Rapidinhas Raio Laser #11: by Pedro Ribeiro

O nosso leitor e colaborador Pedro Ribeiro recebeu a missão de resenhar quatro gibis que recebemos por aqui e dar continuidade ao chamado "padrão Raio" de resenhas rapidinhas: avaliação honesta, não sem qualidade analítica, da nossa produção nacional (hoje com uma exceção estrangeira). Segue: (CIM)

por Pedro Ribeiro

Deus aos Domingos – Rafael Campos Rocha (Veneta, 2018): À primeira vista, esse gibi me agradou muito, pois possui capa bonita e acabamento gráfico muito atraente, muito melhor do que o formato gigante da obra anterior (Deus, Essa Gostosa, Quadrinhos na Cia., 2012). Não li as outras histórias da personagem mas sei que se tornou popular e polêmica por ser uma Deus mulher, negra e com apetite voraz por sexo. E como essa Deus é lasciva: a mente de Rafael é fértil e ele pira na narrativa, com ideias imprevisíveis, interessantes e sexuais. A história flui bem, ora com Deus se deslocando com seu marido na cidade de São Paulo, ora em outro planeta futurista com sua esposa, ora trepando gostoso com uma divindade em forma de coelho. Deus é onisciente, faz tudo ao mesmo tempo e tem muitas demandas. Mas se reserva a não querer trabalhar aos domingos. Em relação à aprovação da personagem pelo público leitor, devo dizer que o autor está se lixando, já que na introdução diz não se importar de maneira nenhuma (na verdade diz que nem consegue escutar) com críticas à sua obra. Embora eu não curta o tipo de desenho executado na HQ, cru e com acabamento simples (o autor dirá que é de propósito), e o excesso de críticas políticas em alguns momentos, a história me prendeu e eu não consegui parar de ler até chegar ao final.

Cangaço Overdrive – Zé Wellington e Walter Geovani (Editora Draco, 2018): “A mistura do antigo/ com o digital/ dá onda futurista/ mas não é sensacional”. Pensei nesse cordel para acompanhar a história analisada, que se passa em um Ceará futurista, onde um grupo rebelde residente na comunidade do Preá luta contra polícia corrupta manobrada por interesses corporativos. Nesse cenário de cyberpunk nordestino, os rebeldes descobrem dentro de uma caixa estranha Cotiara, um cangaceiro do século passado em animação suspensa. Ao despertar, Cotiara demonstra força sobre-humana e agilidade, sendo quase invencível, tornando-se um bom aliado para os rebeldes. Mas obviamente, em outro lugar, seu inimigo do século passado também é despertado, o temível coronel Avelino.

A história tenta envolver o leitor em um ambiente futurista, tanto no visual dos personagens quanto nas cores e linguagem usada ao longo da história, enquanto também usa texto antigo na forma de poesia de cordel. Um aspecto que incomodou na história em muitos momentos é o demasiado excesso de palavrões e gírias regionais, tornando um pouco difícil e chato o entendimento dos diálogos para quem não é do estado do Ceará. Seria uma dica boa ler o gibi com um dicionário de Cearês ao lado? Existem alguns por aí em livrarias.

É verdade que o roteiro escrito por Zé Wellington se baseia em uma ideia original e sua execução na maioria do tempo vai bem, exceto em situações previsíveis que poderiam ter sido evitadas. Existem clichês básicos ao longo da trama, como a mulher que Cotiara amava ser morta por seu rival bem no momento que resolvem fugir para levar uma vida tranquila a dois. O storytelling do gibi é bom, mas a arte com layout de Walter Geovani e acabamento de Luis Carlos Freitas não empolga. Talvez uma arte 100% feita por Geovani, que desenhou fase recente de Red Sonja escrita por Gail Simone, tivesse mais qualidade gráfica. Por fim, quando a história se aproxima de seu ápice, existem momentos cômicos (ou constrangedores) durante a briga final, onde pipocam comentários dos internautas que estão vendo a ação online.

Guardiã – A Detetive do Sobrenatural – Robbert Damen (Avec Editora, 2016): Ao ver a capa e folhear essa HQ, produzida pelo holandês Robbert Damen, fiquei me perguntando: por que publicar isso no Brasil? Continuamos tendo em nosso mercado de grandes talentos nacionais alguns escritores e artistas brasileiros semi profissionais (ou semi amadores) na luta em botar suas publicações na praça, seja com auxilio de leis de incentivo ou botando o dinheiro do próprio bolso. É importante dar um voto de confiança para esses autores brasileiros, um dia eles podem se desenvolver, profissionalizar e se tornar grandes talentos. Mas a obra em questão me intrigou: está muito longe de ser uma representante à altura dos quadrinhos europeus que precisamos conhecer. Precisamos, inclusive, continuar vendo publicações de quadrinhos europeus de qualidade aqui, que exploram novas possibilidades e ampliam nosso horizonte. Li recentemente as histórias de Contos de Aldebaran e Blacksad e foi uma experiência maravilhosa. Com Guadiã, a Detetive do Sobrenatural, não foi o caso Guardiã é uma mulher que desafia os preconceitos da época e ajuda a Scotland Yard a resolver casos misteriosos envolvendo a nobreza local e seus segredos. O livro possui três histórias, mas curtas e com pouca densidade, como se fosse uma tira de página inteira de domingo um pouco mais expandida. Algumas ideias são interessantes, outras forçadas. O desenho no geral é até bom, mas a arte-final deixa muito a desejar, simples e insegura.

Cadafalso – Alcimar Frazão (Mino, 2018): Essa é uma história em quadrinhos de autor maduro e preciso em sua narrativa gráfica. O escritor e artista Alcimar Frazão já tinha ganhado fama com sua HQ O Diabo e Eu, sobre a vida do bluesman Robert Johnson, também publicada pela Mino em 2015, e agora retorna com uma sequência de histórias curtas em Cadafalso. Guerra, trabalho, religião, arte e morte são alguns dos temas dessas histórias, que acontecem em tempos e países diferentes, algumas de maneira bem verossímil, outras mais surreal. O que liga uma história a outra é o mesmo personagem, uma representação física do próprio autor, que fez boa pesquisa imagética e histórica dos ambientes que se propôs a retratar. Os episódios contidos no livro são em sua maioria de conteúdo sombrio e chocante, como a de um artista renascentista que mata pessoas para depois amarrá-las e pintar belos quadros, ou a de um senhor que mistura seus desejos sexuais com o cano da arma que tem em casa. Mas há episódios mais palatáveis, como a história de guerra civil na Barcelona de 1937, e a de um motoboy em sua rotina frenética ditada por mensagens sms de celular, que remetem ao início dos anos 2000. Definitivamente uma obra para leitores adultos e mais rigorosos com os quadrinhos que procuram em livrarias, e que certamente será publicada em outros países.