De pai pra filho: dia dos pais na Raio Laser!

De pai pra filho: dia dos pais na Raio Laser!

Convidamos alguns integrantes da equipe da Raio Laser para indicar leituras de quadrinhos para os filhos, no contexto da comemoração do Dia dos Pais. O que temos a seguir são relatos de caráter fortemente pessoal, que remetem à relação dos articulistas com os próprios pais e com seus filhos. Fica patente uma espécie de luta – inconsciente – para não deixar o fogo do amor pelas HQs se apagar. Não estranhe se um cisco cair no seu olho durante a leitura. Acontece nas melhores famílias. (MMA)

por Marcos Maciel de Almeida, Bruno Porto e Márcio Jr.

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Do registro indestrutível da memória: sobre Marjane Satrapi


Após um pequeno hiato para que nosso time de redatores possa respirar, voltamos à ativa na Raio Laser com a estreia de mais uma querida colaboradora. A bola da vez é de Gabriela Sobral (blog dela aqui), jornalista, analista de comunicação e fã de quadrinhos. Gabi tem talento e sensibilidade para as narrativas eternamente (e ternamente) afetivas, e resolveu se debruçar um pouquinho sobre a obra da querida (em vários meios) quadrinista iraniana Marjane Satrapi. Esperamos, logo, mais colaborações da Gabi. Seja bem-vinda! (CIM)

por Gabriela Sobral

Sagas da família, álbuns de família, histórias que os avós contam sempre foram coisas muito caras para mim. Sempre procuro algo nesse cheiro de passado, por puro encanto; uma necessidade de me perceber naquelas pessoas. Esse diálogo com a minha memória até hoje é essencial para a construção do que sou, e aos poucos vou tecendo um elo entre os “eus” antigos e os presentes. Essa introdução justifica o interesse em escrever sobre a obra da Marjane Satrapi, nas quais vejo os retratos de pessoas que não conheci, mas que adquiri. Agora, deixemos de lado minhas enrolações e vamos falar de quadrinhos. 

Por causa de meu hobby mofado, assim que tive contato com a obra de Satrapi, senti uma identificação imediata com a abordagem da quadrinista que mistura história, histórias de vida e um resgate de suas experiências, pois a narrativa nada mais é do que contar memórias, reais ou criadas. 


A memória pode surgir daquilo que adquirimos seja por experiências próprias ou pelo contato com outros; é a manifestação do que está arquivado em nós. Essa célula, parte do que somos, pode se manifestar de diversas maneiras, e a autora as manifestou por meio de seus belos e sensíveis quadrinhos, a partir de acontecimentos-chave na História do Irã que se confundem com a rotina privada da família Satrapi. Se você está achando esse texto meloso, a intenção é essa. 

Talvez a obra de Marjane comunique tanto por trabalhar com sentimentos presentes nas consciências coletivas de muitas pessoas. Apesar de trabalhar mais propriamente a realidade iraniana, conflitos sociais, repressão, retratos de governos autoritários, conflitos familiares, imigração e questões existenciais são temas que estão presentes na vida de várias nações. Além disso, em toda a sua obra essas questões ‘macro’ são mostradas pela perspectiva privada, da convivência familiar. Podemos perceber e entender o comportamento daquela realidade pelas conversas das mulheres, enquanto tomam seus chás, pelas relações amorosas, pela necessidade de liberdade, pela relação entre pais e filhos, pelo papel da mulher naquela sociedade, etc.

Em Persépolis encontramos uma obra mais profunda, com elementos que nos passam tanta verdade que é difícil não se sentir sensibilizado com aquilo, em algumas passagens. Contudo, em outras histórias, com um recorte mais específico, como Frango com Ameixas e Bordados, encontramos situações mais esmiuçadas. Essas relações entre quatro paredes fazem o leitor criar todo um imaginário emocional, capaz de catalisar uma identificação com todas as experiências de Marjane, fazendo com que o leitor se encontre, muitas vezes, com suas próprias memórias familiares (pelo menos no meu caso). 

 Em Bordados vi isso quando encontrava pontos de semelhança com aquela muralha de mulheres, que sempre me rodeou, falando sobre sexo, virgindade, aflições e política, e eu sentia que estava ‘ventilando o coração’ junto com as tias, avó e as amigas das avós de Marjane. Talvez essa ligação entre leitor e narrativa aconteça em cima de espaços e tempos que não conseguimos definir ou localizar, uma vez que nossas memórias são construídas entre emaranhados de lembranças e vivências de terceiros. De acordo com Halbwachs, “sempre levamos em nós um certo número de pessoas inconfundíveis” e de histórias inconfundíveis, e isso acaba, de alguma maneira, ficando inscrito em nós. Por mais que essas lembranças pertençam à autora, são construídas e apoiadas pela coletividade, ou seja, dentro de nossas cabecinhas. Dessa maneira, cada quadradinho se eterniza não só no registro material – livro – mas no registro indestrutível – a memória.