![]() |
Supers... |
Gibi de super-herói é uma desgraça.
Queima o filme de todo mundo. Queima o filme de quem faz porque é uma indústria
atolada em fórmulas. Queima o filme de quem lê porque trata de um universo
(absolutamente púbere e masculino) maniqueísta, primário e ridículo, onde 95%
dos personagens não sabe a ordem das roupas a serem vestidas. Um universo de
mentirinha. Coisa de criança – por mais que tentemos provar o contrário. Por
fim, queima o filme das próprias histórias em quadrinhos enquanto linguagem
elaborada e válida (em suma, enquanto veículo de criação artística). Gibi de
super-herói é uma desgraça... mas é legal demais!
Gibi de super-herói é legal demais
porque é criatividade no talo. A vida é mais difícil quando você tem que
enfrentar o status quo, posições pré-concebidas e pré-estabelecidas. Nada é
mais pré-concebido e pré-estabelecido que um gibi de super-herói – mesmo quando
é pra lá de radical. Poucas coisas no mundo podem ser mais conservadoras. Mas
alguns poucos criadores dão um jeito – não sei como – de enfiar um megaton de inventividade
bizarra nessa camisa-de-força.
É uma pena sem tamanho percebermos que
as últimas décadas assistiram a indústria dos comics abrir mão da essência
deste gênero. Trocando em miúdos, vieram com o papo furado de fazer os
super-heróis “mais adultos e realistas”. Se é para ser adulto e realista,
pra que super-herói? O resultado são os gibis horrorosos, guiados por estratégias
de marketing bisonhas, sempre colocando a tal indústria à beira da falência.
Tem gente que engole a isca. Não o leitor Raio Laser.
Tapamos o nariz e mergulhamos no esgoto quadrinístico para
trazer à tona algumas das HQs de marombados usando collant que ainda valem a
pena em pleno século XXI. Não tenha dúvida: são exceções que confirmam a regra.
É um trabalho sujo. Mas alguém tem que fazê-lo. (MJR)
por Márcio Jr., Lima Neto, Marcos Maciel de Almeida e Ciro I. Marcondes
Gavião indie
Gavião Arqueiro – Minha Vida Como Uma
Arma
(Matt Fraction, David Aja, Javier Punido – Marvel/Panini, 2015)

A
coisa é muito simples: Fraction transforma Clint Barton, o Gavião, num cara
comum, ressaltando o fato de que ele faz parte dos Vingadores, mas não tem
nenhum super poder. De certa maneira, a natureza totalmente mundana de Barton
torna sua índole também meio mundana. Ele vira tipo um personagem de sitcom.
Come churrasco, se arrebenta, trepa. Os diálogos têm lá sua porção irritante:
já repararam que os americanos entre 25-35 anos falam sempre 100% em chave de
ironia? Basta pensar tudo ao contrário para entender o que querem dizer de
verdade. Esta série do Gavião Arqueiro tem um pouco esta vibe. Diálogos
rasteiros e “bem sacados” que na verdade são signo desta babaquice
contemporânea.
Sim,
Gavião Arqueiro faz parte deste descomunal esforço de pelo menos uns 20 anos
pra cá em deixar os super-heróis “próximos da realidade”, o que os afastou de
qualquer encanto que tivessem e até da sua própria razão de existir. Mais do
que este apelo até fisicamente mais “real” – a série começa com Clint
hospitalizado porque caiu quando saltava de um prédio para o outro, como
super-heróis, de maneira inverossímil, geralmente fazem –, o que torna esta
série interessante é mesmo a qualidade plástica de arte de Aja, somada aos
devaneios narrativos propostos por Fraction.
É
verdade que li apenas o primeiro encadernado da Panini (Minha vida como uma
arma) A editora já lançou mais um, Pequenos acertos, que reúne as edições 6 a
11 da publicação gringa, e outro somente com a Gaviã Arqueira, sidekick mais
recente do herói, em voo (sic) solo (Gaviã arqueira: vingadora da costa oeste).
A série americana vai até o número 22 e encerrou em 2015.
Portanto,
mas do que uma HQ particularmente interessante por seus temas e tratamentos no
roteiro, Minha vida como uma arma é uma bela peça de design em quadrinhos.
Especialmente, é claro, nas três primeiras histórias, ilustradas por Aja (as
outras duas têm o lápis já não tão sofisticado de Javier Punido), que compra
totalmente a pala de Fraction. Os requadros aqui alternam funções estéticas
(microrrequadros; megarrequadros; metarrequeadros) e decorativas, como se
organizar uma HQ fosse posicionar um jarro e um abajour, combinar com telas de
pintores, fazer feng shui, etc. Aja ainda trabalha com paletas de cores em
variações próximas (roxo, bege, pastel), criando temperaturas e aclimatações
sensacionais para as histórias. No final das contas, este é um trabalho de arte
bem pensado, bem conceituado, eximiamente bem executado, que nos coloca a par
dos movimentos dos heróis, suas dores, sua humanidade latente. Não é supers
“clássico”, é claro, mas, a este altura esquizofrenizante da pós-modernidade,
quem realmente se importa? (CIM)
Velho Wolvie: honestidade e porradaria
Wolverine:
O Velho Logan (Mark Millar e Steve McNiven - Marvel/Salvat,
2014)

