1:
o sonho de voar
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O voo: a fantasia é o que legitima o super-herói |
Certo dia, quando estava
elaborando algumas linhas de pensamento para escrever um texto sobre a sérieGuerra Civil, da Marvel, que estava
lendo no momento, eu adormeci. Curiosamente, estas elocubrações bem conscientes
e planejadas acabaram transformando-se no mundo absurdo e sem rédeas do sonho.
Não tão exótico, mas significativo: um sonho de voo. Este tipo de sonho não é
novidade para mim. Desde criança sonho que possuo a habilidade de voar, seja
flutuando como um astronauta, dando rasantes como um jato, ou vertendo o céu
aberto, como um super-herói. A quantidade de vezes em que mergulhei na
experiência do voo (que é contagiante e prazerosa) me fez ter sonhos
continuados a respeito deste assunto. Se, em um sonho, eu estava
desajeitadamente aprendendo a voar, no seguinte eu já tinha domínio e podia me
exibir narcisicamente para as outras pessoas. Depois de centenas de sonhos deste tipo, me tornei um mestre na arte
do voo, e passei a uma nova etapa:
desenvolver uma ciência do voo, que é refletir, durante o sonho, sobre a
habilidade técnica de voar, sua natureza e limitações, etc. A ciência do voo,
por sua vez, me despertou para pensar numa ciência do super-herói.
Em sonhos de voo, é
comum que algumas fantasias se realizem. Você vai até o alto dos prédios, sobe
em lugares inusitados, invade a casa das pessoas, foge de seus inimigos. No
caso deste sonho específico, eu pensava exatamente na capacidade que o
super-herói tem de voar (alguns deles, pelo menos: tenho certeza de que este
sonho foi disparado por um comando, um tanto ridículo, do Capitão América na
última edição de Guerra Civil. Quando
vários super-heróis estão caindo ao mesmo tempo, ele grita, em pleno ar:
“voadores!” “segurem um amigo!” Fiquei um tempo
mergulhado nesse comando “voadores!”, e na subdivisão de um grupo imenso de
heróis em tipos, qualidades e castas). Então, alcei voo e subi até o terraço de
um prédio velho e detonado de apartamentos. A princípio não percebi que estava
na casa de outras pessoas até que vi objetos pessoais no terraço e depois ouvi
passos e vozes. Quando percebi que o casal dono da casa vinha em minha direção,
procurei me esconder sentado em um sofá atrás de uma parede. Meu dilema, mais
como um super-vilão do que como herói, era o de decidir sair correndo, dar um jump pela abertura do terraço e sair
voando. Como o poder do voo nem sempre nos obedece direito, fiquei com medo,
mas não havia outra alternativa. Saí correndo e, na hora do pulo, eu despertei.
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"Voadores!" |
Este preâmbulo sobre um
sonho de voo tem a intenção de nos fazer pensar sobre a fantasia heroica como
um todo, e sobre como ela está guardada em um inconsciente irracional, domínio
do desejo, fora de uma zona de demarcação de limites regulatórios e
representações (fora da representação mimética, portanto). Voar está entre
nossas fantasias mais selvagens e impossíveis. Este ato imaginário representa uma
das rupturas mais radicais que podemos ter com o mundo premeditado e calculado
dos atos cotidianos. É uma fantasia tão livre e agride de tal forma nosso eixo
cotidiano de pagar contas, trabalhar e batalhar as coisas diárias que os gregos
guardavam o voo para os deuses. Quando dois homens comuns resolvem mimetizar
este ato (Dédalo e Ícaro), mesmo que seja com astúcia e inteligência, são
castigados fausticamente pela ousadia do conhecimento. Pela ousadia da ciência.
Voar é para os deuses. Voar é um ato de fantasia. Não à toa, cada vez mais o
gênero dos super-heróis passa a ser chamado de “fantasia heroica”, sendo
situado não mais entre a especulação técnica “hard” da ficção-científica, mas
sim na elaboração livre da fantasia. Tzvetan Todorov situaria o gênero entre o
“fantástico” (onde há uma explicação, por anormal que seja, para o evento fora
do comum) e o “maravilhoso” (onde o evento fora do comum ocorre simplesmente
porque é assim, sem nada que justifique seu destacamento de nossa realidade).
