falecido é encontrado pelos pacíficos e avançados Vimanaranos que, por sua vez, o reabilitam e o evoluem ao máximo de sua capacidade física e intelectual. O que se segue é uma homenagem aos quadrinhos do passado, com todo um clima de ficção científica dos seriados de cinema e um ritmo sempre acelerado, mas sem esbarrar em um pastiche de referências visuais estéreis amarradas para acionar glândulas nostálgicas.

O Macaco do Espaço é um estudo do quadrinho clássico, dos heróis da ficção científica do início do século XX, mas sua existência e qualidade nos dias de hoje se deve ao fato de ser um catálogo desses mesmos quadrinhos. No espaço, o primata sofre de muitas das provações e desventuras que ocorrem nas tiras de space opera, mas sempre ao seu jeito, com o seu ponto de vista. Sempre calado, pensativo e atuante. O problema maior deste quadrinho é sua duração. O personagem tem potencial para ter uma epopeia em quadrinhos, mas o final acaba de forma abrupta, e o excesso de extras acaba fazendo você desejar mais histórias na edição. Mesmo assim, Marco o Macaco do Espaço é viciante como eram os quadrinhos de outrora. Uma leitura recompensadora.

9 - EC ARCHIVES: TWO FISTED TALES VOLUME 2 – Harvey Kurtzman e vários artistas (Gemstone Publishing, 2011 [1951-52])

Em nono lugar na lista das melhores leituras do ano de 2015 está o encadernado The EC Archives Two Fisted Tales Volume 2, reimprimindo em alta qualidade as edições de 7 a 12 da série de guerra da EC Comics. Sobre a EC é dispensável falar, se você está lendo este texto até aqui é por que sabe de cor o papel da editora em revolucionar o quadrinho no mundo, capitaneada pelas mãos de Bill Gaines

. A coletânea é da Gemstone Publishing, e a qualidade da edição é de cair queixo: papel luxuoso e capa dura. A colorização, infelizmente, não é a original (realizada pela lenda Marie Severin) mas segue seu estilo obsessivamente, mantendo o clima das edições originais e dando uma aula de cor para as edições de arquivo das grandes editoras norte americanas.

Todas as histórias foram concebidas, escritas e editadas pelo genial Harvey Kurtzman, e são uma janela nefasta para o que ocorria nos fronts em que os EUA estavam envolvidos. Entre os destaques da edição estão "Rubble!", com arte de Kurtzman, onde vemos a saga de um pai de família norte-coreano em construir, pedra por pedra, a casa de sua família apenas para que tudo, a família e a casa, deixem de existir. A narrativa é um duelo de onomatopeias onde os sons destrutivos da guerra atropelam os miúdos chiados, rastejos e marteladas que levantaram um lar. Esta história vai ser homenageada pela dupla Jason Aaron e R. M. Guera em uma edição fechada de Scalped mais recentemente. Em "Corpse on the Imjin", também com arte de Kurtzman, temos uma reflexão sobre a vida e a morte durante tempos de guerra. Como o espetáculo da morte, mesmo no caso de um corpo flutuante no rio Imjin, pode ofuscar a vida, ainda mais na soturna rotina da guerra: “Muitas coisas bóiam no Imjin! Madeira velha, caixas de munição, embalagens de ração, cápsulas de bala!… nós ignoramos estes destroços flutuantes! Por que então, um corpo sem vida chama tanto a atenção do nosso olhar?... bom, apesar de esquecermos, a vida É preciosa, e a morte é horrível e nunca passa despercebida!” Um quadrinho angustiante. Este material, entre outros da EC, estão na lista dos quadrinhos com mais urgência de serem publicados no Brasil. Já está na hora de alguma editora tomar a frente desse projeto e trazer o catálogo da EC para cá, principalmente o material de crime e guerra.