A atual crise dos quadrinhos de
super-herói é mais evidente que o golpe político em curso no Brasil. Algumas de
suas raízes mais profundas podem ser encontradas nos anos 1990, quando
estratégias de marketing substituíram a criatividade nos gibis norte-americanos.
Especulação desenfreada, autores inflacionados e público envelhecido e acrítico
foram a tônica do período, cristalizada no surgimento da Image Comics. Não
foram tempos bonitos.

Futuro. Os vilões venceram. Os Estados
Unidos estão destruídos e loteados. O Rei do Crime manda num pedaço, Dr.
Destino em outro e por aí vai. Há 50 anos Wolverine não coloca as garrinhas de
fora. Vive como fazendeiro com a esposa e dois filhos numa área dominada pelo
Hulk e seus descendentes canibais. Está devendo o aluguel e isso é inadmissível
para a prole esverdeada. Encara então atravessar a América como motorista de um
Gavião Arqueiro cego, no intuito de entregar uma encomenda secreta do outro
lado do país, buscando manter intacto seu pacto de não-violência – e garantir
os trocados que manterão suas terras e sua família.
Este é o plot de O Velho Logan. Simples, mas honesto. O que interessa aqui é a
maneira eficiente e perspicaz com que Millar desenvolve a narrativa. Mais do
que em tramas e subtramas, o roteirista investe nos personagens, na ambientação
pós-apocalíptica à la Mad Max, na pegada road movie, no humor negro e em
violência. Muita violência.
Se nos gibis estricnados da Image a
violência tinha fim em si mesma, tentando forjar um recheio acima do escopo
infanto-juvenil, em Logan o que temos
é uma violência estilizada, tal e qual um filme de Tarantino ou Sam Peckimpah.
Para ser bem-sucedido na empreitada, Millar contou com o melhor dos escudeiros,
o desenhista canadense Steve McNiven.

Com extensa e bem-sucedida lista de
serviços prestados à Marvel, Mark Millar usa como poucos o rico panteão da
editora. A justificativa apresentada para Wolverine ter se retirado da ativa por
meio século é surpreendente. Assim como também o é o modo com que o baixinho
faz seu acerto de contas com o Hulk – mostrando ser possível apresentar novas e
interessantes perspectivas para um dos antagonismos mais históricos e legais
dos comics. O final da HQ traz ainda uma outra referência, desta vez fora da
seara dos supers: o Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima. Cool.
Wolverine:
O Velho Logan é claramente uma HQ ambientada fora da
“cronologia oficial” do Universo Marvel. Aquele papo de realidade alternativa,
mundo paralelo ou coisa do tipo. Em uma indústria que produz reboots semestrais
de seus personagens e que não tem o menor respeito pela tradição, só mesmo um
imbecil para acreditar em “cronologia oficial”. Portanto, não tenha dúvidas: o
Wolverine de Millar e McNiven é uma das versões definitivas do herói. E das mais divertidas. (MJR)
Overdose
legionária
Legion of Three Worlds (Geoff
Johns e George Pérez – DC Comics, 2008)