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Cap makes a correct statement |
Essas coisas vieram
imediatamente em minha cabeça quando despertei do meu sonho, e foi também
imediatamente que o compreendi: aquelas pessoas normais do apartamento estavam
querendo que eu abandonasse o voo. Elas representavam a série Guerra Civil e sua tentativa de normatizar
os super-heróis segundo uma histeria de controle contemporânea. Em meu sonho,
esta HQ estava me proibindo de voar, “cortando as asas”, e fazendo o mesmo com
os super-heróis como um todo: estavam sendo proibidos de serem como sempre
foram, e de servirem, de maneira geral, para o que sempre serviram: para que
fossem nossa fantasia de liberdade absoluta. Esta fantasia da liberdade estava
sendo substituída por uma outra fantasia, social e fetichista, a fantasia de
controle.
2:
Guerra Civil e uma sintomática social

Este lado risível de
toda cultura de super-heróis foi muito bem demonstrando por Alan Moore com Watchmen (uma leitura que deveria fazer
as pessoas abandonarem de vez a leitura de super-heróis mas que,
paradoxalmente, as faz continuar lendo com mais assiduidade) e não preciso
elaborar muito mais. Basta lembrar a luta histriônica que se trava entre os
dois “exércitos” do recente Kick-Ass 2,
que é encenada como clímax da tensão que se constrói durante o filme, mas que
em nenhum momento abandona o verniz do ridículo, afinal, trata-se de uma
paródia de tudo isso que estamos comentando. A série Kick-Ass, por sinal, é baseada em HQ de Mark Millar, curiosamente o
mesmo roteirista de Guerra Civil.
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Quanto mais super-heróis em uma história, pior ela é? |

Guerra
Civil parte de um mote muito interessante: um acidente
com super-heróis irresponsáveis que se exibiam para um reality-show provoca um desastre de enormes proporções e a morte de
centenas de civis, incluindo muitas crianças de uma escola. Após este evento, a
sociedade civil passa a questionar a legitimidade de atuações dos super-heróis
fora do perímetro da lei. Intensos debates ocorrem, e a existência dos
super-heróis é colocada na berlinda. Uma lei é aprovada no senado americano:
todo super-herói que não se apresentar à SHIELD (órgão do governo) para ser regulamentado, institucionalizado e corporativizado
como uma espécie de super-policial, será declarado como fora-da-lei e, por
consequência, caçado pelos seus pares que se apresentaram. Um grupo oficial e
temente à lei, liderado pelo Homem de Ferro, se forma, e outro, rebelde,
liderado pelo Capitão América, terá o papel de antagonizar o primeiro e lutar
pela integridade da função original dos super-heróis, que certamente não inclui
obedecer a políticas de governo.
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Começa a corporativização dos super-heróis |
Estes sintomas de Guerra Civil pertencem, evidentemente, a
um quadro maior. Hoje, cada vez mais, os Estados nacionais veem como solução
para os problemas sociais apenas a regulamentação, classificação e
burocratização de todo tipo de demanda pública, e as instituições, ao invés de
ajudarem o indivíduo, o aprisionam em seu próprio fisiologismo. Hospitais se
tornam infernos intermináveis de processos em etapas degradantemente desumanas;
delegacias de polícia se tornam depósitos de boletins de ocorrência que nunca
são investigados; processos jurídicos se tornam meios de reproduzir de maneira
pura e lógica a perversidade de seu próprio sistema de regras, enlouquecendo a
população. Foucault falava sobre essa perversidade intrínseca às instituições,
que elencam hierarquias para manter ordens de micropoder, regulando a sociedade
a partir de seus patamares mais elementares, e não em seus escalões mais
evidentes de poder. Já se vão décadas desde que Foucault denunciou estas
relações perniciosas, e o que vemos é uma intensificação destes sintomas. Não à
toa, tenta-se hoje em dia regular as manifestações que ocorrem pelo País (“não
usem máscara”, “não ultrapassem este perímetro”, “sem violência”, etc.), mas
esta tentativa vai de encontro à própria natureza da anarquia, que é avançar
sempre e sem concessões contra toda e qualquer regulação e qualquer
instituição. Um dos resultados são discussões bisonhas (para não dizer
bizantinas) em programas de TV, com âncoras abobalhados e atônitos, sem
conseguirem formar qualquer opinião sobre o assunto. Que uma discussão sobre coisas como essas
tenha chegado a um gibi de super-heróis em muito me surpreendeu, e
positivamente.