10 - MULTIVERSITY – Grant Morrison e vários artistas (DC Comics, 2014-2015)

Fechando essa lista está mais uma história de super-heróis, e, pior ainda, uma história de uma das grandes editoras! Mas, inegavelmente, os especiais de série Multiversity estão entre os melhores e mais instigantes quadrinhos que li em 2015. Escrita por Grant Morrison e com arte de vários artistas, a minissérie conta a história de um perigo tão grande que obriga heróis de várias dimensões a se unirem pra resolver o problema. Essa parte é dispensável. É interessante como Morrison abusa das metáforas para mostrar como a super comercialização dos heróis, as preocupações do mundo real e os limites editoriais estão matando o quadrinho de super-poder. Os monstros que ameaçam a realidade da história são a corporificação desses problemas e são chamados de The Gentry, uma crítica direta da gentrificação realizada no meio pelos grandes estúdios que chegam desconstruindo e reformatando os personagens. Interessante, mas dispensável, já que acaba por levar a uma outra história sem fim. O que é realmente interessante é o intricado multiverso que Morrison constrói e como cada edição especial é carregada da criatividade e da ousadia narrativa que são a marca do autor. Publicada em sete capítulos e mais um guia do multiverso, cada edição da minissérie é uma janela para um mundo paralelo do universo DC que se encontra às margens da destruição total, e temos até uma edição que se passa no “nosso” mundo e que tenta esclarecer a noção de “super-herói” que o autor prega.

Em destaque temos os deliciosos S.O.S. e Thunderworld, um universo de aventura pulp e o mundo de Shazam, respectivamente. Poucos trabalhos do autor são tão diretos quanto estas edições. Em Society Of Super-Heroes, com a belíssima arte de Chris Sprouse, um grupo de aventureiros se reúne para evitar um armagedom inca, e falham. Em Thunderworld, junto com Cameron Stewart, Morrison mostra como se faz história de super-heróis do jeito certo – muita aventura e um otimismo infantil que faz com que os heróis lutem com um sorriso no rosto mesmo diante da invasão final de Doutores Silvana de todas as dimensões.

De acordo com o mapa que o autor desenvolveu, o posicionamento da dimensão em relação a ele

 indica o quanto de realismo ou ingenuidade uma determinada dimensão agrega. No lado diametralmente oposto ao sonho juvenil dos Marvels está a edição Pax Americana, uma crítica quadrinística cifrada endereçada a Alan Moore. Retomando sua parceria com Frank Quitely, em Pax há uma intenção clara de ser uma interpretação de Watchmen. A dimensão em que se passa a história é a da Charlton Comics, lar do Besouro Azul, do Questão e do Capitão Marvel, a matriz original da série da obra-prima de Moore. Pax é uma pequena obra-prima em si mesmo, mas seu hermetismo e obsessão acabam por diluir o prazer da leitura. Mesmo assim o roteiro levanta vários questionamentos interessantes, como o momento onde explica o sucesso dos filmes de super-heróis: “Após a queda das torres, nós vendemos sonhos infantis para adultos amedrontados.” Questão e Capitão Átomo são outros destaques da revista, mas valem ser lidos e não narrados aqui.

Ultra Comics e O Guia do Multiverso são os capítulos mais metalinguísticos. Ultra Comics é o herói criado em um mundo sem super-heróis. Na verdade trata-se de uma revista em quadrinhos com uma ideia memética que funciona como um super-protetor psicológico que é acionado quando a revista é lida. Um capítulo muito interessante e que merece ser lido duas vezes para ter o efeito desejado. O guia é um passeio pelas diversas outras dimensões concebidas pelo escritor. Temos também The Just, uma deliciosa dimensão onde os anos 90 nunca acabaram e os filhos dos heróis desse período reencenam as lutas clássicas de seus pais enquanto festejam como adolescentes ricos. Uma homenagem ao Reino do Amanhã e aos anos Image da DC. Fica faltando apenas Mastermen, uma dimensão onde o foguete de Super-homem cai na Alemanha e o presente é dominado pelo terceiro Reich. Os heróis que resistem são considerados terroristas e há uma boa emulação de como a realidade pode ser distorcida entre um país e outro. Mas, nesse sentido, o Bendis lá no começo desta lista fez muito melhor. Multiversity está sendo publicada no Brasil pela Panini no mix picareta da série Multiverso DC.

É isso meus caros! Até a próxima.