Mas
afinal, do que se trata o tal Legião de
Três Mundos? É uma história que tem como protagonistas o Superboy e não
uma, mas três versões da Legião do Super-heróis: aquela surgida depois de Crise Infinita, a de 1994 e a de 2004. Mas
por que cargas d'água eu – um Legion hater – teria escolhido este gibi para a
coluna “Gibis de super-heróis que valem a pena”? Será que estou ficando doido? Not
so fast, Kid Flash. Adoro LTM porque,
ao longo de suas 5 edições, o gibi mostra o Superboy original matando
Legionários de todas as formas possíveis e imagináveis. Simples assim.
Quer
dizer que o Superboy agora é vilão? Sim. Mas quando foi que aquele garoto que
ia mudar o mundo começou a frequentar as festas da Legião dos Super-Vilões?
Resumo
rápido. O Superboy, na sequência dos eventos de Crise nas Infinitas Terras, ficou exilado numa dimensão paralela
com outros personagens, dentre eles o Super-Homem da Terra 2. Aos poucos, ele
começou a cultivar um ressentimento contra a Terra do Universo DC pós-Crise, já
que sua preciosa realidade original tinha sido erradicada. Amargurado com seu
destino, Superboy fica putaço e resolve sair do limbo. Sua missão? Ferrar com a
vida dos outros, afinal sua vida já estava ferrada. Assim surgiu o novo enfant
terrible das HQs, agora rebatizado de Superboy Primordial. Após uma série de
traquinagens, como vimos durante sua participação em Crise Infinita e na guerra dos Lanternas Verdes, o moleque
superpoderoso vai parar no século 31, louco para destruir todo Legionário que
encontra pelo caminho. Desejo-lhe sorte em sua jornada, Superboy. Tamo junto,
parceiro.

Uma
coisa bacana de Geoff Johns é o sentimento de pertencimento ao Universo DC que
ele costuma imprimir em suas sagas. Não tem essa de cada supergrupo ficar
isolado em seus microcosmos. Por isso, em LTM abundam referências tanto aos
Lanternas Verdes quanto aos Titãs. E quem conhece o escritor já sacou qual é a
dele. Surpresas mil, ressurgimento badass de personagens esquecidos, mortes e
ressurreições. Ele faz isso muito bem, embora recorra a isso o tempo todo. São
tantas idas e vindas que você já abre a página seguinte pensando: "Ok,
qual a reviravolta que vou encontrar agora?". É divertido, mas repetitivo.
E por falar em reaparições, já vou avisando logo: o horrendo Connor
"Superboy Cospobre" Kent está de volta.
LTM
é legal, porque é pura zoeira. Presta homenagem ao riquíssimo legado do
Universo DC sem ser pedante. É um gibi que está a fim de entreter. Se você
estiver interessado em reflexões e papo cabeça, fuja. O papo aqui é reto, mas
não se leva a sério. Se gosta da Legião dos Super-Heróis, vai se emocionar.
Senão é fã, vai se deleitar. Palavra de escoteiro. (MMA)
Legado dos besouros
Blue Beetle (John Rogers e Rafael Alburquerque, 2006-2009 – DC Comics)


A
série foi toda republicada nos EUA em
edições encadernadas, mas é em dois volumes específicos, Reach For The Stars e Endgame,
que encontramos o ponto alto da série. Jamie Reyes é o típico personagem que
foi desenvolvido para trazer representatividade latina para o rol de títulos
da DC, com direito até a uma edição totalmente escrita em espanhol. Porém,
misturado a este esforço de representação está o tipo de ação super-heróica que
carrega em seu DNA um tanto de Homem-Aranha misturado ao sci-fi de um Lanterna
Verde dos anos 60; e uma boa dose de nostalgia e legado. Tudo isso embalado na
belíssima arte de Albuquerque ainda sem o peso dark de sua passagem pela
Vertigo.

John
Rogers é roteirista e produtor de TV (criador de séries como Leverage e
Librarians, esta ainda no ar) e segue a tradição da DC em trazer autores de
outras mídias para dar visões mais frescas para personagens sem uso e que se
apoia fortemente na tradição da editora. Assim aconteceu com James Robinson,
cuja influência de seu Starman é visível em Blue
Beetle, e com o atual chefão da editora Geoff Johns (que também sabia
trabalhar com a História dos personagens, mas que terminou por perder a mão). (LN)
0 comentários
Postar um comentário