Mark Millar é um autor
muito talentoso e já havia conferido seu poder de subverter o universo dos
super-heróis em outras séries. Em Kick-Ass
ele vai levar estes conceitos ao paroxismo da pós-modernidade, realizando
ao mesmo tempo uma história legítima de supers e uma paródia que consegue, em
igual grau, ridicularizar e homenagear o fascínio por este universo. Em Superman - Red Son ele vai perpetrar sua
própria visão política sobre o caráter arquetípico dos heróis da DC entendendo
a História como uma narrativa que se assemelha a um jogo de xadrez, onde um
movimento qualquer em falso é capaz de desencadear elementos completamente novos
e radicais aos processos que se organizam na estratégia desta mesma História.
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Cena de Kick-Ass 2: ao mesmo tempo paródia e homenagem |
Millar parece
interessado em um processo irreversível de ler o super-herói sempre como algum
tipo de modulação de fenômenos históricos e sociais, como se fosse impossível,
hoje em dia, inseri-lo novamente no campo da fantasia (como vimos no começo
deste texto). Como se sua natureza própria tivesse se maculado de maneira irreversível
com as transformações dos anos 70 e 80, e, a partir de agora, só fosse possível
representar o super-herói de maneira esquizofrênica: sem se saber o que é, pra
que serve, como se insere na cultura contemporânea. Como se só pudesse ser
representado como metáfora, como sintoma, como signo de desarranjo.
3:
Diante da viralização de tudo, o super-herói em frangalhos

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A arte hiperdetalhista de Steve McNiven |
A primeira edição é
muito boa. Introduz os elementos principais para um intenso debate ético e
coloca todas as cartas na mesa. A arte de Steve McNiven, bastante primorosa,
ajuda a aclimatar este decadentismo
heroico. Obscura, mas ao mesmo tempo apegada a mínimos detalhes, como a
textura das roupas dos heróis, a costura de suas fantasias, além de cada
músculo de cada expressão facial, a arte de McNiven desde já aponta o tom de
seriedade épica (tal qual Alex Ross realizou em Reino do Amanhã) que a história vai assumir. Com a intensidade das
batalhas que vão se sucedendo na série, as roupas vão se transformando em
trapos verossímeis, como se cada rasgo tivesse uma origem bem pensada, e cada
arranhão doesse no herói como efeito real da maceração da carne viva.

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Think about the ratings! |
Desde cedo, Millar se
propõe e culpar uma cultura banal übermidiática (como o reality show, o
imediatismo da demanda por feedback virtual, além das decisões impensadas do
grupo, que são tomadas mais ou menos da mesma maneira com que se posta qualquer
idiotice em uma rede social) pelo deflagramento da guerra civil de
super-heróis. Speedball e seus amigos tomam suas decisões ao mesmo tempo em que
o nível de popularidade deles diante da Internet ou da TV sobe e desce como numa
gangorra, e o conteúdo de seu show procura refletir o mecanismo deste
imediatismo. Baseado em um ideal de performance diante de uma audiência, o reality show nada pode fazer a não ser
surfar sobre esta sequência de processos imediatos e incontornáveis. Speedball
e os Novos Guerreiros estão sob a pressão de um mecanismo que detém controle
sobre eles, e que, de alguma forma, acabou incorporando-os como parte de si
próprios, vertendo-os ao status de informação que precisa ser replicada a
qualquer custo, sem processamento, sem representação. É um mecanismo viral,
exatamente como este que percebemos nos vídeos e memes que são espalhados pela
Internet, mas em uma escala maior, mais complexa e que duplica também nossa
incapacidade de se fazer algo a respeito.
O teórico Muniz Sodré
diria que, na era da Internet, a informação precisa verter o espaço no menor
tempo possível (daí as decisões rápidas e não-processadas de Speedball),
tornando-se impossível que ela chegue a ser representação
(ou seja: que possa ser decodificada e reavaliada culturalmente). Como a
motivação destas imagens contemporâneas é a de se espalharem pelo espaço numa
temporalidade praticamente instantânea, elas apenas se reapresentam sem poderem ser crackeadas
pelo processamento humano, e o imediatismo do reality show, que em verdade é uma realidade deturpada que procura
assumir a nossa própria realidade, é um dos momentos mais intensos deste
mecanismo de reapresentação. O resultado é que nossa realidade e a realidade do
reality show nos parecem indiferenciadas,
tornando difícil o ato de achar sentido ético, existencial ou mesmo material
para as imagens que vemos nas mídias. Likes
no Facebook ou sinais de positivo no Youtube efetivamente se tornam importantes
como comer ou dormir. A rigor, Speedball, do alto de sua estultice, nem é
efetivamente um culpado.
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O super-herói na berlinda |
Millar compreende que
este esvaziamento da imagem contemporânea é o que embaralha o sentido ético
cristalino dos super-heróis, mergulha-os num mundo sombrio e gera a guerra
civil. Evidentemente, o autor escocês está também fazendo uma meta-crítica,
lendo a mídia quadrinhos como submetida, contemporaneamente, ao mesmo
imediatismo e aos mesmos processos e mecanismos que fazem dos reality shows o
que são, e da indústria dos quadrinhos o que ela é. Não à toa, se folhearmos
uma revista de comics contemporânea,
veremos uma revisteca de umas 20 páginas intercalando quadrinhos de ação pura e
propagandas. Vale lembrar que a DC
Comics é propriedade do grande merging
que foi a união da Warner Communications
(mídias visuais), da Time Inc. (mídia
impressa) e da AOL (mídia virtual), tornando-se o maior conglomerado de mídia
do mundo. Já a Marvel, ao ser englobada pela Disney, passou pro processo
semelhante. A replicação deste sistema evidentemente chega até o conteúdo dos
quadrinhos, como se fossem bonecas russas uma dentro da outra, e a crise geral
de representatividade institucional que relaciona o mundo corporativo ao mundo
cultural se reflete em Guerra Civil.
A grande questão é: Guerra Civil é o
que ela critica? Tendo sido amplamente difundida entre todas as dezenas de
títulos da Marvel, a saga foi um grande sucesso comercial e pode ser vista como
um ato de sabotagem que, ao mesmo tempo, impulsiona as vendas da editora e a
expõe ao ridículo. Funciona também como um apelo em homenagem a uma cultura
clássica de super-heróis que fenece, e é responsável por jogar uma pá de cal
sobre essa mesma cultura. O final, com o discurso otimista do Homem de Ferro, é
muito ambíguo, e absolutamente inconclusivo, se não maquiavélico e cínico.
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Stark: hipócrita e chorão |
Um dos sintomas destas
relações está na hipocrisia de Tony Stark. Enquanto, surpreendentemente, o mais patriota dos heróis, Capitão América, decide se refugiar na ilegalidade e no
anarquismo (mostrando que sua fidelidade era com o ideal inatingível e
fantasioso que gera a cultura do super-herói, e não com a pátria), o Homem de
Ferro, abraçando a iniciativa governamental e tomando a decisão de chefiá-la, é
acossado por constantes crises de consciência. Stark, o industrial, cientista,
gênio, figura calculista e metódica, precisa ser o vetor de toda essa
assombrosa transformação, e diferentes forças o puxam para todos os lados, seja
a mãe de uma das vitimas, seja a SHIELD, seja sua amizade com Steve Rogers.

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A rendição do Capitão América |
A rendição do Capitão
America no final, mesmo em meio a uma fulgurante vitória em campo de batalha,
não deixa dúvidas: de alguma forma, o Homem de Ferro está certo. Não há mais
vitória possível ao idealismo do super-herói. Sua trajetória é histórica, como
tudo o mais, e não há como deixar de pensar que a fantasia heroica não passa de
mais uma “velha roupa colorida”, goste-se disso ou não. Millar parece dizer:
“eu poderia fazer o Capitão América vencer, mas seria só no gibi. No mundo
real, o processo continuaria, irrefreável e constante”. Nós poderíamos clamar
que se volte a fazer histórias de heróis que nos permitissem voar, como as
coisas que Kirby, Stan Lee ou John Byrne faziam, mas sabemos que isso não é
mais possível, e que o super-herói contemporâneo só pode ser algo próximo de
uma aberração como Kick-Ass ou o Batman de Nolan.
Se formos prestar a
devida atenção, este processo de decaimento já está em curso desde as origens
espúrias, vagabundas, estritamente comerciais do super-herói na era de ouro,
sua decadência nos anos 50 e posterior renascimento com o herói humano, mas já
decantado, da Marvel. Como se fosse favas contadas, talvez fosse melhor para o
super-herói, em sua previsibilidade comercial, que ele tivesse fenecido com os
personagens da era de ouro, recolhido às suas significações meramente
históricas, mais um evento passageiro na trajetória das publicações pulp. Um código de censura permitiu que
ele ressurgisse levantando o bastião das histórias em quadrinhos nos Estados
Unidos, mas de alguma forma todos sabiam que aquilo era uma bomba-relógio: em
algum momento, sua própria inconsistência o faria implodir, transformando-se
num animal diferente (Grant Morrison? Mike Allred?) ou espalhando carcaças metalinguísticas
como Guerra Civil. Seria o
super-herói glamouroso que se descobre agora no cinema capaz de salvar o herói
em frangalhos dos quadrinhos? Eis uma boa pergunta.
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Quem pode salvar o super-herói em frangalhos? |
4 comentários
Sensacionais alguns pensamentos que li aqui, parabéns pela construção!
Excelente, Ciro! Tenho tanta coisa pra comentar que nem sei por onde começar. Apenas um aspecto por agora é imperativo: Infância. No seu sonho em que se escondia você era adulto ou criança? Acho que não tem como não pensar também a esquizofrenia dos super-heróis como uma reconfiguração (ainda em andamento e de destino incerto) sobre a infância. O que é ser um infante (sem fala, etimologicamente) hoje? Um pequeno adulto? Uma criança não identificada com o esteriótipo de infantil? Um futuro "herói da vida moderna" sem fantasias desde cedo? Divago... Não acho que disto venha uma resposta que mate a charada, sequer acredito em respostas assim, porém não consigo deixar de ver as mudanças do super-herói neste último século como uma mudança de percepção da infância e do infante. Na medida em que certas fantasias desde cedo são subtraídas, outras são realocadas. Talvez seja exatamente esse o papel do cinema blockbuster dos últimos anos, uma profusão de fantasia infantilizada para adultos mal-crescidos. Questões a considerar...
Abraço!
Interessante, Linck. No sonho eu era um adulto. Não me lembro de sonhar que era uma criança, depois de adulto. Certamente esse foco no blockbuster de super-herói atualmente tem algo a ver com o realojamento de alguma reminiscência infantil, mas daí podemos nos perguntar se o cinema como um todo, desde Méliès, os filmes de aventura dos anos 20, os musicais dos 30, os filmes de monstro dos anos 50, etc, tudo isso não faça parte de um imaginário coletivo que associa surrealismo, psiquismo infantil, fantasia simples e pura, recalques e desejos transversalizados. Benjamin falava algo assim dos desenhos do Mickey, e tal. Talvez o super-herói dos filmes contemporâneos (excetuando-se o Batman de Nolan, que vai na outra direção) sirva para manter esse imaginário onírico, delirante e escapista do cinema. Aquela chamada projeção-identificação com conteúdo psíquico reminiscente, como dizia Morin. Me preocupa, mais que a infantilização do filme para adultos, a corporativização e regulação da sociedade através de uma profusão viral de regras e de uma consciência fiscalizadora, que coloca uma câmera e um ato de vigilância em tudo que existe. No futebol, tamanha é a regulação de hoje em dia que um sujeito não pode nem tirar a camisa após comemorar, sabe-se lá por qual motivo (atentado ao pudor? regulação do corpo, etc). Na TV, até o entretenimento é algo vigiado (Big Brother, pegadinhas, etc). O próprio meio de transmissão dessas coisas (a câmera) é um aparelho de vigilância, ou de "vidência". Não é à toa que o conceito do super-herói nos quadrinhos, desde Watchmen, se adaptou tão bem a essas ideias. O super-herói virou "vigilante". Mais um pra vigiar a todos nós. O conceito tão nobre do "olhar" se transformou no infame "vigiar". Vigiar e punir. Grande abraço!
bom texto, me lembrou algo que o Alan Moore diz em Supremo: "talvez a gente só existisse pra lutar contra os nazistas. depois a gente ficou meio sem o que fazer."
Felipe Santos dos Santos
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